Um mau dia para Putin

CNN , Frida Ghitis
6 abr, 22:00
A cerimónia no quartel-general da NATO, em Bruxelas, onde foi içada pela primeira vez a bandeira da Finlândia (AP/Geert Vanden Wijngaert)

OPINIÃO. Esta terça-feira foi um dos piores dias para Putin desde que invadiu a Ucrânia, há 14 meses.

Qual foi até agora o pior dia para o Presidente russo, Vladimir Putin, desde o lançamento da sua invasão total e não provocada da Ucrânia no ano passado? É impossível escolher um, mas terça-feira, 4 de abril de 2023, deverá estar no topo da lista.

Esta data ficará para sempre gravada na história. Não, não apenas por causa do que aconteceu numa sala de tribunal em Manhattan envolvendo um certo ex-presidente dos EUA, mas devido a algo indiscutivelmente mais consequente, apesar de render menos nas manchetes. Foi o dia em que a Finlândia aderiu formalmente à NATO.

NOTA DO EDITOR | Frida Ghitis, antiga produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. É colaboradora semanal da CNN, colunista do The Washington Post e colunista da World Politics Review. As opiniões expressas neste comentário são as suas

Quando os membros da NATO se colocaram solenemente em frente da sede da Aliança em Bruxelas, vendo a bandeira azul e branca da Finlândia hasteada ao lado das outras 30, a cerimónia serviu quase como uma declaração de que a guerra de Putin na Ucrânia tinha falhado.

Afinal de contas, Putin justificou a sua invasão com dois argumentos primários. Primeiro, tentou defender que a Ucrânia não é realmente um país mas sim parte da Rússia. Essa afirmação foi desmascarada não só pelos historiadores, mas também pela defesa feroz que o povo ucraniano fez da sua nação.

Em segundo lugar, Putin argumentou que o seu objetivo era impedir a expansão da NATO. A esse respeito, Putin não só falhou, como impulsionou, de facto, o próprio desenvolvimento que procurou impedir. Agora a fronteira da Rússia com os países da NATO mais do que duplicou em comprimento, acrescentando mais cerca de 1.300 quilómetros de fronteira com a Finlândia.

A Finlândia, que já fez parte do império russo e é, portanto, também potencialmente um alvo dos argumentos restauradores de Putin, avançará rapidamente para fortificar essa longa fronteira. Isto porque, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, enviou um sinal inequívoco aos seus vizinhos de que simplesmente não se pode confiar nela.

É claro que a Finlândia já o sabia. Foi atacada por Moscovo, o seu antigo mestre imperial, na Guerra de Inverno de 1939-1940. Os finlandeses defenderam o país com uma força mítica, mas acabaram por perder cerca de 10% do seu território. Na sequência disso, a Finlândia pensou que a melhor forma de se proteger era mantendo a sua neutralidade. Mas Putin fê-los sair dessa noção quando atacou a Ucrânia.

Em Bruxelas, na terça-feira, o Presidente finlandês, Sauli Niinisto, declarou: “A era do não-alinhamento na nossa história chegou ao fim - uma nova era começa”.

Vale a pena enfatizar o ponto: esta foi uma grande derrota para a Rússia e para Putin. Tanto, que o secretário de Estado norte-americano António Blinken declarou: “É por isto que podemos agradecer ao Sr. Putin”. Sem Putin e a sua guerra, a Finlândia não seria um membro da NATO.

A cerimónia no quartel-general da NATO, em Bruxelas, onde foi içada pela primeira vez a bandeira da Finlândia (AP/Geert Vanden Wijngaert)

A guerra não produziu apenas o que Putin disse explicitamente que queria evitar; desencadeou também o oposto do que ele tinha implicitamente procurado. Ele aparentemente esperava que a NATO estivesse dividida sobre a questão de ajudar um não membro. Mas, como o Presidente dos EUA, Joe Biden, observou, a Aliança nunca esteve tão unida. Além disso, a sua importância, a sua finalidade, tornou-se mais clara do que fora em décadas.

A agressão da Rússia transformou o cálculo estratégico para cada país da Europa. Como Niinisto disse à CNN no ano passado, as divisões tornaram-se mais acentuadas, resta pouco espaço para a neutralidade. “A invasão”, disse ele, “mostrou que Moscovo não respeita os países oficialmente não-alinhados”.

E se as nações da União Europeia estão de repente a achar necessário tomar partido, é impressionante que ninguém esteja exatamente a esbarrar nos braços de Moscovo.

Assim que a Rússia enviou os seus tanques para a Ucrânia (depois de ter negado repetidamente a sua invasão), as sondagens na Finlândia começaram a mostrar uma mudança brusca de sentimentos. Em novembro, apesar de - ou talvez devido a - avisos da Rússia e movimentos militarmente ameaçadores perto da fronteira finlandesa, quatro em cada cinco finlandeses apoiaram a adesão à NATO.

Também a Suécia, um país que durante centenas de anos tem seguido uma política de neutralidade, se candidatou à adesão à NATO. Por agora, a Turquia e a Hungria estão a bloquear a sua adesão, concentrando-se nas suas políticas internas. Mas a Suécia, não tenho dúvidas, acabará por aderir.

A adesão da Finlândia não é apenas simbólica. O país não é militarmente incompetente. Todos os homens são obrigados a servir no exército. As suas capacidades de Inverno são inigualáveis e o seu arsenal é impressionante.

Até Moscovo foi forçado a reconhecer que algo importante tinha mudado. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia disse que a entrada da Finlândia na NATO criou “uma mudança fundamental na situação no Norte da Europa”. Na realidade, este realinhamento estratégico vai além do Norte da Europa. Afasta ainda mais o equilíbrio geopolítico da Rússia.

A Rússia advertiu que poderá ser obrigada a tomar “medidas de retaliação”. Mas com as forças de Putin atoladas na Ucrânia, e tão emagrecidas que ele recorreu ao uso de mercenários e de condenados, estas ameaças são menos intimidadoras do que poderiam ser antes de ele ter invadido a Ucrânia há 14 meses, numa campanha que era suposto ter alcançado sucesso numa questão de dias. Se ele pensava que a guerra faria a Rússia parecer mais forte para o resto do mundo, também aí alcançou o oposto do seu objetivo.

Depois, acrescentando mais aborrecimento ao dia desagradável do Presidente russo, na mesma terça-feira em que trouxeram a Finlândia para o rebanho, os líderes da NATO indicaram que tinham convidado o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para participar na cimeira da NATO de Julho na Lituânia.

E, como se Putin precisasse de mais motivos de preocupação, dois líderes europeus chegaram esta semana a Pequim para se encontrarem com o seu aliado mais próximo, o líder da China, Xi Jinping, com o comércio e a Ucrânia no topo da sua agenda. Preparando-se para a sua viagem com o Presidente francês, Emmanuel Macron, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, telefonou a Zelensky para discutir os planos.

A China tornou-se uma linha de vida diplomática e económica para Putin. Mas Pequim precisa de relações fortes com a Europa, e Von der Leyen avisou que “a forma como a China continuar a interagir com a guerra de Putin será um factor determinante para o avanço das relações UE-China”.

Ela fez a declaração num dia em que o líder da NATO, Jens Stoltenberg, disse que era “um bom dia para a segurança da Finlândia, para a segurança nórdica, e para a NATO como um todo".

E, poderia ter acrescentado, um dia muito mau para Putin.

 

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