Ucrânia tem os militares mais experientes do mundo no domínio de técnicas de aeronaves não-tripuladas e pretende ser um parceiro fundamental para treinar e ensinar os exércitos da NATO acerca da experiência obtida no campo de batalha
A capacidade de um país de combater num cenário de guerra moderna é tão boa quanto a sua capacidade tecnológica e a Ucrânia sabe bem disso. O comandante da mais conhecida unidade de drones ucraniana, Robert Brovdi, revelou que nos próximos meses as aeronaves não-tripuladas ucranianas vão passar a ser pilotadas por sistemas de inteligência artificial.
O fundador da unidade especial “Passáros Madyar”, previu que “dentro de seis meses” a Ucrânia não vai precisar de mais pilotos de drones, sublinhando que os militares serão apenas necessários para fazer as aeronaves levantarem voo e pouco mais do que isso. Daí em diante, o próprio software destas armas vai “decidir por si próprio onde ir e como atingir o alvo”, distinguindo entre “amigo e inimigo”.
“Nos próximos seis a oito meses, os drones de ataque tornar-se-ão totalmente autónomos e não necessitarão de controlo humano: os sistemas de IA determinarão eles próprios o alvo do ataque”, afirmou aos jornalistas em conferência.
Apesar de não referir quais os sistemas que vão ser utilizados, várias empresas ucranianas e ocidentais estão a trabalhar para criar sistemas capazes de atravessar as defesas russas e atingir os seus alvos de forma autónoma. Esta inovação é vista com bons olhos por Kiev, que perde vários dos seus drones para os sistemas de guerra eletrónica russos, que cortam o sinal entre o piloto e aeronave.
Este desenvolvimento permitirá à Ucrânia perder um número muito menor de aeronaves. Vários analistas militares ucranianos admitem que as capacidades russas de guerra eletrónica fazem com que os ataques de drones ucranianos no campo de batalha tenham vindo a perder eficácia. Estima-se que apenas 10% dos drones ucranianos atinjam os seus alvos. Tendo em conta que a Ucrânia já produz mais de um milhão de drones por ano, este número é significativo.
Conseguir ultrapassar as medidas de guerra eletrónica russa vai permitir a Kiev utilizar números cada vez maiores drones, em formações que são conhecidas como “enxames”, que operam de forma organizada e coordenada, escolhendo coletivamente os seus alvos. Empresas como a Swarmer trabalham para fazer isso mesmo, desenvolvendo software para ligar grupos de drones numa rede capaz de tomar decisões instantâneas.
Os drones da empresa portuguesa Tekever que atuam na Ucrânia desde o primeiro ano da guerra também operam com sistemas de inteligência artificial. Estas aeronaves, utilizadas exclusivamente em missões de reconhecimento de longas distâncias, são particularmente valorizadas pelos ucranianos devido à capacidade de sobrevivência que a inteligência artificial lhes dá. Quando são alvo de ataque eletrónico russo, os drones da Tekever são capazes de continuar a operar mesmo tendo perdido a ligação com o operador. A aeronave pode ser programada para continuar um determinado percurso ou até voar de regresso a uma zona que lhe permite voltar a obter a conexão com o operador.
Só que a incorporação de inteligência artificial em drones é um assunto que gera muito debate. Muitas associações e decisores políticos são contra a automação de máquinas de guerra, devido aos riscos de dar a uma máquina o poder de decidir se deve matar um determinado alvo. Mas os defensores da tecnologia argumentam que a inteligência artificial veio para ficar e que quem não desenvolver os seus sistemas corre o risco de começar um conflito com uma grande desvantagem tecnológica.
Quem propõe a integração destes sistemas defende um modelo conhecido como “human-in-the-loop”, que significa que a decisão final de atacar um alvo deve estar sempre nas mãos dos humanos. Só que este sistema pode chocar com a realidade. Caso os drones estejam a operar num ambiente onde não conseguem comunicar com o humano podem perder a oportunidade de atingir um alvo particularmente importante, por isso, os defensores desta tecnologia acreditam que os drones devem poder escolher o que atingir.
Um documento de investigação do Parlamento Europeu de 2020 alertou para o facto destes sistemas poderem cometer violações do direito humanitário internacional e reduzir o limiar de entrada em guerra.
Mas para a Ucrânia é uma questão de sobrevivência e o desenvolvimento desta tecnologia está mesmo a acontecer. Robert Brovdi sublinha que, neste momento, a Ucrânia tem os militares mais experientes do mundo no domínio de técnicas de aeronaves não-tripuladas e pretende ser um parceiro fundamental para treinar e ensinar os exércitos da NATO acerca da experiência obtida no campo de batalha.
Prova disso foi a presença de militares ucranianos especialistas em drones em Portugal, nas últimas semanas, para fazer parte do REPMUS 2024, o maior exercício de veículos não tripulados desenvolvidos por países da NATO.