Coluna militar de 64 quilómetros será o último passo de Putin para tomar Kiev?

2 mar 2022, 14:04

São centenas de veículos e milhares de soldados que há dois dias estão a caminho da capital ucraniana. Mas com que objetivo?

Na segunda-feira, foi detetada uma gigantesca coluna militar que saiu da Bielorrússia com destino a Kiev. São mais de 60 quilómetros de extensão, com milhares de soldados russos, que vão em centenas de carros a caminho da capital da Ucrânia. O que significa este passo e qual a sua importância estratégica?

Para o general Leonel de Carvalho, que falou à CNN Portugal, esta movimentação serve como uma força de dissuasão, à margem das negociações que continuam a decorrer entre ambas as partes. De acordo com o militar, a Rússia não tem intenção de fazer um ataque em larga escala em Kiev, não só pela dificuldade que isso acarretaria, levando a muitas baixas humanas, mas também porque não quer destruir cidades.

“A Rússia está a evitar ter muitas baixas, até porque isso afetaria a opinião pública no país”, refere, acrescentando, porém, que a “intenção será mesmo tomar a cidade”.

O major-general Carlos Branco concorda, e sublinha que a pretensão do exército russo é uma capitulação de Kiev sem que se chegue a uma batalha efetiva no terreno.

É por isso que, segundo o militar, a Rússia tem atacado alvos muito direcionados, como foi o caso da torre de televisão, ou como poderão ser os casos dos serviços de informação e outras infraestruturas estatais, que Moscovo já disse serem alvos. 

“A coluna militar insere-se naquilo que é a tática russa: cercar as cidades mais importantes. O objetivo é cercar Kiev e obter a capitulação sem combates”, diz, mencionando que a capital ucraniana está a mostrar resistência, mas que já vive com racionamento de meios, ainda que mantendo os serviços básicos.

Como se compõe a coluna militar?

A dimensão de 64 quilómetros é reveladora, mas os especialistas referem que não será bem assim. Além de haver um grande espaçamento em algumas das zonas da coluna militar, muitos dos veículos que a compõem são de logística ou de transportes.

"Esses 64 quilómetros não são todos de viaturas de combate, algumas transportam tropas e outras mantimentos e logística", refere Leonel de Carvalho.

É isso que destacam os vários especialistas norte-americanos que têm analisado a situação, e que alertam que nem todos os veículos visíveis têm capacidade militar.

Pelo caminho, e de acordo com as imagens recolhidas pela Maxar, várias casas foram vistas a arder, não havendo uma relação oficial entre a passagem da coluna militar e esse facto.

*Comprimento da coluna militar russa que vai a caminho de Kiev (Maxar/AP)
*Approximate convoy endpoint - pontos onde se inicia e termina a coluna
*Stretch of convoy - extensão da coluna
*Houses burning - casas a arder

E se a Rússia avançar mesmo?

Para os dois militares ouvidos pela CNN Portugal, uma invasão armada em larga escala a Kiev é, por esta altura, pouco provável, mas não impossível, até porque, como diz Leonel de Carvalho, “é muito difícil prever o que vai acontecer”.

Para o general, esta estratégia faz parte do plano inicial, ainda que exista uma “constante adaptação” aos objetivos definidos.

Leonel de Carvalho define esta como a primeira fase, a de dissuasão, mas admite um passo à frente, que teria como objetivo a tomada da cidade, que poderia demorar “muito tempo”.

“Seriam ataques diversos, atacar a cidade em várias frentes, ganhando alguns metros na frente”, explica, referindo que “Vladimir Putin não estava a contar com este tipo de resistência”.

“Não acredito que a Rússia tome Kiev sem muitas baixas, o que só poderá tomar num ataque de uma escala muito intensa, com meios aéreos e terrestres”, que, segundo o general, não interessa à Rússia.

Carlos Branco concorda com esta visão, e diz que a oeste, como é o caso de Kiev, quase todos os ataques têm sido para inviabilizar infraestruturas, mas também para cortar as linhas de abastecimento. É o que se verifica na capital ucraniana, onde as condições de vida já começaram a piorar, sem acesso a alguns bens.

O major-general não exclui um “ataque feroz”, mas diz que, para já, vai acontecer uma disposição no terreno, mostrando poder ao inimigo.

“Um ataque a Kiev não é a intenção primária, mas pode vir a acontecer que a situação se altere e eles tenham de entrar de outra forma”, diz, apontando “alguma cautela” na forma como a Rússia tem abordado as diferentes cidades.

Porque não ataca Kiev a coluna?

Com a coluna militar a avançar, ainda que lentamente, seria de supor que a Ucrânia podia tentar atacar essas movimentações. Para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, isso nunca acontecerá até os russos chegarem a Kiev, e há duas razões que explicam isso: falta de meios e tentativa de não escalar a situação.

Leonel de Carvalho diz que a defesa de Kiev se vai fazer no reduto da cidade, se e quando isso for necessário. O general não antevê um contra-ataque sobre a coluna militar russa, uma vez que as tropas ucranianas não têm meios para tal.

“Kiev praticamente não tem meios aéreos nem ogivas, que seriam as únicas formas de atacar”, refere.

O general lembra ainda que continuam a decorrer negociações, conversas nas quais a Ucrânia é “obrigada a participar”, uma vez que, se não aparecesse, estaria a legitimar uma ofensiva russa. No entanto, estas mesmas negociações são, para o militar, uma forma de a Rússia deixar a Ucrânia de “mãos e pés atados”, até porque não vê intenções russas de abandonar os objetivos a que se propõe.

Sobre a defesa de Kiev, diz Leonel de Carvalho, só vai acontecer quando a cidade for mesmo atacada no terreno. Aí, o exército ucraniano vai efetivar o combate, defendendo-se abrigado, a “única forma que tem”.

“Combate em campo aberto seria um suicídio. A desproporção de forças é tão grande que a única hipótese é defender e fazer pequenos contra-ataques”, afirma.

Apesar de ver menos forças do lado da defesa, o general lembra “o fortíssimo nível de moral dos ucranianos, algo essencial na defesa”. Por isso, o especialista entende que, mesmo que Moscovo tome a cidade, haverá sempre resistência a partir do interior.

Carlos Branco não é tão otimista em relação à resistência ucraniana, mas volta a lembrar que a guerra propriamente dita se faz mais noutros locais, como é o caso da cidade de Mariupol, no mar Azov, um dos principais portos da Ucrânia, e que a Rússia quer tomar para ligar por terra a Crimeia e o Donbass.

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