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Putin, Portugal e o PCP

1 mar 2022, 20:19

Por mais impávida que seja a sua expressão, suspeito que Vladimir Putin não é homem imune a surpresas ‒ e ainda menos às dos últimos dias. Se o presidente da Federação Russa soubesse, antes de invadir a Ucrânia, que a reação internacional ao ato de guerra assumiria as atuais proporções, receio que jamais o houvesse consumado. A China, que lhe cita Direito Internacional ao telefone, o Cazaquistão, que lhe recusa auxílio militar, a Turquia, que fecha o Bósforo aos seus navios com o aval de Erdogan, e até ‒ pasme-se ‒ críticas da parte da Chechénia. Putin, mais do que sozinho, está isolado. Tal verifica-se neste distanciamento das autocracias e das democracias ditas musculadas às suas ações, mas também ‒ e talvez mais gravemente ‒ no fim de neutralidades que tomou sempre por garantidas.

A Suíça, epítome da neutralidade em tempos de guerra, apoiou e integrou o pacote de sanções da União Europeia à Rússia. A Suécia, de tradição neutral igualmente simbólica, aprovou o envio de armas para a Ucrânia. A Finlândia, por proposta de um conjunto de membros do seu parlamento, tenciona finalmente aderir à NATO. A Comissão Europeia, na voz da sua presidente, abriu a porta à pertença da Ucrânia. O novo chanceler alemão anunciou “uma mudança de paradigma” no papel de Berlim na defesa do continente ‒ algo também sem precedentes desde a Segunda Guerra. Os Estados Unidos estão menos distantes de Bruxelas e o Ocidente mais próximo de si próprio. E nada disso é bom para Putin.

A ordem internacional que sair do conflito por si provocado ‒ e que está já a surgir ‒ ser-lhe-á profundamente desfavorável se comparada com a que subsistia antes da invasão da Ucrânia. O mundo, depois desta guerra, será ainda menos conciliável com a visão que Putin tem da Rússia, da Europa e dos equilíbrios de poder entre as superpotências. As consequências dos seus atos resultarão, um tanto ironicamente, no oposto do que pretendia: mais vizinhos na sua fronteira a pertencerem à NATO, mais integração da Ucrânia no bloco ocidental, mais europeísmo em países demasiado idênticos e próximos à Rússia para os russos não preferirem viver neles.

Aquilo que impeliu Putin a invadir ‒ o risco de ocidentalização da Ucrânia ‒ teve como consequência não apenas o reforço dessa ocidentalização como algo mais: a ucranização do Ocidente.

Depois do combate no terreno, onde crimes de guerra foram já cometidos, da batalha das sanções, que afundará a Rússia numa pobreza ainda maior, e do acantonamento internacional, que a retórica nuclear só agravou, Putin enfrenta três frentes: desmoralização militar, instabilidade política e revolta social. A partir de agora, todos começarão a pensar num futuro sem ele.

Mais perto de nós, a vida interna das democracias também não será indiferente à guerra da Ucrânia e à ordem internacional que dela resultar. Em Portugal, a dificuldade do PCP em condenar Putin feriu letalmente a sua credibilidade, o BE vai procurando com alguma ambiguidade o seu lugar neste novo mundo e Rui Rio rapidamente recuou após uma proposta desinformada sobre sanções.

A posição dos comunistas é verdadeiramente problemática pela simpatia que o partido colhe naqueles que não esquecem a sua luta contra o salazarismo e o seu papel, num país particularmente pobre, na defesa dos trabalhadores. Hoje, ao votar contra a resolução do Parlamento Europeu que condenou a agressão russa à Ucrânia, o PCP falhou a esse legado. As explicações que deu durante a tarde, acusando o documento de instigar à escalada do conflito, são um tanto espúrias se nos dermos ao trabalho de o ler. “Solidariedade total para com o povo na Ucrânia”, “Prossecução de esforços diplomáticos para pôr termo à agressão”, “Facilitação de meios e métodos para fazer face às consequências económicas e sociais das sanções”, “Rejeição categórica da retórica russa que aponta para o possível recurso a armas de destruição maciça”, “Desolação perante a trágica perda de vidas e sofrimento humano”, “Especial atenção aos grupos vulneráveis e às minorias”, “Mais ajuda humanitária de emergência à Ucrânia”. Sinceramente, como é que se vota contra isto? Nem eu nem 637 eurodeputados sabem. Saberá o PCP, que continua a culpar “os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia” por uma invasão ‒ e um crime à luz do Direito Internacional ‒ perpetrados por um homem.

A manifestação da paz em Lisboa, junto à embaixada russa, revelou a abrangência da coligação antiguerra, como lhe chama Zelensky, a que os portugueses profusamente aderiram e que os nossos comunistas lamentavelmente rejeitam.

Eu vi: ucranianos ao lado dos seus compatriotas, russos ao lado de ucranianos, marxistas ao lado de democratas-cristãos, liberais ao lado de socialistas, a Igreja Ortodoxa ao lado da comunidade LGBT. A liberdade, para todos os que ali foram, estava antes das suas discordâncias. E o meu conselho aos nossos políticos vai nesse sentido.

Não cometam o erro de Putin.

Não subestimem a onda azul e amarela.

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