Constrangidos por questões de política interna e receios que o conflito se alastre a outras regiões da Europa, os líderes da Alemanha e da França ainda não deram autorização à Ucrânia para usar os mísseis de longo alcance em solo russo. Mas estão a ser pressionados para fazê-lo
Agora que Washington levantou as restrições à utilização pela Ucrânia de mísseis americanos de longo alcance para atacar dentro da Rússia, o que vão fazer os países europeus?
Antes de responder a esta questão, o especialista em assuntos internacionais Tiago André Lopes recorda as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, que esta segunda-feira “afirmou que possivelmente a Ucrânia não tem mísseis suficientes para garantir a sua defesa e para atacar a Rússia”. “Ainda não estou a abrir o champanhe, porque não sabemos o número real de mísseis que a Ucrânia tem”, disse Gabrielius Landsbergis, antes de uma reunião com outros ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, em Bruxelas. “A questão que se coloca é se a Ucrânia tem mísseis suficientes para fazer a diferença no campo de batalha.”
Talvez tenhamos assistido a “uma falsa permissão” por parte dos EUA, apenas “para Biden se sentir bem com a sua consciência”, diz Tiago André Lopes à CNN Portugal.
A notícia da decisão dos EUA foi avançada domingo pelo New York Times, que cita uma fonte da Casa Branca. O jornal sublinha ainda que a decisão não foi consensual entre os conselheiros do presidente. Esta opção de Joe Biden, que anteriormente já tinha autorizado a utilização do sistema de rockets HIMARS em resposta aos avanços da Rússia em Kharkiv, surge após a decisão de Moscovo de enviar tropas norte-coreanas para a frente de guerra na Ucrânia.
Alguns líderes europeus manifestaram imediatamente o seu apoio à decisão dos EUA e até o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, disse esperar que outros Estados-membros da União Europeia sigam a decisão dos EUA de permitir que a Ucrânia ataque alvos na Rússia. Mas a França e o Reino Unido que já fornecem à Ucrânia os seus mísseis de longo alcance Storm Shadow e SCALP não autorizaram ainda a sua utilização no interior da Rússia.
“O Reino Unido tem-se mantido em silêncio e essa é também uma posição muito interessante”, afirma o especialista em assuntos internacionais. “Há três anos o Reino Unido era o grande aliado da Ucrânia, estava na linha da frente. Neste momento, há um apoio diplomático mas que não se materializa em apoio concreto.”
Já "a França apoiou pública e politicamente a decisão dos EUA mas para já não levanta as restrições à utilização dos seus mísseis”, sublinha Tiago André Lopes. “Surgiram algumas informações de que a França teria mudado de posição, mas isso não foi confirmado."
O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noël Barrot, afirmou esta segunda-feira que o presidente Macron já tinha indicado, em maio, que Paris estava aberta à ideia de dar luz verde à utilização dos seus mísseis: “Dissemos abertamente que esta era uma opção que consideraríamos se permitisse atingir alvos a partir de onde a Rússia está atualmente a atacar o território ucraniano. Por isso, não há nada de novo a assinalar”, disse Barrot aos jornalistas em Bruxelas, na segunda-feira.
Tiago André Lopes considera que dificilmente a França tomará uma posição mais musculada, uma vez que “Macron está num momento politicamente muito frágil a nível interno”, o que deverá condicionar as suas decisões.
Por outro lado, o chanceler alemão Olaf Scholz afirmou esta segunda-feira que mantém a decisão de não autorizar o envio de mísseis Taurus para a Ucrânia. Em declarações na cimeira do G20, a decorrer no Rio de Janeiro, Scholz referiu que também mantém a decisão de não autorizar ataques com armas alemãs contra alvos em território russo. O chanceler alemão já antes tinha afirmado recear que tal ação arraste os Estados da NATO para o conflito.
Ainda assim, a Alemanha anunciou que vai entregar 4.000 drones guiados por Inteligência Artificial à Ucrânia. O ministro da Defesa Boris Pistorius disse aos jornalistas, num evento na Baviera, que os drones fornecidos “são dirigidos e apoiados por inteligência artificial” e que podem “derrubar as defesas electrónicas dos drones inimigos”. Os drones “podem ser entregues rapidamente” e ser “colocados 30 a 40 quilómetros atrás da linha da frente para atingir postos de combate, centros de logística, entre outros alvos”, disse Pistorius.
O chanceler Olaf Scholz está a ser cada vez mais pressionado para mudar de posição, mas para já não o fez. “Isso prende-se também com o facto de estar a preparar-se para as eleições de fevereiro, neste momento é impossível saber como serão os resultados dessas eleições”, explica Tiago André Lopes.
“O que já se percebeu é que a questão dos Taurus vai ser um assunto quente da campanha. Vamos assistir a uma politização da questão dos mísseis”, antevê Tiago André Lopes. O ministro da Economia e candidato dos Verdes a chanceler, Robert Habeck, disse no domingo que se ganhasse as eleições enviaria Taurus para a Ucrânia. Marie-Agnes Strack-Zimmermann, eurodeputada, referiu que os Verdes, o partido da oposição União Democrata-Cristã e o seu partido, o liberal FDP, são todos a favor do fornecimento de Taurus à Ucrânia, o que significa que haveria uma “maioria numérica no Bundestag” que aprovaria essa decisão.