Saída russa de Kherson "não deixa de parecer uma ratoeira". Vem aí uma das batalhas mais importantes da guerra

3 nov 2022, 23:08

Naquela que foi uma das primeiras cidades conquistadas pela Rússia está a assistir-se a uma substituição de civis por militares. E fingir uma retirada para depois contra-atacar pode ser um crime de guerra

Bastião russo desde o início da invasão da Ucrânia, a região de Kherson estará prestes a voltar às mãos de Kiev, depois de uma bem-sucedida contraofensiva ter empurrado as forças de Moscovo para Este. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já disse que o país pode “esperar boas notícias”, enquanto as figuras do exército esperam a tomada da cidade de Kherson até ao fim do ano.

Ali, logo acima da Península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, poderá decorrer uma das principais batalhas desde 24 de fevereiro. Uma derrota em Kherson, local de vital importância estratégica e política, será, também, uma derrota de Vladimir Putin, agravada pelo facto de ter proclamado a anexação de Kherson, bem como Zaporizhzhia, Donetsk e Lugansk, à Federação Russa.

Para já continuam as incertezas: se há cidades onde a bandeira russa já não está hasteada, do lado ucraniano há quem desconfie que isso é uma forma de atrair os soldados de Kiev, numa altura em que mais mil militares foram mobilizados para aquela zona.

Um cenário que o comandante João Fonseca Ribeiro vê como possível, afirmando que existem razões para esta desconfiança: "Provavelmente, as posições defensivas russas nessa zona estariam difíceis de sustentar e a opção terá sido retirar para posições mais preparadas, cedendo território." 

Em declarações à CNN Portugal, o especialista militar diz que essa situação pode levar a um grande campo aberto para os ucranianos percorrerem, ao passo que as linhas russas aguardam em posições estratégicas.

"A atenção das forças ucranianas terá de ser redobrada", destaca, referindo que é preciso ter atenção às diferentes informações e comunicações no local.

"Está-se a montar um grande teatro de abandono. Não deixa de parecer uma ratoeira", acrescenta, comparando com anteriores retiradas russas, como em Kharkiv, e falando no risco de haver uma "catástrofe" na cidade de Kherson, referindo-se especificamente ao caso da barragem de Nova Kakhovka.

Para o major-general Isidro Morais Pereira, o atual dispositivo russo na margem direita do rio Dniepre não tem capacidade para resistir à ofensiva ucraniana, avançando com aquela que diz ser a explicação para a demora na conquista da cidade. "As forças ucranianas só não conquistaram a cidade de Kherson porque não querem recorrer às táticas da Federação Russa." Em declarações à CNN Portugal, o especialista militar lembra que o objetivo passa por reconstruir e preservar a localidade, e que será por isso que assistimos a uma operação mais demorada.

Lembrando que um dos cenários em cima da mesa é o de que a Rússia esteja a retirar como estratégia, Isidro Morais Pereira recorre ao termo "perfídia", que diz ser "um crime de guerra que está ao abrigo do Direito Internacional". No fundo, trata-se de uma estratégia em que um dos lados, no caso a Rússia, finge retirar, agindo de boa-fé, para depois contra-atacar.

Empurrados para lá do rio Dniepre, é nessa zona que os russos resistem agora, tendo do seu lado as chuvas que chegam a solo ucraniano, e que em breve se devem transformar em nevões.

Com os administrativos russos foram também 70 mil civis, enquanto os militares ficaram na linha da frente, preparando-se para uma batalha que, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer.

"Há uma substituição de cidadãos por forças ocupantes", vinca, sublinhando que a batalha por Kherson "continua iminente".

Sobre a evolução da situação, diz Isidro Morais Pereira que a Ucrânia deverá conseguir tomar a cidade, mas que tudo depende da forma como a Rússia vai gerir a situação: "Vamos ver se com poucas baixas. Se os russos tomarem a decisão mais acertada, que é retirar, ou se vamos ter uma batalha sangrenta, quarteirão a quarteirão, casa a casa."

O objetivo passa por, depois da libertação de Kherson, avançar para a Crimeia, região anexada que Volodymyr Zelensky já disse várias vezes querer recuperar. De resto, o presidente ucraniano afirmou mesmo que a guerra só terminará quando também aquela península for “libertada”.

Mas há mais razões para Vladimir Putin defender Kherson com tudo o que pode: a barragem de Nova Khakovka e a respetiva central de produção hidroelétrica, que tem servido ambos os lados para ataques, uma vez que Ucrânia e Rússia acusam-se mutuamente de querer destruir a infraestrutura.

Para já, e nas últimas três semanas, a situação mantém-se estável. Kherson mantém-se como capital regional ucraniana que Moscovo conseguiu controlar em mais de oito meses de guerra. Mas poderá não ser assim por muito mais tempo.

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