Rússia lança campanha para aumentar número de tropas (e até paga um bónus)

11 jul 2022, 11:23
Vladimir Putin e Sergei Shoigu (AP)

Descontentamento de alguns soldados apressou uma tomada de posição do Kremlin, que não quer admitir dificuldades no terreno

Quatro soldados que regressaram da guerra na Ucrânia publicaram curtos vídeos na Internet onde se queixam do tratamento recebido após o regresso à região russa da Chechénia. Um dos homens queixou-se de não ter recebido o pagamento acordado de dois mil dólares por seis semanas de combate, enquanto outro afirmou que um hospital local não lhe removeu os estilhaços com que tinha ficado no corpo.

Pedidos de ajuda que rapidamente se tornaram conhecidos, e que acabaram por motivar uma reação de Ramzan Kadyrov, o autocrata que lidera aquela região russa e que apareceu na televisão para apelidar de ingratos aqueles quatro soldados, num caso que acabou com uma reviravolta.

“Pagaram-me muito mais do que me prometeram”, afirmou Nikolai Lipa, o tal soldado que dias antes se tinha queixado de que teria recebido menos que o acordado.

A história não ficou por aqui, e o Kremlin percebeu a necessidade que tem de continuar a mobilizar as tropas. Não só as que estão a combater na Ucrânia, mas aquelas que poderão vir a fazê-lo. É que os responsáveis do exército russo querem colocar de lado qualquer tipo de crítica ao que está a ser feito, ao mesmo tempo que sabem que precisam de mais soldados. Por isso mesmo, e segundo o The New York Times, especialistas militares falam já em “mobilização furtiva” de elementos, tendo como objetivo conseguir novos recrutas para o exército, uma forma de não recorrerem a uma mobilização nacional que seria politicamente arriscada.

O major-general Agostinho Costa afirma que este cenário faz sentido, falando numa grande "discrepância" de forças entre Ucrânia e Rússia. Ouvido pela CNN Portugal, o militar lembra que a Ucrânia conta com cerca de um milhão de soldados, entre os 700 mil efetivos do exército e os quase 300 mil das diferentes polícias, enquanto a Rússia colocou em "campo" 300 mil efetivos, um número muito menor.

"Há uma constatação de uma assimetria muito grande dos efetivos e é normal que haja da parte russa uma intenção de um aumentar o efetivo no teatro de operações", refere, apontando que isso não significa, para já, uma mobilização geral, até porque ainda não está instituído na Rússia o serviço militar obrigatório.

Por isso mesmo, o especialista sublinha que não lhe parece que o objetivo final da Rússia passe por tomar toda a Ucrânia, até porque isso sim, significaria a necessidade de uma mobilização geral.

"Se as forças russas já enfrentam uma resistência significativa, se entrassem na região de Lviv e no noroeste da Ucrânia iam ter uma situação de uma guerra durante muitos e bons anos. Não acreditamos que isso esteja nos horizontes de Vladimir Putin. Não tem capacidade para isso e o exército que têm não é suficiente. Obrigaria a uma mobilização geral e a um esforço adicional", acrescenta.

Recrutamento online e forças fora de Moscovo

Num website de recrutamento alojado na Rússia, é possível ver uma série de "ofertas de emprego" em que a descrição é "soldado a contrato". Oferece-se entre 150 mil a 200 mil rublos, algo entre os 1.280 a 1.700 euros para entrar para o exército. Um salário que projeta bem a necessidade russa, já que o ordenado mínimo naquele país anda à volta dos 14 mil rublos (cerca de 119 euros), e o salário médio não ultrapassa os 700 euros. Além disso, e segundo o The New York Times, alguns soldados recebiam menos de 200 euros antes da guerra.

Por isso, o Kremlin faz valer uma visão de um exército combinado de várias etnias minoritárias, algo que acontece desde o início, mas que pode ganhar novo alento. Na Ucrânia combatem os soldados oficiais do exército russo, sim, mas também quem chega de milícias da Chechénia, por exemplo, ou aqueles que já estavam no terreno do lado dos territórios separatistas de Donetsk e Lugansk. A estes juntam-se vários outros mercenários e voluntários (como os que pertencem ao grupo Wagner), sobretudo agora que a Rússia poderá vir a fazer novas promessas de pagamentos chorudos pelos serviços.

É o que refere Agostinho Costa, que fala nas forças independistas como a "ponta da lança" da ofensiva russa, lembrando também que muitos dos efetivos mobilizados pelo Kremlin pertencem a milícias de repúblicas autónomas. Além dos chechenos, também estão no local vários militares de repúblicas como o Daguestão ou a Buriácia: "São batalhões com estatuto especial. É isso que nos mostram as imagens. A fatia de leão é muito assumida pelos exércitos locais dos estados independistas de Donetsk e Lugansk e por batalhões de regiões vindas da Federação Russa", afirma.

De resto, segundo os números analisados pelo The New York Times, morreram na Ucrânia muito mais militares chegados de regiões periféricas da Rússia do que aqueles que foram destacados a partir de grandes cidades como Moscovo ou São Petersburgo.

Preocupações políticas de Putin

Uma das grandes preocupações de Vladimir Putin é manter a popularidade junto do povo, o que é sempre mais difícil num contexto de guerra, mesmo que a essa guerra se chame "operação militar especial".

O presidente da Rússia terá bem presente os conflitos na Chechénia ou no Afeganistão, guerras que custaram milhares de vidas à Rússia. No primeiro caso, Vladimir Putin tinha poucos dias como primeiro-ministro russo, subindo poucos meses depois a presidente. Foi ele quem lidou com a revolta chechena, quando forças daquela região, apoiadas por jihadistas, tentaram a independência.

Foi assim que surgiu a figura de Ramzan Kadyrov, que emergiu como um dos pró-russos no local, acabando por ficar a governar no fim do conflito. Nesse caso, a opinião pública levou mesmo a Rússia a terminar com o recrutamento de militares entre os 18 e os 27 anos que nunca tinham estado numa guerra.

Já no caso do Afeganistão, guerra em que a União Soviética esteve envolvida durante 10 anos, tratou-se de um conflito em que se perderam quase 15 mil soldados, numa guerra que ficou mesmo conhecida como o "Vietname da União Soviética", aludindo à pesada derrota dos Estados Unidos naquele país asiático.

Ainda que os números oficiais do lado russo sejam completamente diferentes, os serviços secretos do Reino Unido contabilizam cerca de 25 mil mortos desde o início da invasão, sinalizando ainda dezenas de milhares de feridos de uma guerra que mobilizou inicialmente 300 mil homens.

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