Rússia espreita para o abismo e vislumbra um "default"

3 mar 2022, 19:19
Vladimir Putin

Risco de incumprimento financeiro ganha forma na economia russa, cuja dívida é maioritariamente interna. O rublo nunca valeu tão pouco e a torneira para o exterior está fechada. Dívida de Moscovo é agora “lixo” para as agências de "rating"

A invasão militar da Ucrânia pela Rússia esconde outra guerra com que Moscovo terá de lidar: o risco de a sua economia falir. As sanções da União Europeia e dos Estados Unidos podem reduzir a fortaleza financeira que Vladimir Putin construiu nos últimos anos a pouco mais do que um castelo de areia.

“As sanções aumentaram significativamente a probabilidade de um ‘default’ de títulos em rublos do Estado russo", alertou o banco de investimento JP Morgan, numa nota de análise. Os alertas vão-se acumulando: “Sendo uma economia com um baixo nível de dívida, a Rússia poderia cumprir com o pagamento destas obrigações”, começa por escrever Padhraic Garvey, economista do banco ING, noutra nota, “mas a sua capacidade para pagar tem sido comprometida pelo crescimento das sanções”. 

O rácio da dívida pública russa corresponde a 20% do seu PIB (produto interno bruto). Portugal, por exemplo, acabou 2021 com um rácio de 127,5%.

Mas o rublo – a moeda oficial russa - nunca valeu tão pouco face aos pares estrangeiros. Cada rublo equivale a menos de 1 cêntimo ou, se preferir, são precisos 115 rublos para comprar um euro.

As sirenes soaram na noite de terça-feira, quando o banco central russo anunciou que os estrangeiros que detêm títulos de dívida soberana não iam, por enquanto, receber dinheiro pelas obrigações que detêm em rublos. As obrigações soberanas continuam a derrapar, numa altura em que o país deve falhar com um pagamento aos credores pela primeira vez desde a última grande crise, em 1998.

O primeiro grande teste será no próximo dia 16 de março, aponta o JP Morgan, quando dois cupões de emissões de dívida, no valor de 700 milhões de dólares, terão de ser pagos.

Grande parte da dívida russa está nas mãos dos próprios russos. Até ao final de fevereiro, apenas 20% de toda a dívida estava na posse de estrangeiros, de acordo com os dados do banco central da Rússia. Esta quantia era de três biliões de rublos até ao final de janeiro, segundo o Instituto de Finanças Internacionais, o que à cotação atual representa 28 mil milhões de dólares.

O fantasma de 1998

A última vez que a Rússia não cumpriu com as obrigações junto dos credores foi em agosto de 1998, há 24 anos, na chamada “crise do rublo”. A partir daí, o país foi sendo capaz de fortalecer a sua posição financeira; o banco central russo conseguiu conter a escalada da inflação e acumulou 630 mil milhões de dólares em reservas internacionais – à boleia dos elevados preços do petróleo. Mas esta almofada, que representa 40% de toda a economia russa, está agora parcialmente congelada – uma nova sanção de EUA e UE.

“Esta talvez seja a iniciativa mais significativa, porque reduz substancialmente a capacidade do Banco Central da Rússia para liquidar ativos estrangeiros e ajudar as empresas russas a pagar dívidas em moeda estrangeira”, refere o Capital Economics, numa nota.

Viviam-se dias prósperos em Moscovo e as agências de rating aplaudiam a boa forma da economia russa. Mas esse tempo acabou. O estalar da guerra no leste europeu foi há oito dias, tempo suficiente para as três maiores agências de "rating" do mundo (a Fitch, a Moody’s e a Standard & Poor's) cortarem a dívida russa para o nível de “lixo”. Um cenário promovido pelo impacto que as sanções de Bruxelas e Washington terão na economia do país.

“Acreditamos que as sanções anunciadas podem ter um efeito direto significativo e repercussões na atividade económica e comercial, na confiança dos consumidores e na estabilidade financeira, e também antecipamos que as tensões geopolíticas tenham impacto na confiança do sector privado, atingindo o crescimento económico”, justificou a Standard & Poor’s.

Enquanto continuam a explodir bombas russas em várias cidades da Ucrânia, a bolsa de valores de Moscovo está fechada pela quarta sessão consecutiva, para evitar (ou adiar?) um crash dos valores das empresas cotadas russas. O mundo internacional afasta-se cada vez mais de Putin e o seu país corre o risco de virar um Estado pária. Também financeiramente.

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