Rússia ataca com mísseis mais antigos e menos precisos. Mas o suficiente para matar e destruir

CNN , Análise por Tim Lister
14 out 2022, 08:00
Ataque em Kiev (AP)

ANÁLISE. Estratégia russa mudou e a Ucrânia não tem os sistemas de defesa antiaérea necessários para se defender com eficácia

As forças armadas russas parecem ter iniciado uma nova tática nos seus esforços para mudar o rumo desta sua hesitante guerra: tentar sobrecarregar as defesas aéreas da Ucrânia, em grande parte da era soviética, com dezenas de mísseis e drones em várias direções.

Numa altura em que a Ucrânia avança para o fortalecimento das suas defesas antimísseis após a mais recente ofensiva, para Moscovo a matemática é simples: uma percentagem dos projéteis ultrapassará as defesas.

O ataque aéreo russo dos últimos dias teve como alvo, em grande parte, a infraestrutura energética da Ucrânia, usando uma variedade de mísseis e drones recém-adquiridos ao Irão. Mas, embora os danos tenham sido substanciais, a Ucrânia afirma ter abatido cerca de metade dos mísseis disparados – e espera que a taxa de sucesso melhore à medida que novas defesas aéreas chegam da Alemanha, dos EUA e de outros países.

Ao longo dos últimos dias, os russos têm usado uma combinação do seu arsenal de mísseis. A maioria foram mísseis de cruzeiro lançados do ar, alguns disparados por bombardeiros estacionados perto do Mar Cáspio. Mas também foram lançados misseis Kalibr do Mar Negro a partir de navios, mísseis de cruzeiro Iskander a partir do solo, e dezenas de drones de ataque.

A grande incógnita é até que ponto esta investida está a esgotar as reservas russas – e se cada vez mais irão recorrer a reservas de mísseis mais antigos, menos precisos, mas igualmente poderosos.

Calcular o inventário de mísseis russos é mera suposição. Em maio, o presidente Volodymr Zelensky disse que a Rússia tinha lançado 2154 mísseis e tinha provavelmente usado 60% do seu arsenal de mísseis de precisão. Hoje isso soa a wishful thinking.

A visão do Pentágono na altura, em relação ao arsenal russo, era de que o país “nunca teve tão poucos mísseis de cruzeiro, particularmente mísseis de cruzeiro lançados do ar”, mas que Moscovo ainda mantinha mais de 50% do seu inventário pré-guerra.

Parte desse inventário foi utilizado esta semana. Mas a Rússia recorreu recentemente ao uso de mísseis KH-22, muito mais antigos e menos precisos, (originalmente fabricados como uma arma antinavio), dos quais possui ainda um grande arsenal, de acordo com agentes ocidentais. Com um peso de 5,5 toneladas, estão projetados para destruir porta-aviões. Um KH-22 foi responsável por dezenas de vítimas num centro comercial em Kremenchuk, em junho.

Mesmo o míssil mais moderno KH-101 tem uma precisão de até 50 metros, o que dificilmente se pode considerar como “arma de precisão”.

Os russos também têm adaptado o S-300 – normalmente um míssil de defesa aérea – como uma arma ofensiva, com algum resultado. Estes têm causado devastação em Zaporizhzhia e Mykolaiv, entre outros locais, e a sua velocidade torna-os difíceis de serem intercetados. Mas não têm grande precisão.

Não há dúvida de que os ataques de mísseis desta semana, para além de terem provocado dezenas de baixas, causaram danos significativos. O ministro da Energia da Ucrânia, Herman Halushchenko, disse à CNN na terça-feira que cerca de 30% da infraestrutura energética do país foi atingida por mísseis russos desde segunda-feira.

Disse a Richard Quest, da CNN, que esta foi a “primeira vez desde o início da guerra” que a Rússia “visou fortemente” a infraestrutura energética.

Mas os operadores de energia da Ucrânia já começam a habituar-se a reparar subestações, torres e centrais elétricas. Zelensky disse na terça-feira: “A maioria das vilas e aldeias, que os terroristas quiseram deixar sem eletricidade e comunicações, já tem a eletricidade e as comunicações restabelecidas.”

Nos últimos nove meses, os ucranianos também têm ganho muita prática no uso das suas defesas aéreas limitadas, principalmente os sistemas BUK e S-300. Mas Yurii Ihnat, porta-voz do Comando da Força Aérea, disse na terça-feira em relação a estes sistemas que: “Este equipamento não dura para sempre, pode haver perdas em operações de combate”.

Referiu ainda que “o fabricante deste [equipamento] é a Rússia, pelo que teremos que nos despedir dele mais cedo ou mais tarde”.

Os batalhões de defesa aérea ucranianos têm vindo a inovar: um vídeo de segunda-feira, referido por Zelensky, mostra um soldado a usar um míssil de ombro para derrubar um projétil russo, supostamente um míssil de cruzeiro.

Zelensky disse numa mensagem de vídeo na terça-feira que 20 dos 28 mísseis disparados contra a Ucrânia naquela manhã tinham sido abatidos. As autoridades ucranianas disseram à CNN que mais de metade dos mísseis de cruzeiro russos disparados na segunda e terça-feira foram abatidos: 65 em 112.

Mas isso significa que cerca de 50 atingiram os alvos, o suficiente para causar danos colossais.

O cálculo da percentagem de drones Shahed de fabrico iraniano que foram eliminados é mais difícil, porque estão a ser usados em grande quantidade. Zelensky disse que “a cada 10 minutos recebo uma mensagem acerca do uso dos Shahed iranianos por parte do inimigo”. Mas também referiu que a maior parte deles estava a ser abatida.

No mês passado, a Subsecretária da Defesa dos EUA, Sasha Baker, disse que os EUA já tinham “alguns indícios” de que os drones iranianos “estavam a experienciar inúmeras falhas”.

Um ‘escudo aéreo’

Ao discursar na reunião do G7 na terça-feira, Zelensky apelou à criação de um escudo aéreo na Ucrânia.

“Quando a Ucrânia receber um número suficiente de sistemas de defesa aérea modernos e eficazes, o elemento-chave do terror russo – os ataques com mísseis – deixará de ter efeito.”

Os aliados da Ucrânia entendem esta necessidade. Antes de uma reunião de apoiantes da Ucrânia em Bruxelas na quarta-feira, o general Mark Milley, diretor do Estado-Maior Conjunto dos EUA, disse que “após o ataque da Rússia à população civil ucraniana, vamos procurar opções de defesa aérea capazes de apoiar os ucranianos”.

Um oficial sénior do Ministério da Defesa dos EUA acrescentou que estava em curso a melhoria das defesas aéreas ucranianas, incluindo “encontrar recursos da era soviética e garantir que os países estão prontos (e) podem doá-los e posteriormente ajudar a movimentar esses recursos”.

A lista de desejos da Ucrânia – divulgada na reunião de quarta-feira – incluía mísseis para os sistemas já existentes e uma “transição para um sistema de defesa aérea estratificado de origem ocidental”, assim como “recursos de alerta antecipado”.

Milley disse que “aquilo que julgamos possível de ser fornecido é um sistema integrado de defesa antimíssil”.

Em declarações após a reunião do Grupo de Contacto de Defesa da Ucrânia, disse que este sistema não “controlaria todo o espaço aéreo da Ucrânia, mas está desenhado para controlar alvos prioritários que a Ucrânia necessite de proteger. Estamos a falar de sistemas de baixa altitude e curto alcance, em seguida, sistemas de média altitude e médio alcance e, em seguida, sistemas de longo alcance e alta altitude, e é uma mistura de todos estes.”

Os sistemas ocidentais estão a começar a chegar. O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, disse na terça-feira que “começou uma nova era de defesa aérea” com a chegada do primeiro IRIS-T da Alemanha, e as duas unidades do Sistema Nacional Avançado de Mísseis Terra-Ar (NASAM) dos EUA esperadas para breve.

“Isto é apenas o início. E precisamos de mais”, disse Reznikov na quarta-feira, antes de escrever no Twitter no seguimento de uma reunião com apoiantes da Ucrânia em Bruxelas: “O primeiro ponto da agenda de hoje é o fortalecimento da defesa aérea (da Ucrânia). Estou otimista.”

Mas estes sistemas não estão prontos a ser usados. O IRIS-T teve de ser fabricado para a Ucrânia. Os governos ocidentais têm um inventário limitado ao nível destes sistemas. E a Ucrânia é um país muito grande sob ataque de mísseis a partir de três direções.

Também é pouco rentável usar sistemas avançados para abater drones baratos. Mas pode haver outras respostas para as centenas de drones de ataque que a Rússia tem estado a lançar. De acordo com Zelensky, a Rússia encomendou 2400 drones Shahed-136 ao Irão.

No entanto, as autoridades ucranianas dizem que as forças de defesa aérea já têm estado a abater a “maior parte” dos drones Shahed.

Na terça-feira, o alto comandante militar da Ucrânia, o general Valerii Zaluzhnyi, expressou através do Twitter o seu agradecimento à Polónia, que apelidou de “irmãos de armas” por terem treinado um batalhão de defesa aérea que destruiu nove de onze Shahed.

Ele disse que a Polónia deu à Ucrânia “sistemas” para ajudar a destruir os drones. No mês passado, surgiram informações de que o governo polaco tinha comprado equipamentos avançados israelitas (Israel tem uma política de não vender “tecnologia defensiva avançada” a Kiev) e estava a transferi-los para a Ucrânia.

Existe agora uma corrida entre a capacidade dos ucranianos de adquirirem novos equipamentos de defesa aérea, aprender a manejá-los e implantá-los – e a capacidade dos russos de infligir danos severos na infraestrutura ucraniana (civil e militar) com o seu grande arsenal de mísseis, nem todos eles armas de precisão.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, disse na terça-feira que a Ucrânia precisava de “mais” sistemas para melhor bloquear os ataques com mísseis. “Estes sistemas de defesa aérea estão a fazer a diferença porque muitos dos mísseis disparados (esta semana) foram na verdade abatidos pelos sistemas de defesa aérea ucranianos fornecidos pelos Aliados da NATO”, disse. “Mas enquanto não forem todos abatidos, é óbvio que há necessidade de mais.”

Até que cheguem mais, existe o risco – demasiado familiar para o governo e o povo da Ucrânia – de que a combinação de mísseis russos cause muito mais estragos entre a população civil, especialmente se os russos persistirem com a tática de usar uma chuva de mísseis, inundando as defesas aéreas.

Victoria Butenko e Ellie Kaufman contribuíram para este artigo.

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