"Robusta", "segura" e "resistente". Como a central nuclear de Zaporizhzhia aguentaria até o impacto de um avião

4 mar 2022, 18:00
Central nuclear de Energodar, Ucrânia (Arquivo AP)

Especialistas explicam como funcionam as centrais nucleares modernas e garantem que estas "são intrinsecamente seguras do ponto de vista da sua operação e da sua arquitetura"

"Devemos ficar preocupados sempre que há uma atividade potencialmente perigosa perto de uma central nuclear, mas não me parece que estejamos na iminência de um desastre nuclear", afirma Pedro Sampaio Nunes, engenheiro e antigo diretor da Comissão Europeia das Energias Convencionais e das Novas Tecnologias de Energia, sobre o facto de as forças militares russas terem assumido, na madrugada de sexta-feira, o controlo da central nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, no sudeste da Ucrânia.

Os combates na região e um incêndio num prédio adjacente levantaram o medo de um acidente nuclear e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, alertou que uma explosão nesta central seria "dez vezes" maior do que em Chernobyl. Mas os riscos podem ter sido exacerbados e a integridade da central parece nunca ter estado em causa. A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) garantiu mesmo que não foi detetada uma subida da radiação na maior central nuclear da Europa.

"A atividade nuclear civil é potencialmente muito perigosa e, por isso, obedece a protocolos absolutamente rígidos de segurança. Desde que se cumpra a regulação de segurança, o perigo é mínimo. Faço muitas vezes a analogia com os aviões: é claro que andar de avião é perigoso, mas é o meio de transporte mais seguro. O nuclear tem perigos, claro, mas é o meio mais seguro de produzir energia", defende Sampaio Nunes, em declarações à CNN Portugal.

Da mesma forma, este especialista garante que não há comparação entre a central nuclear de Zaporizhzhia e a de Chernobyl. Esta era uma central antiga, com um reator RBMK.  As centrais mais recentes são VVER, com reatores de água pressurizada, e são muito menos perigosas. "São muito robustas e com uma resistência semelhante às centrais que temos no Ocidente", garante, lembrando que uma das condições para a adesão dos países de Leste à União Europeia foi, precisamente, a desativação das centrais RBMK. 

Ao contrário do que acontecia com Chernobyl, "estas centrais nucleares são intrinsecamente seguras do ponto de vista da sua operação e da sua arquitetura", explica Pedro Sampaio Nunes. Uma central nuclear está desenhada, por exemplo, para resistir ao impacto provocado pela queda de um avião. "As centrais têm uma estrutura de contenção, em betão, que protege o núcleo e é muito resistente. É extremamente difícil entrar", garante. O objetivo desta estrutura de cimento é conter a água dentro da estrutura e impedir a libertação de radiação.

Também o físico Luís Guimarãis, professor na Universidade Nova de Lisboa, reafirmou à CNN Portugal a resiliência destes edifícios e afastou, para já, o risco de um acidente nuclear. Só existirá perigo se os mecanismos de arrefecimento da central estiverem sem funcionar ao fim de 72 horas. "Mas estamos ainda muito longe dessa situação. Tinha que falhar muita coisa e teria de haver um intuito a sério de sabotagem por parte dos russos", afiança, realçando que a única fonte fidedigna neste momento é a Agência Internacional de Energia Atómica. "Não há razão para alarme". 

"Quem controla a eletricidade controla um país"

Pedro Sampaio Nunes não acredita que os russos queiram provocar um acidente nuclear: "Os primeiros afetados seriam os próprios russos, isso não faz muito sentido". Mas parece-lhe compreensível, do ponto de vista estratégico, que os russos queiram controlar a central que produz mais de 20% na energia da Ucrânia. "Quem controla a eletricidade controla um país. As nossas sociedades estão completamente dependentes da eletricidade. Portanto, é natural que queiram ter o controlo desta e das outras centrais."

A Ucrânia tem atualmente quatro centrais nucleares, com um total de 15 reatores. Zaporizhzhia, com seis reatores, possui uma capacidade total de 5,7 gigawatts, o suficiente para abastecer mais de quatro milhões de casas. 

Pedro Sampaio Nunes admite que a energia nuclear tem tido dificuldade em conquistar a opinião pública, devido à "associação com a bomba atómica, o que é um erro: um reator nunca explode como uma bomba, o maior perigo que existe é que pode haver libertação de radiação". Depois, porque "a radioatividade não se vê nem se cheira e é normal as pessoas terem medo de estarem a ser afetadas sem se aperceberem". E, por fim, devido à "campanha que os russos fizeram para desacreditar a energia nuclear, mantende-nos dependentes do gás e do carvão, ao mesmo tempo que, eles próprios, investiam no nuclear".

No entanto, os acontecimentos na Ucrânia terão "forçosamente" de levar a Europa a repensar a sua estratégia energética, "para não dependermos de fontes de energia que têm de ser importadas, são muito caras e têm emissões perigosas", como o carvão e o gás. Já a energia nuclear tem emissões muito reduzidas, sobretudo em relação à quantidade de energia produzida, explica. E os riscos de radiação são mínimos, uma vez que, numa situação normal, a radioatividade fica contida na central. "A energia nuclear não é algo recente, não é uma coisa experimental. Há 40 anos que um terço da energia elétrica da Europa é nuclear", diz, defendendo que, neste momento, o nuclear é a melhor solução para a Europa conseguir produzir autonomamente a sua energia.

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