Referendos na Ucrânia arrancam: porque são “uma farsa” e porque interessam à Rússia

CNN , Tim Lister, Julia Kesaieva, Olga Voitovych e Simone McCarthy
23 set 2022, 10:00
Vladimir Putin celebra o dia da Marinha em São Petersburgo (EPA/ANATOLY MALTSEV)

Referendos feitos à pressa, e sob as armas, podem dar à Rússia o pretexto para dizer que o seu país está a ser invadido – nos territórios que são hoje da Ucrânia mas votem a favor da “adesão” a Moscovo. Mas o Ocidente considera-os “uma farsa”.

Referendos “fingidos” sobre adesão à Rússia arrancam hoje em partes ocupadas da Ucrânia.

Quatro áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia começarão hoje a votar em referendos sobre a adesão à Rússia, num movimento que sobe a parada da invasão de Moscovo, sete meses após o início dos combates.

Os referendos, que são ilegais à luz do direito internacional, poderão abrir caminho à anexação russa das áreas, permitindo a Moscovo enquadrar a atual contraofensiva ucraniana como um ataque à própria Rússia.

Uma tal medida poderia fornecer a Moscovo um pretexto para escalar a sua vacilante guerra, que já viu Kiev recuperar milhares de quilómetros quadrados de território este mês.

Numa intervenção esta quarta-feira, o Presidente russo, Vladimir Putin, levantou o espectro das armas nucleares, dizendo que utilizaria “todos os meios à nossa disposição”, se considerasse que a “integridade territorial” da Rússia estava a ser posta em risco.

As votações, que deverão ter lugar durante cinco dias, foram convocadas por funcionários pró-russos nas repúblicas autodeclaradas de Donetsk e Luhansk, e em partes controladas pela Rússia de Kherson e Zaporizhzhia, no sul, com questões a variarem ligeiramente consoante a região. Juntas, as quatro regiões constituem cerca de 18% do território da Ucrânia.

Os planos, que estão a ser postos em prática sob ocupação militar, e efetivamente executados à mão armada, têm sido fortemente condenados tanto pelo governo da Ucrânia como pelos seus aliados no Ocidente como sendo “uma farsa”. A União Europeia afirmou que não reconhecerá os resultados e indicou que está a preparar um novo pacote de sanções contra a Rússia.

Putin apoiou os referendos num discurso à nação na quarta-feira.

"Os parlamentos das repúblicas populares do Donbass e a administração civil-militar das regiões de Kherson e Zaporizhzhia decidiram realizar um referendo sobre o futuro destes territórios. Pediram à Rússia que apoiasse esta medida, e sublinhámos que tudo faremos para garantir as condições de segurança para que as pessoas expressem a sua vontade", disse o Presidente russo.

Tanto nas regiões de Luhansk como de Zaporizhzhia, as autoridades locais exortaram as pessoas a votar a partir de casa, dizendo que as urnas eleitorais lhes podem ser levadas.

Antes das votações, as autoridades pró-russas tentaram entusiasmar os eleitores. A agência noticiosa estatal russa RIA Novosti mostrou um cartaz a ser distribuído em Luhansk. Nele pode ler-se: “A Rússia é o futuro”.

“Estamos unidos por uma história de 1.000 anos”, diz o cartaz. “Durante séculos, fizemos parte do mesmo grande país. A desagregação do Estado foi um enorme desastre político. ... É tempo de restaurar a justiça histórica”.

Observadores dizem ser improvável que um processo tão precipitado, em áreas onde muitos eleitores vivem perto da linha da frente do conflito, possa ser bem sucedido ou justo. Além disso, devido à deslocação interna generalizada desde o início do conflito, as bases de dados de votação estão provavelmente desatualizadas. Em Kherson, por exemplo, funcionários ucranianos afirmaram que cerca de metade da população anterior à guerra partiu.

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que monitoriza as eleições, condenou o que disse serem “referendos ilegais”.

“Qualquer dos chamados 'referendos', planeados por ou com o apoio das forças que exercem ilegalmente o controlo de facto nos territórios ocupados da Ucrânia, seria contrário às normas e obrigações internacionais ao abrigo do direito humanitário internacional, pelo que o seu resultado não terá força legal”, disse a OSCE, que monitoriza as eleições em 57 estados membros.

Um referendo organizado na Crimeia em 2014, que viu oficialmente 97% dos eleitores apoiarem a anexação, foi ratificado pelos legisladores russos no prazo de uma semana.

Desta vez, algumas regiões planeiam anunciar os resultados mais cedo do que outras. As autoridades em Luhansk disseram que anunciariam os resultados no dia seguinte ao fim da votação, enquanto em Kherson as autoridades esperarão cinco dias após o encerramento das urnas.

Antes desta semana, as autoridades pró-russas nas áreas ocupadas tinham indicado que possíveis votações seriam adiadas devido à situação de segurança - à medida que as forças ucranianas avançam com ofensivas em partes de Donetsk e Zaporizhzhia, e as posições e linhas de abastecimento russas em Kherson são alvo de ataques quase diários da artilharia ucraniana.

Houve uma mudança repentina e sincronizada de sentimento no início desta semana.

Desde então, os políticos russos têm sido rápidos a oferecer o seu apoio, notando que quando estas regiões aderirem à Rússia - assumindo que os votos são a favor - terão direito à proteção total de Moscovo.

O deputado russo Konstantin Kosachev afirmou que a Rússia terá o dever de proteger estas regiões e que qualquer ataque contra elas será considerado como um ataque à Rússia “com todas as suas consequências”.

O ex-presidente russo e vice-presidente do Conselho de Segurança Nacional da Rússia Dmitry Medvedev foi mais explícito, dizendo que isto terá um “enorme significado” para a “proteção sistémica” dos residentes, e que qualquer arma no arsenal de Moscovo, incluindo armas nucleares estratégicas, poderá ser utilizada para defender territórios ligados à Rússia a partir da Ucrânia.

“A invasão do território russo é um crime que lhe permite utilizar todas as forças de autodefesa”, disse Medvedev.

 

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