Quem é o "comandante do blindado voador"? O general que salvou Kharkiv vai liderar o exército ucraniano

4 dez 2024, 22:00
Militares ucranianos da 43.ª Brigada de Artilharia disparam um canhão autopropulsado 2S7 Pion contra posições russas numa linha da frente na região de Donetsk, em 27 de setembro de 2024 (Genya Savilov/AFP/Getty Images via CNN Newsource)

É considerado uma lufada de ar fresco e uma esperança para afastar o exército ucraniano da doutrina soviética utilizada por muitos dos seus generais. Só que a missão não é fácil, e Mykhailo Drapatyi carrega o peso de renovar um exército exausto por três anos de guerra, enquanto a Ucrânia tenta transformar 2025 no tão esperado "ano da paz"

O presidente ucraniano quer fazer de 2025 “o ano da paz”. Mas, para isso, a Ucrânia tem de mudar, e isso inclui alterações nas forças armadas. Para já começou-se com a nomeação de um jovem major-general, conhecido como “o comandante do blindado voador”, que travou os russos em Kharkiv e reconquistou a cidade de Kherson, para liderar todas as forças armadas terrestres.

“A principal tarefa consiste em aumentar significativamente a eficácia de combate do nosso exército, garantir a qualidade da formação dos militares e introduzir abordagens inovadoras à gestão de pessoal nas Forças Armadas da Ucrânia”, afirmou Volodymyr Zelensky, no dia 29 de novembro, quando anunciou que o general Mykhailo Drapatyi tinha sido o escolhido para líder do exército ucraniano.

A notícia foi muito bem recebida por parte dos militares ucranianos, que admiram a reputação de Drapatyi em ser um homem com experiência no terreno - ao contrário de alguns comandantes militares ucranianos que são criticados por “comandarem sentados na secretária”. Esta fama entre militares foi construída ao longo dos dez anos em que comandou unidades ucranianas na linha da frente, de Donetsk, a Kherson e Kharkiv.

Mas talvez nenhum evento lhe tenha valido tanta credibilidade entre os pares como a sua ação na retomada de Mariupol, em 2014, que lhe valeu a alcunha de “comandante do blindado voador”. Na altura, a situação era difícil de compreender. Em algumas das principais cidades do país, centenas de pessoas protestavam de forma violenta contra o afastamento do presidente Viktor Yanukovych. Drapatyi, um jovem oficial de 31 anos, que comandava o 2.º Batalhão da 72.ª Brigada Mecanizada, foi chamado a repor a ordem na cidade de Mariupol.

Quando chegaram, o cenário era caótico. Os militantes separatistas estavam espalhados pela cidade a coordenar ações contra as autoridades locais. Apoiados pela Rússia, os separatistas raptaram o chefe da polícia e pegaram fogo à Câmara Municipal da cidade. Dezenas de barricadas tinham sido construídas para travar o avanço das forças ucranianas. Mykhailo Drapatyi, que comandava um blindado de infantaria, não se deixou intimidar e protagonizou um dos momentos mais icónicos do contra-ataque ucraniano ao romper os obstáculos russos a toda a velocidade.

O seu sucesso na Operação Antiterrorista - nome que a Ucrânia utiliza para se referir à guerra lançada em 2014 pela Rússia no Donbass - levou a que o comandante fosse promovido e passasse a liderar a sua própria brigada. Entre 2016 e 2019, Drapatyi comandou a 58.ª Brigada de Infantaria Motorizada, nas zonas cruciais de Avdiivka e Yasynuvata, em Donetsk. A liderança de Drapatyi durante estes anos valeu-lhe o reconhecimento das suas capacidades para operar missões complexas sob grande pressão.

Em 2019, o comandante decidiu interromper a sua carreira militar para prosseguir com os estudos na área, na Universidade Nacional de Defesa Ivan Chernyakhovskyi. No entanto, a invasão russa a 24 de fevereiro de 2022 veio alterar tudo para os ucranianos. Os avanços russos foram implacáveis nos primeiros dias. E as piores notícias vinham de sul, onde o agrupamento de forças russas que invadiu vindo da Crimeia conseguiu avançar quase sem qualquer oposição, chegando mesmo a atravessar o imponente rio Dniepre para conquistar a única capital regional: a cidade de Kherson.

Kherson tornou-se um espinho na linha defensiva ucraniana. Era o único ponto que os russos controlavam além do rio Dniepre e, se a Ucrânia não atuasse de forma rápida, esta cidade poderia vir a ser utilizada como base para o exército russo avançar em direção a Odessa e cortar o acesso da Ucrânia ao mar. Era preciso um plano urgente para travar os avanços russos e obrigá-los a recuar para lá do rio. A solução do então chefe de Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, o general Valeri Zaluzhnyi, foi nomear Drapatyi para líder do grupo operacional de Kherson.

Sob o seu comando, os militares ucranianos cercaram as forças russas no território em redor da cidade e começaram uma intensa campanha de bombardeamento contra as rotas de fornecimento logístico do exército russo. Todas as noites, dezenas de mísseis eram disparados contra a ponte de Antonivka. Se a ponte caísse, os militares russos ficariam dependentes de embarcações para fazer chegar comida, combustível e munições à cidade, o que poderia tornar a situação insustentável para os militares de russos que ocupavam o território.

E a estratégia provou estar correta. A pressão exercida pelos ucranianos foi demasiado forte para o exército chefiado pelo general russo Sergei Surovikin, que se viu obrigado a tomar a decisão de retirar as forças daquela margem do rio e refazer a linha defensiva com urgência para evitar mais perdas. Para a Ucrânia foi uma das maiores vitórias da guerra. Só que o sucesso do general não ficaria por aqui.

Quando Valeri Zaluzhnyi foi afastado e o general Oleksandr Syrskyi foi escolhido para chefiar as forças armadas, o militar ucraniano nomeou Mykhailo Drapatyi como um dos vice-chefes de gabinete do comandante ucraniano. Ao contrário de Oleksandr Syrski e de outros generais mais velhos que foram formados durante a União Soviética, Drapatyi é visto como parte do “sangue novo” do exército ucraniano, formado e capaz de aplicar a doutrina dos países da NATO. Por esse motivo, o general Syrskyi entregou-lhe a pasta da preparação e treino das tropas ucranianas, a 10 de fevereiro de 2024.

Mas o papel fundamental que desempenhou no terreno ao longo da guerra fez com que fosse o homem escolhido pelo general Oleksandr Syrskyi para tentar estancar uma das mais ousadas ofensivas russas. Ao longo de 2023, a Rússia conseguiu vários sucessos no campo de batalha que lhe permitiram recuperar a iniciativa dos combates. Isso abriu o caminho para lançar uma ofensiva surpresa a maio de 2024, na região de Kharkiv, para obrigar as forças ucranianas a dispersar ainda mais as suas unidades.

A Ucrânia foi rápida a reagir. Apesar de alguns avanços rápidos numa fase inicial, que levaram à deslocação forçada de mais de 5.500 pessoas, as tácticas utilizadas pelo major-general Mykhailo Drapatyi foram “altamente eficazes”. Este sucesso valeu-lhe uma nova transferência para “um setor quente” da frente de batalha. O “comandante do blindado voador” acabaria por ser transferido para o comando do agrupamento estratégico da região de Lugansk, onde estaria responsável por defender as cidades de Chasiv Yar, Toretsk e Bilohorivka.

Agora, as responsabilidades que recaem sobre o major-general são maiores que nunca. A Rússia está a destruir com sucesso parte da infraestrutura energética do país e o exército ucraniano tem-se visto obrigado a recuar em vários pontos da frente, abdicando de partes do território de forma a salvar as vidas de militares ucranianos. A sua missão passa agora pela administração de um exército muito desgastado, com falta de pessoal e de equipamento necessário para conduzir contra-ataques, após três anos de guerra. Mas, acima de tudo, fazer aquilo que fez em Kharkiv: travar todas as tentativas russas de avançar no terreno.

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