Não é novidade para ninguém: Moscovo está a reorganizar-se para lançar uma grande ofensiva e conquistar mais territórios ucranianos
Esta terça-feira, o Ministério da Defesa britânico anunciava, no seu boletim diário sobre a guerra na Ucrânia, que a Rússia tentou relançar as grandes operações ofensivas em janeiro, com o objetivo de capturar territórios ucranianos em Donetsk. Mas a Defesa do Reino Unido também assinala que é improvável que o exército de Moscovo consiga reunir forças e equipamento militar suficientes para mudar de forma significativa o curso da guerra nas próximas semanas, apesar das tentativas.
Ainda assim, o antigo ministro da Defesa ucraniano, na última conferência que deu no cargo, no passado domingo - foi entretanto substituído pelo chefe dos serviços de informação - admitia que uma grande contraofensiva russa começasse já em fevereiro, mês em que se assinala um ano de guerra na Ucrânia. Oleksii Reznikov revelou que as autoridades ucranianas esperam que a Rússia lance uma ofensiva para conquistar a região do Donbass e, desde a frente de guerra em Zaporizhzhia planeiam ampliar o território ucraniano sob controlo de Moscovo, garantindo a segurança do corredor militar que liga por terra a fronteira russa com o mar de Azov e a Crimeia.
E o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), um think tank americano dedicado às questões de defesa e relações externas, deu nota, na semana passada, de que havia efetivamente movimentações de tanques russos até à frente em Zaporizhzhia, mas que o objetivo desta concentração de forças poderá ser o ataque à cidade de Vuhledar, na região de Donetsk - onde continua a travar-se uma intensa batalha pela cidade de Bakhmut. Mas o ISW prevê, por outro lado, que o grande golpe da Rússia será agora na região de Lugansk, onde Kiev conseguiu recuperar no outono passado algum território.
O correspondente da BBC na Ucrânia defende que, nas próximas semanas, a expressão "ofensiva de primavera" vai ser repetida até à exaustão: o termo militar, no sentido tradicional, refere-se ao impulso ganho pelos exércitos depois de aproveitarem o inverno para se reabastecerem, já que as batalhas, no período mais frio do ano, se tornam normalmente mais estáticas. Parece ser o caso dos russos, que conseguiram aumentar a produção de armamento e munições, mas também dos ucranianos, ainda que a Rússia tenha tomado a dianteira - num relatório de 29 de janeiro, citado pelo El País, o ISW concluía que os atrasos dos parceiros internacionais no fornecimento de armas mais poderosas a Kiev tinha deixado fechar a janela de oportunidade dos ucranianos de se anteciparem e lançarem uma contraofensiva antes de Moscovo.
Mais quais serão, agora, os alvos do Kremlin? A BBC elencou cinco cidades ucranianas que poderão estar debaixo de olho dos russos nas próximas semanas.
Bakhmut
Bakhmut, na região de Donetsk, tem estado no centro da atenção mediática nas últimas semanas, foco de disputa entre russos e ucranianos que alegam, à vez, controlar a cidade. Kiev não está a recuar e garante que a Rússia sofre 500 baixas por dia na luta por Bakhmut, assegurando que as próprias baixas são menos numerosas. A Ucrânia continua, por agora, a controlar a cidade, cuja relevância para Moscovo é mais simbólica do que militar: se a cidade cair nas mãos dos russos, o exército de Putin deverá avançar dali para Slovyansk e Kramatorsk, ganhando novo impulso para a conquista de toda a região de Donetsk, ainda que isso significasse controlar mais de dez mil metros quadrados de território ucraniano - e isso seja muito difícil com o que se sabe ao dia de hoje.
Vuhledar
Os russos tentaram tomar a pequena cidade de Vuhledar, na região de Donetsk, em novembro, mas falharam. Deverão tentar de novo agora, sobretudo porque a localidade é próxima da única linha de comboio que liga a península da Crimeia anexada aos territórios controlados pelos russos no leste. E é de Vuhledar, acrescenta a BBC, que os ucranianos estão a disparar artilharia contra os comboios que abastecem os russos. A conquista de Vulhedar seria importante também porque Putin tem como objetivo alargar o corredor de terra entre a Crimeia e a Rússia, servindo igualmente de bandeira de propaganda para justificar a "operação militar especial", como é descrita pelo Kremlin a guerra na Ucrânia.
Zaporizhzhia
A BBC diz que a Ucrânia está preocupada com Zaporizhzhia: se as forças russas empurrarem para norte os soldados de Kiev, na direção das cidades de Orikhiv e Pokrovsk - esta última já na região de Donetsk - o exército de Zelensky perderá posições valiosas para disparar os mísseis de longo alcance para território controlado pelos russos, mais a sul. Por agora, as cidades de Melitopol e Tokmak, controladas por Moscovo, estão ao alcance dos mísseis de Kiev, mas poderão deixar de estar se houver avanços na região onde se localiza a maior central nuclear da Europa. Jornalistas do El País estiveram na linha da frente de Zaporizhzhia e concluíram que a tranquilidade que ali se vive agora se deve ao facto de o os russos estarem a acumular tropas e munições para um eventual ataque.
Kharkiv
A segunda maior cidade ucraniana fica a poucos quilómetros da fronteira com a Rússia, mas tem resistido às investidas de Moscovo, mesmo que esteja constantemente sob ataques de mísseis russos. De acordo com a BBC, as autoridades locais não notam um aumento na concentração de tropas inimigas, mas as zonas de civis têm sido bombardeadas mais frequentemente e alguns responsáveis militares admitem mesmo que não seriam surpreendidos se os russos lançassem uma ofensiva para controlar a cidade. Dominar Kharkiv significaria que os russos conseguiriam isolar a cidade da capital do país, impedindo as forças ucranianas que se encontram atualmente estacionadas a sul de Kharkiv de recuarem para Kiev.
Kiev
O objetivo inicial da Rússia foi controlar Kiev e dar como encerrado o esforço militar na Ucrânia uma vez dominada a capital. Mas não foi assim que aconteceu: nas primeiras semanas de invasão, Moscovo usou os exercícios militares conjuntos com a Bielorrússia para lançar uma ofensiva na direção da capital ucraniana, que não foi bem sucedida. Por agora, a BBC revela que os serviços de informação ocidentais, bem como os congéneres ucranianos, não têm indicação de que haja uma ameaça a pairar sobre Kiev ou qualquer operação preparada a partir da Bielorrússia ou de outras províncias do norte. Mas o El País, que cita fontes de jornais independentes russos - incluindo o Novaya Gazeta de Dmitry Muratov, laureado com o prémio Nobel - indica que foram novamente traçados planos para capturar Kiev porque Putin assim o exige. Fonte próxima da Defesa russa admite mesmo que será um "suicídio" e que os militares estão em "pânico" porque acreditam que o Kremlin não sabe julgar as suas capacidades e subavalia a escassez de armamento de qualidade. Mas também existe a versão de que uma eventual ofensiva a Kiev está a ser falada apenas como estratégia de desinformação, para que os ucranianos desviem para esta frente parte das suas tropas e desfalquem outras onde ocorrerão os verdadeiros ataques.