Putin e Kim, o "casal diabólico" que declarou o seu ódio pela Ucrânia

29 abr, 16:30

Pela primeira vez, Pyongyang confirmou o envio de tropas para apoiar a Rússia na guerra contra a Ucrânia e Moscovo agradeceu com pompa. Porquê agora? O que está em jogo nesta dança diplomática e militar entre dois regimes fortemente sancionados a nível internacional?

Foi preciso que a Rússia declarasse vitória na batalha de Kursk para que a Coreia do Norte saísse das sombras e confirmasse aquilo que já era amplamente denunciado pelos serviços secretos ocidentais: a presença de milhares de soldados norte-coreanos em solo russo, combatendo ao lado das tropas de Moscovo.

Numa rara e calculada declaração, Vladimir Putin quebrou o silêncio e agradeceu publicamente aos soldados norte-coreanos pelo “heroísmo e dedicação”. “Defenderam a nossa Pátria como se fosse a deles”, afirmou o presidente russo. Em Pyongyang, Kim Jong-un respondeu com celebrações e promessas de monumentos para eternizar os feitos militares da aliança entre os dois países.

Mas porque razão este reconhecimento acontece agora? O que leva a Coreia do Norte e a Rússia a assumirem abertamente esta colaboração militar num momento tão delicado do conflito?

Para Azeredo Lopes, comentador da CNN Portugal, a explicação é clara: é fácil assumir a participação quando se sente que se está a vencer.

“Quando há vitória ou quando uma parte considera que ganhou, essa vitória torna-se doce e de repente é muito mais fácil assumir a participação. A Coreia do Norte quer associar-se àquilo que parecem ser ventos favoráveis para a Rússia: não só em Kursk, mas sobretudo no andamento do processo tendente para a paz. Significa uma promoção enorme para Pyongyang”, afirma o especialista em declarações à CNN Portugal.

O major-general Agostinho Costa, especialista em segurança e defesa, vê neste gesto de Putin uma jogada geopolítica com várias camadas. Por um lado, uma recompensa direta a Kim Jong-un; por outro, um recado inequívoco aos inimigos.

“É uma prenda enorme para o regime norte-coreano. O Kremlin quis dar um impulso à sua aliança com a Coreia do Norte. Partilhar os louros da vitória militar tem um valor simbólico e político imenso. A Coreia do Norte é apresentada agora como um aliado de combate. E ao mesmo tempo é uma forma de dizer à comunidade internacional ‘nós temos aliados que vêm aqui combater, a Ucrânia tem tantos aliados e ninguém lá vai combater'”, aponta.

Para o major-general Agostinho Costa, a chave para entender este momento está num tratado assinado em junho de 2024: o novo acordo de parceria estratégica entre a Rússia e a Coreia do Norte. Trata-se do maior acordo de defesa entre os dois países desde o fim da Guerra Fria. Nele, os dois regimes comprometem-se a usar “todos os meios disponíveis” para se apoiarem mutuamente em caso de agressão externa.

Este pacto - ignorado ou subestimado por muitos - revela agora toda a sua profundidade. Ao agradecer abertamente, Putin reforça a aliança e envia uma mensagem clara: se a Coreia do Norte for atacada, a Rússia estará lá. É o que Agostinho Costa define como “uma mensagem para a Coreia do Sul e para os EUA”, países que aumentaram recentemente os exercícios militares conjuntos no Pacífico e têm alertado para a crescente ameaça nuclear de Pyongyang.

No entanto, há um custo geopolítico nesta jogada. Azeredo Lopes aponta para as violações flagrantes do direito internacional e do regime de sanções contra Pyongyang. “A Coreia do Norte viola o direito internacional ao participar num conflito armado ao lado do agressor porque está a ficar associada ao ilícito cometido pela Rússia. A Rússia viola porque está no fundo a promover e a legitimar um país alvo de sanções do Conselho de Segurança da ONU. É um casal diabólico e as violações cruzadas são evidentes”, resume Azeredo Lopes.

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