Preços do trigo e milho disparam após a Rússia sair do acordo de cereais do Mar Negro

CNN , Hanna Ziady
31 out 2022, 16:03
Cereais no Porto de Odessa (Anadolu Agency via Getty Images)

Os preços do trigo e do milho nos mercados globais de matérias-primas subiram nesta segunda-feira depois de a Rússia ter desistido de um acordo que permitia que algumas exportações vitais de cereais da Ucrânia passassem pelo Mar Negro, apesar da guerra.

Os futuros do trigo na Bolsa de Chicago subiram 5,5% na segunda-feira para os 8,74 dólares por alqueire. Os futuros do milho subiram 2,3% para os 6,96 dólares por alqueire. O trading nos futuros do óleo de palma na Malásia também subiu, informou a Reuters, devido a receios quanto ao potencial impacto nas exportações de óleo de girassol ucraniano.

A Ucrânia e a Rússia juntas representam quase um terço das exportações globais de trigo, segundo a Gro Intelligence, uma empresa de dados agrícolas. Estão também entre os três maiores exportadores globais de cevada, milho, óleo de colza e óleo de girassol.

A Rússia suspendeu indefinidamente, no sábado, a sua participação no acordo de exportação de cereais, após um alegado ataque com drones das Forças Armadas ucranianas à frota russa do Mar Negro, na cidade de Sebastopol, na Crimeia. A Ucrânia acusou a Rússia de chantagem e de inventar “ataques terroristas fictícios” às suas próprias instalações na Crimeia.

O Internacional Rescue Committee (IRC), uma organização de ajuda humanitária, disse que as consequências da retirada da Rússia do acordo de exportação de cereais podem ser “catastróficas” para os países pobres, muitos dos quais já vivem numa situação de fome extrema.

O acordo mediado pelas Nações Unidas, que foi estabelecido em julho e garantia a passagem segura de navios de transporte de cereais da Ucrânia pelo Mar Negro, desempenhou um papel crucial na redução dos preços do trigo e de outras matérias-primas, globalmente.

Depois de atingir um máximo recorde em março, o índice global de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura baixou durante sete meses consecutivos.

O acordo de exportação de cereais expiraria a 19 de novembro, mas já estavam a ser feitos esforços para prolongar o acordo, à medida que aumentavam as preocupações sobre se Moscovo cumpriria as ameaças de se retirar.

A decisão da Rússia de suspender a sua participação “acrescenta imensa volatilidade aos preços globais dos cereais”, disse Tracey Allen, estrategista de matérias-primas agrícolas da JPMorgan Chase.

A oferta global continua a ser limitada à medida que as condições climáticas extremas pesam nos rendimentos das colheitas, segundo Allen. Embora os Estados Unidos possam aumentar um pouco as exportações de trigo, não seriam capazes de preencher completamente a lacuna se o acordo for por água abaixo, cortando uma fonte importante de cereais para países do Médio Oriente e do Norte de África.

As dúvidas sobre o futuro do acordo vão manter os preços do trigo e do milho elevados, disse Allen.

“Crise alimentar” atingirá de forma mais severa os países pobres

Na sexta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a renovação da Iniciativa de Cereais do Mar Negro é crucial para evitar uma crise alimentar global.

“Sublinhamos a urgência de fazê-lo para contribuir para a segurança alimentar no mundo inteiro e para amortecer o sofrimento que esta crise global do custo de vida está a causar a milhares de milhões de pessoas”, disse Guterres em comunicado.

A ONU estima que a redução dos preços dos alimentos básicos em resultado do acordo impediu indiretamente que cerca de 100 milhões de pessoas caíssem na pobreza extrema. As exportações de cereais e de outros produtos alimentares ao abrigo da Iniciativa, ultrapassaram os 9 milhões de toneladas, segundo a organização intergovernamental.

Desse total, 2,65 milhões de toneladas ainda aguardam uma inspeção e não se sabe bem o que acontecerá agora a essas cargas, disse Warren Patterson, chefe de estratégia de matérias-primas do banco holandês ING, numa nota na segunda-feira.

Qualquer suspensão das exportações de cereais atingirá de forma mais severa aqueles que “já estão à beira de morrer de fome” em países como o Iémen, segundo o diretor de emergências do IRC para a África Oriental, Shashwat Saraf.

“Tal como o Iémen, a região da África Oriental depende da Rússia e da Ucrânia para grande parte das suas importações de trigo e, num momento em que a Somália está à beira de uma fome catastrófica, uma nova interrupção das exportações críticas de cereais pode levar a Somália ao limite, impactando a acessibilidade e a disponibilidade de cereais na região”, disse Saraf em comunicado.

Prevê-se que cerca de 345 milhões de pessoas passem por uma insegurança alimentar aguda este ano, segundo o IRC.

Na segunda-feira, já se estavam a realizar esforços para manter os cereais em movimento, apesar da retirada da Rússia, que está a impedir que mais de 200 navios deixem o porto, segundo um comunicado neste domingo por parte do Ministério das Infraestruturas da Ucrânia.

Doze navios deixaram os portos ucranianos do Mar Negro na segunda-feira, disse o ministro ucraniano das infraestruturas, Oleksandr Kubrakov, no Twitter. Os navios transportavam 354 500 toneladas de cereais e outros produtos agrícolas destinados a África, à Ásia e à Europa, informou o Ministério das Infraestruturas na página do Facebook.

Um desses navios, carregado com 40.000 toneladas de cereais, tem como destino a Etiópia, acrescentou Kubrakov.

A ONU anunciou no início de segunda-feira que tinha chegado a acordo com a Ucrânia e a Turquia - que ajudou a mediar o acordo original - para mover 16 navios pelo Mar Negro. A Rússia foi informada do plano, disse.

O presidente turco Recep Tayyip Erdoğan disse, em Istambul, que Ancara está determinada a tentar manter a Iniciativa viva, apesar da retirada de Moscovo.

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