Porque é que a visita surpresa de Zelensky aos Estados Unidos é tão significativa

CNN , Stephen Collinson
21 dez 2022, 10:57
Zelensky dirige-se ao Congresso dos EUA. Foto: Getty Images

ANÁLISE. Viagem de Zelensky antes do Natal promete ser o maior golpe de relações públicas de sempre do ator e comediante agora Presidente, que penetrou inteligentemente na história e mitologia patriótica das nações.

A visita do Presidente Volodymyr Zelensky à Casa Branca esta quarta-feira reforçará simbolicamente o papel da América como “arsenal” da democracia na amarga guerra pela sobrevivência da Ucrânia, e enviará uma espantosa repreensão pública ao Presidente russo, Vladimir Putin.

O facto de a sua primeira viagem fora da Ucrânia desde a invasão russa em fevereiro ser aos Estados Unidos também destacará o papel histórico do Presidente Joe Biden no relançamento da aliança ocidental, que manteve a União Soviética à distância e está agora a contrariar o novo expansionismo de Moscovo nesta eficaz guerra por procuração entre superpotências nucleares.

A chegada de Zelensky faz ecos pungentes da chegada do primeiro-ministro britânico Winston Churchill a Washington, que fará 81 anos na quinta-feira, dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor. Essa visita de Natal consolidou então a aliança que iria vencer a Segunda Guerra Mundial e construir o mundo democrático do pós-guerra.

Num discurso em vídeo no Parlamento do Reino Unido no início deste ano, Zelensky comparou a resistência da sua nação contra a Rússia com o desafio solitário da Grã-Bretanha aos nazis nos dias que antecederam a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial. A sua chegada à capital dos EUA irá realçar paralelos com a reunião histórica de Churchill com o então Presidente dos EUA, Franklin Roosevelt.

A sua visita está a desenrolar-se no meio de uma segurança extraordinária. A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, nem sequer confirmou as primeiras notícias de que acolheria Zelensky no Capitólio, com o seu porta-voz a responder na terça-feira à noite: "Ainda não sabemos. Simplesmente não sabemos”.

Uma receção da Casa Branca para Zelensky, que segundo várias fontes estaria a viajar para os EUA na terça-feira à noite, será acima de tudo um sinal inequívoco do apoio dos EUA e do Ocidente à batalha da Ucrânia contra Putin, que afirma que o país não tem direito a existir. A guerra exemplifica o que Biden enquadrou como uma luta global entre a democracia e o totalitarismo, que ele colocou no centro da sua política externa.

O deputado do Partido Democrata Ruben Gallego, do Arizona, que visitou a Ucrânia no início deste mês, afirmou no programa AC360 da CNN que Zelensky vinha a Washington numa missão específica. "O que ele está a tentar fazer é estabelecer uma correlação direta entre o nosso apoio e a sobrevivência e apoio e vitória futura da Ucrânia", disse Gallego, membro do Comité dos Serviços Armados.

Zelensky pretende recolher ajuda militar maciça dos EUA

Biden anunciará uma ajuda adicional de 1,8 mil milhões de dólares em assistência de segurança à Ucrânia durante a visita, sendo os cobiçados sistemas de mísseis Patriot parte desse pacote, disse um funcionário norte-americano a Phil Mattingly, da CNN. Washington também planeia enviar à Ucrânia kits de bombas de precisão para converter munições menos sofisticadas em “bombas inteligentes”, que a poderiam ajudar a atingir as linhas defensivas russas, segundo disseram fontes à equipa do Pentágono da CNN. A visita de Zelensky acontece também no momento em que o Congresso está prestes a subscrever mais 45 mil milhões de dólares em ajudas à Ucrânia e aliados da NATO, aprofundando o compromisso que tem ajudado as forças de Kiev a infligir um preço inesperadamente sangrento às forças de Putin.

A decisão sobre os Patriots, que satisfaria um pedido ucraniano de longa data, reflete o processo dos EUA de fazer adequar a sua ajuda à mudança de estratégia do assalto da Rússia. O sistema ajudaria Kiev a melhor combater os brutais ataques de mísseis russos contra cidades e instalações elétricas, que montou numa tentativa de aproveitar o amargo clima de Inverno para quebrar a vontade dos civis ucranianos.

O encontro entre Biden e Zelensky, que falaram várias vezes por telefone e vídeo, mas que não se encontraram pessoalmente desde a invasão, ocorre num momento vital da guerra. Biden calibrou cautelosamente durante meses os carregamentos de armas e sistemas de armamento dos EUA de forma a salvar a Ucrânia, mas de forma a evitar a escalada do conflito num confronto direto desastroso entre a NATO e a Rússia. Biden rejeitou, por exemplo, os apelos ucranianos para que o Ocidente fizesse cumprir uma zona de exclusão aérea sobre o país. Os Patriots - um sistema de defesa aérea de longo alcance - representarão o mergulho mais profundo dos EUA no conflito até agora.

Wesley Clark, ex-Comandante Supremo Aliado da NATO, Europa, afirma que a viagem de Zelensky reflete um momento crítico, em que o destino de uma guerra que a Ucrânia não pode vencer sem um apoio melhorado dos EUA poderá ser decidido antes de a Rússia poder reagrupar-se. “Esta é uma janela de oportunidade para a Ucrânia e também uma janela de perigo”, disse Clark a John Berman, da CNN, no programa AC360 esta terça-feira.

“A Rússia é fraca (mas) a Rússia será mais forte. Este é um período em que os Estados Unidos precisam de dar o seu apoio... Esta é a janela, e o Presidente Zelensky sabe disso - se ele vai derrotar, com o apoio dos EUA, a agressão russa na Ucrânia”, disse Clark.

“Esperem até ao Verão e será um campo de batalha completamente diferente”.

Como irá Putin responder à visita de Zelensky?

Mas a natureza altamente pública da visita de Zelensky, e o esperado anúncio em relação aos Patriots, também corre o risco de provocar ainda mais Putin quando ele estiver a sinalizar que, por mais desastrosa que a guerra tenha sido para as tropas russas, ele está a trabalhar a longo prazo, apostando que o compromisso do Ocidente acabará por diminuir.

A sua visita ao Congresso irá também contribuir para um debate cada vez mais importante no Capitólio sobre a ajuda à Ucrânia, com os Republicanos a assumirem a maioria da Câmara no novo ano. Alguns membros pró-Donald Trump, que terão uma influência significativa na magra maioria do Governo, advertiram que milhares de milhões de dólares em dinheiro dos EUA que foram enviados para a Ucrânia deveriam, em vez disso, estar a apoiar a fronteira sul dos EUA com uma onda de novos migrantes esperados dentro de dias.

Consciente da pressão do flanco direito, Kevin McCarthy, da Califórnia, que poderá ser o próximo “speaker” da instituição, advertiu que a Ucrânia não deve esperar um “cheque em branco” da nova Câmara. Embora a Ucrânia ainda tenha um forte apoio republicano no Senado, é este tipo de dinâmica política de mudança que parece enformar as perceções do Kremlin sobre quanto tempo durará a determinação dos EUA num conflito do qual a sobrevivência política de Putin pode muito bem depender.

A viagem de Zelensky antes do Natal promete ser o maior golpe de relações públicas de sempre do ator e comediante agora Presidente, que penetrou inteligentemente na história e mitologia patriótica das nações ocidentais numa série de discursos em vídeo para deputados a partir de uma Kiev dilacerada pela guerra. Muitas vezes, embora grato pelo apoio externo, ele pareceu estar a tentar envergonhar o Ocidente para fazer mais e criar uma sensibilização mais profunda entre os eleitores para as adversidades que a Ucrânia enfrenta.

Em março, por exemplo, Zelensky evocou durante um discurso virtual no Congresso o Monte Rushmore e o discurso “I Have a Dream/Eu Tenho um Sonho” de Martin Luther King. E referiu-se também a dois dias de infâmia na história moderna, quando os americanos experimentaram diretamente o medo de um bombardeamento aéreo. “Lembrai-vos de Pearl Harbor, na terrível manhã de 7 de dezembro de 1941, quando o vosso céu ficou negro por causa dos aviões que atacavam. Lembrai-vos disso", disse Zelensky. “Lembrai-vos do 11 de Setembro, um dia terrível em 2001, quando o mal tentou transformar as vossas cidades, territórios independentes, em campos de batalha. Quando pessoas inocentes foram atacadas, atacadas do ar, como ninguém esperava, e não se podia impedi-lo. O nosso país experimenta o mesmo todos os dias”.

Nas pegadas de Churchill

Quando Zelensky chegar a Washington, poderá muito bem passar pela mesma revelação que Churchill fez sobre as luzes brilhantes da capital no Natal, depois de meses na escuridão dos apagões aéreos em sua casa.

O líder britânico em tempo de guerra navegou para os Estados Unidos a bordo do HMS Duke of York, esquivando-se de submarinos no Atlântico invernoso, e apanhou um avião da costa da Virgínia para Washington, onde foi recebido a 22 de dezembro de 1941 pelo Presidente Franklin Roosevelt antes de uma conferência de imprensa conjunta no dia seguinte.

Durante dias de reflexão e de reuniões - alimentados pelo regime de Churchill de xerez ao pequeno-almoço, whisky e refrigerantes ao almoço, champanhe à noite e um brandy de 90 anos antes de dormir - os dois líderes conspiraram a derrota da Alemanha nazi e do Japão Imperial, e lançaram as bases da aliança ocidental que Biden fez revigorar no seu apoio à Ucrânia.

Churchill, que durante meses tinha pugnado pelo envolvimento dos EUA na Segunda Guerra Mundial, e que sabia que essa era a chave para derrotar Adolf Hitler, disse durante a sua visita: “Passo esta época festiva longe do meu país, longe da minha família, e no entanto não posso dizer com verdade que me sinto longe de casa".

Zelensky irá certamente receber esse tipo de boas-vindas a um herói, e espera que o apoio extra dos EUA signifique que Washington “desembainhou a espada pela liberdade e deitou fora a bainha”, como disse Churchill sobre a administração Roosevelt no seu discurso ao Congresso a 26 de dezembro de 1941.

É provável que o líder ucraniano valorize os paralelos históricos. Ele parafraseou um dos discursos mais famosos de Churchill em tempo de guerra num discurso emocionado aos membros britânicos do parlamento em março: “Nós não nos renderemos, nós não perderemos, nós iremos até ao fim”.

 

 

 

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