Ponte Kerch em chamas. Qual a importância desta ligação da Rússia à Crimeia - e quais serão os próximos símbolos do poder russo a cair?

8 out 2022, 10:57

A ponte Kerch, que liga a Rússia à Crimeia, foi construída pelos russos em 2018, quatro anos depois da anexação da península. Este sábado, a ponte ficou danificada após uma explosão.

A ponte Kerch, que liga a Rússia à Crimeia e que tem sido usada pelas tropas russas como rota de abastecimento, foi atacada durante a madrugada deste sábado. Os primeiros relatos davam conta de que se tratava de uma explosão causada por bombardeamentos no centro da Crimeia, mas os russos dizem que se tratou da explosão de um camião armadilhado que atingiu vários vagões-tanque que transportavam combustível, segundo a Reuters. Para já, não há relatos de feridos ou mortos.

A Ucrânia não reivindicou o ataque, mas um conselheiro de Zelensky escreveu no Twitter que “tudo ilegal deve ser destruído, tudo [o que foi] roubado deve ser devolvido à Ucrânia, tudo [o que foi] ocupado pela Rússia deve ser expulso”. E esta não foi a primeira vez que instou à destruição da ponte.

Já em agosto, Mykhailo Podolyak tinha alertado para o facto de esta ponte ser “um objeto ilegal, cuja permissão para a construção não foi dada pela Ucrânia”. “Prejudica a ecologia da península e, portanto, deve ser desmantelada. Não importa como – voluntariamente ou não”, escreveu no Twitter.

Este sábado, o secretário do Conselho de Segurança da Defesa Nacional de Kiev, Oleksiy Danilov, fez uma publicação no Twitter que levanta suspeitas do envolvimento ucraniano no incidente. Danilov publicou imagens da ponte ao lado de um vídeo de Marilyn Monroe a cantar 'Happy Birthday, Mr. President', numa alusão ao aniversário de Putin, que se celebrou ontem.

Também no Twitter, o Ministério da Defesa da Ucrânia escreveu que o navio de guerra Moskva (cruzador de mísseis guiados) e a Ponte Kerch – “dois notórios símbolos do poder russo na Crimeia ucraniana – caíram. Qual é o próximo na fila, russos?”

A Interfax e o jornal ucraniano Ukrainska Pravda adiantam que o ataque da ponte foi uma operação especial conduzida pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), mas os ucranianos ainda não reivindicaram o ataque. O presidente russo, Vladimir Putin instruiu o governo a criar uma comissão governamental para investigar o incidente, diz a TASS, citando o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Em Kiev, já há quem festeje os estragos causados. Horas depois do ataque, que aconteceu pelas 6:00 locais (4:00 de Lisboa), foi colocado no centro da capital ucraniana um selo postal em grandes dimensões com um desenho da ponte em chamas. Não é, porém, conhecido o autor.

Foi colocado no centro de Kiev uma fotografia de um selo postal que mostra uma impressão artística da ponte Kerch em chamas. (Photo by Ed Ram/Getty Images)

No Telegram do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, a porta-voz Maria Zakharova acusa a Ucrânia de ter “natureza terrorista”. “A reação do regime de Kiev à destruição da infraestrutura civil demonstra a sua natureza terrorista”, cita a Sky News.

Uma ponte construída à revelia e que é estratégica para as tropas russas em tempos de guerra

É a maior ponte da Europa - são mais de 18 quilómetros de comprimento -, foi construída pelos russos à revelia dos ucranianos quatro anos depois da anexação da Crimeia e desde então tem sido alvo de ameaças de destruição, que se intensificaram este ano após a invasão. 

Nas últimas semanas, a Ucrânia obteve ganhos significativos no leste e no sul do país, recuperando áreas que tinham sido ocupadas pela Rússia durante estes sete meses de invasão.

A alegada danificação da ponte por parte das tropas ucranianas pode ser vista como uma estratégia para enfraquecer ainda mais o exército russo, uma vez que a ponte estava a ser usada como rota de abastecimento militar na frente de combate a sul e leste da Ucrânia, regiões onde os russos entraram em força logo no início do conflito e onde perdem consecutivamente poder militar. Em apenas quatro horas, a Ucrânia acelerou as conquistas no sul do país e os russos já não escondem o progresso ucraniano.

Helena Ferro Gouveia, comentadora CNN Portugal, considera que “não causa surpresa o ataque à ponte Kerch, há muito que era considerada um alvo ucraniano”. Esta ponte já tinha “sofrido algum tipo de ataques”, mas nenhum na escala do ataque deste sábado.

Para os ucranianos, explica, a ponte “é um objeto ilegal”, já para os russos “tem uma importância extrema do ponto de vista militar, porque é a única ligação terrestre entre a Rússia e o território anexado da Crimeia, o que vai dificultar o abastecimento às bases militares na Crimeia e à população civil”.

“Este ataque é um ataque estratégico, é um ataque que se esperava há algum tempo”, adianta.

O professor de Relações Internacionais Pedro Ponte e Sousa diz que o ataque à ponte Kerch “é a tentativa de um uso diferente daquilo que temos visto na guerra” - uma estratégia que tem vindo a ser notada nas últimas semanas de conflito. 

Para o especialista, trata-se de uma “forma diferente de fazer a guerra”, em que os países procuram recorrer “a meios distintos” de combate e cujo objetivo não são as “vantagens imediatas”, mas sim os efeitos a prazo - e que, no caso da ponte, “atacarão especificamente a moral dos russos”, sobretudo pelo facto de esta ponte ser estratégica para as tropas do Kremlin.

“O objetivo destas iniciativas é mais o prazo e não o imediato, não é impedir uma tranferência imediata de material de guerra, o objetivo é combater a guerra sem fazer uma guerra no sentido tradicional do termo”.

Ponte Kerch (AP Photo)

Os planos de construção da ponte que iria ligar parte da Rússia à recém-anexada Crimeia começaram meses depois de Putin tomar a península como território russo. A construção começou em fevereiro de 2016, tendo a ponte rodoviária sido inaugurada pelo presidente russo a 15 de maio de 2018 e aberta para a circulação de veículos no dia seguinte, para camiões a 1 de outubro, como dá conta a imprensa local num artigo publicado à data.

Além de ser a maior ponte da Europa - tirando esse título à portuguesa Vasco da Gama -, a ponte Kerch tem ainda uma via ferroviária, que foi inaugurada a 23 de dezembro de 2019 e onde circulam comboios de passageiros e de mercadoria. 

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