Pesquisas em russo por rotas de fuga da Rússia atingem pico, mas há cada vez menos possibilidades de sair

CNN , Por Carlotta Dotto e a equipa da CNN. Gráficos de Natalie Croker e Marco Chacon. Ilustração fotográfica de Gabrielle Smith
10 abr 2022, 10:00
Gráfico de fuga da Rússia (Ilustração da Getty Images)

"Como deixar a Rússia?": as pesquisas em russo por esta frase no Google atingiram o número mais alto dos últimos 10 anos no país, uma semana após a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro

De Moscovo à capital petrolífera siberiana de Novosibirsk, e do centro intelectual de São Petersburgo à base de submarinos nucleares de Murmansk, os russos estão à procura de uma saída para anteciparem um futuro sombrio num país dilacerado pelo isolamento, a censura e a beligerância.

A análise dos dados de pesquisa, os números da imigração e das informações de voos, bem como entrevistas com especialistas, ativistas e pessoas dentro do país, mostram bem como as pessoas que não conseguem continuar a viver na Rússia de Vladimir Putin estão a tentar fugir numa altura de guerra do presidente contra a Ucrânia e da repressão política na Rússia.

O interesse dos russos pelo tema “emigração” no Google quadruplicou entre meados de fevereiro e o início de março. As pesquisas por “visto de viagem” quase duplicaram e pelo equivalente russo de “asilo político” aumentaram mais de cinco vezes.

Nas pesquisas por emigração nos últimos 30 dias, a Austrália, a Turquia e Israel foram alguns dos destinos mais procurados, juntamente com a Sérvia e a Arménia - amigos da Rússia - bem como a Geórgia, que as tropas russas invadiram em 2008.

À procura de uma saída

As pesquisas no Google em russo por rotas de fuga para fora do país atingiram o pico uma semana após a invasão da Ucrânia.

Índices semanais de interesse de pesquisa, onde a semana com maior share de buscas = 100

Nota: Os gráficos avaliam o interesse de pesquisas nos tópicos selecionados, bem como os termos de pesquisa no idioma russo; os mesmos não tentam mostrar as principais pesquisas no Google, na Rússia
*Os tópicos incluem um conjunto de termos de pesquisa relacionados

É difícil determinar ao certo quantos russos deixaram realmente o país, ou se de facto seriam capazes de o fazer. As restrições financeiras, os preços exorbitantes das viagens e a disponibilidade limitada de rotas de saída após uma enxurrada de suspensões de voos, correm o risco de manter presos no país aqueles que estão fartos da Rússia de Putin.

“A 24 de fevereiro, tudo mudou. As nossas vidas foram divididas num antes e num depois”, disse Veronica, uma profissional de marketing digital de 26 anos que vive em Moscovo. A mulher usou um pseudónimo para proteger a sua identidade.

Veronica não queria tomar uma decisão apressada enquanto observava os seus amigos e conhecidos a fazer as malas repentinamente, quebrando contratos de arrendamento e “partindo para Yerevan, Tbilisi e Istambul, juntamente com os seus animais de estimação”, dias depois de saberem que a Rússia tinha atacado a Ucrânia.

Em vez disso, participou em manifestações contra a guerra, na capital russa. Mas, no início de março, Verónica começou a perceber que a situação estava a piorar. “A polícia começou a ir procurar ativistas diretamente aos seus apartamentos, a retirar as pessoas do metro”, conta à CNN, acrescentando que a polícia foi à casa dos seus pais, na Sibéria, para a ameaçar.

No início de março, foi aprovada na Rússia uma nova legislação que pode atribuir penas de prisão até 15 anos a pessoas que publiquem ou partilhem informações sobre a guerra que as autoridades considerem falsas. O governo russo tornou ilegal até mesmo o uso da palavra “guerra”, disse Veronica.

No entanto, para a mulher de 26 anos, a gota de água foi a reação da população russa em geral, que, segundo ela, “acredita em grande parte na propaganda da TV”. De acordo com uma recente sondagem independente, 58% dos russos apoiam as ações militares do seu país na Ucrânia e apenas 17% acham que a Rússia iniciou a escalada do conflito com a Ucrânia.

“Eu gritava que estava na hora de nos manifestarmos, de participarmos em protestos, de escrevermos reclamações aos deputados, mas, em vez disso, as pessoas foram fazer compras no último dia útil do IKEA”, disse Veronica. “Eu não quero viver com pessoas assim. Elas desiludiram-me.”

Veronica e o seu parceiro iniciaram uma pesquisa desesperada para deixar a Rússia. “Não importa para onde vamos, nós só queremos fugir daqui”, disse à CNN.

Um manifestante antiguerra segura um cartaz durante uma manifestação em frente à antiga embaixada russa em Tbilisi, a 12 de março.

Num discurso recente, Putin classificou os russos que não o apoiam como “traidores” e definiu a saída destes do país como uma “necessária autopurificação da sociedade [que] só fortalecerá o nosso país.”

“Qualquer povo, e ainda mais o povo russo, será sempre capaz de distinguir os verdadeiros patriotas da escória e dos traidores, e irá simplesmente cuspi-los como um mosquito que entra acidentalmente nas suas bocas, cuspi-los para o chão”, disse o presidente russo.

No entanto, o êxodo dos ativistas, dos defensores dos direitos humanos e de líderes políticos da Rússia é uma tendência grande e notável, de acordo com Egor Kuroptev, diretor da Fundação Rússia Livre na Geórgia.

“O país está ocupado por um ditador. Os média independentes estão destruídos. As redes sociais como o Facebook e o Instagram estão bloqueadas. Há novas repressões contra os ativistas”, disse o diretor à CNN, atestando que aqueles que ficam para trás estão agora ameaçados.

Bilhetes só de ida

A perseguição política é apenas uma das razões pelas quais alguns russos estão a tentar fugir. Além disso, algumas famílias não acreditam que a situação dentro do país vá melhorar e estão preocupadas com o possível recrutamento dos filhos para o exército ou, então, querem uma educação ocidental para os filhos, segundo Andrei Kolesnikov, membro sénior do Centro Carnegie Moscovo.

Nikolai - que é identificado com um nome alternativo para sua própria proteção - tem apenas 16 anos. No início de março, os pais tomaram a difícil decisão de mandá-lo para Tbilisi, na Geórgia, para se juntar aos irmãos mais velhos que já lá estavam. Eles querem que o jovem peça asilo político na Europa, mais tarde.

“Nos primeiros dias da guerra, eu e todos os meus amigos fomos manifestar-nos contra a invasão e centenas de pessoas foram detidas”, disse Nikolai à CNN. “A polícia manda parar as pessoas nas ruas, pessoas que vão apenas a caminhar, que vão às lojas, e pedem para verificar os telemóveis, o Telegram e as redes sociais, e depois a polícia prende essas pessoas”, disse o rapaz.

A mãe de Nikolai aguardou quase uma semana, na esperança que o conflito diminuísse, mas, a 2 de março, disse-lhe para fazer um teste à covid-19 e comprou um bilhete só de ida para Yerevan, na Arménia, para o dia seguinte. “Não foi uma conversa. Foi tipo, vai agora”, disse o jovem. De lá, dividiu um táxi para Tbilisi com outros viajantes.

“Muitas pessoas vieram para cá quando a guerra começou”, disse Nikolai à CNN, acrescentando que encontrou amigos que nem sabia que estavam na capital georgiana. “Vamos comprar algo para o jantar, entramos no supermercado ou numa loja e ouvimos palavras em russo e vemos rostos russos. Nos cafés, em todos os lugares. É uma nova realidade para os georgianos também.”

Desde o início da guerra e até 16 de março, mais de 30 400 russos entraram na Geórgia, enquanto que mais de 17 800 saíram, o que significa que mais de 12 600 já estavam no país, naquele momento, segundo o Ministro do Interior da Geórgia, Vakhtang Gomelauri.

Isso é quase 14 vezes mais migrantes russos do que no período homólogo de 2019, antes da pandemia de covid-19, explicou. Além disso, quase 10 vezes mais bielorrussos vieram para a Geórgia desde o início da guerra, em comparação com 2019, quando o turismo ainda era alto, segundo Gomelauri.

Últimos voos

A Geórgia é um dos poucos países que são acessíveis e que aceitam russos em fuga sem longos procedimentos burocráticos com os vistos. Outras opções incluem países pós-soviéticos, como a Arménia, o Azerbaijão e o Cazaquistão. Aqueles que podem pagar vão para os destinos de férias geralmente populares, países como a Turquia, o Egito, os Emirados Árabes Unidos e o México.

Desde a invasão russa de 2008 que não há voos diretos para a Geórgia. Mas, para vários outros destinos, a análise da CNN dos dados do Flightradar24 revelou um aumento notável nos voos diários a partir das cidades russas, nas duas primeiras semanas da guerra.

As partidas diárias para a Arménia aumentaram quase um terço em comparação com a média do inverno - até 34 aviões partiram da Rússia para este país de menos de três milhões de pessoas, a 6 de março. Os voos diários para o Cazaquistão e para Israel aumentaram em cerca de 50%. A Turquia, o Uzbequistão e os Emirados Árabes Unidos registaram uma média de um, três e quatro voos adicionais por dia, respetivamente.

Não se sabe quantas pessoas que apanharam voos diretos para os países vizinhos pretendem lá ficar e quantas têm como objetivo chegar à Europa, aos Estados Unidos e a outros países ocidentais.

Os Russos em fuga têm poucas opções

Apesar de 37 países terem proibido os voos vindos da Rússia poucos dias após a invasão da Ucrânia, um punhado de destinos foi alvo de um aumento no tráfego aéreo. Até cinco voos adicionais por dia partiram para a Arménia, no início da guerra.

Número médio de voos diários

Nota: As alterações na média dos voos diários podem dever-se a várias razões, apenas uma das quais é a guerra

Os que foram suficientemente rápidos (e tinham os vistos Schengen que o tornaram possível), apanharam os últimos voos com destino à União Europeia (UE) nos primeiros dias da guerra. Os dados do Flightradar24 mostram ainda um aumento nos voos para vários países europeus, incluindo o Chipre, Espanha, Finlândia e Hungria nos dias anteriores ao encerramento do espaço aéreo.

Mas as opções estão a diminuir rapidamente, com muitas das rotas ainda abertas impossibilitadas de operar devido à incapacidade das companhias de garantir seguros ou alugar aviões. Entre outras, as companhias aéreas de dois importantes potenciais destinos para os russos, a companhia aérea cazaque Air Astana e a Turkish Airlines, suspenderam todas as operações com a Rússia em meados de março.

Nos meses de inverno antes da guerra, mais de 210 companhias aéreas operavam na Rússia internacionalmente, mas, no início de março, o número caiu para pouco menos de 90, de acordo com dados do Flightradar24. As companhias voam para cerca de um terço dos aeroportos estrangeiros que estavam antes ligados à Rússia, segundo mostram os dados do início de março.

“Quase impossível sair”

Veronica disse que ela e o seu parceiro já gastaram 260 000 rublos (cerca de 2 300 euros) em bilhetes para voos que foram cancelados e pelos quais ainda não foram reembolsados.

“Primeiro comprámos bilhetes de avião para Yerevan, para o dia 5 de março, na companhia russa s7, mas esse voo foi cancelado. Depois, comprámos bilhetes para Yerevan com a companhia aérea russa Aeroflot, para dia 8 de março. Esse voo também foi cancelado. A seguir, comprámos bilhetes da companhia aérea turca Pegasus, um voo para Istambul no dia 1 de abril, e hoje descobrimos que também foi cancelado”, disse ela à CNN.

As tentativas de cruzar as fronteiras terrestres também são problemáticas, já que a Rússia proibiu os cidadãos de deixarem o país por terra, em 2020, oficialmente devido à pandemia do coronavírus, permitindo apenas algumas exceções.

“Agora é quase impossível sair do país”, disse Veronica. “Se houver bilhetes de avião, são muito caros para nós. Estamos com muito medo.”

Agentes da polícia detêm um homem que segura um cartaz que diz “não à guerra”, durante uma manifestação em Moscovo (Getty Images)

Arshak Makichyan e Apollinaria Oleinikova, um casal de ativistas de Moscovo, também tiveram dificuldades em sair. Eles disseram à CNN: “Muitas pessoas estão a comprar bilhetes para a Arménia. Os bilhetes custam agora cinco vezes mais do que antes da invasão. Para muitas pessoas, isso não é acessível.”

Oleinikova continuou: “Existem algumas opções para sair de autocarro e de comboio. Agora [é] muito difícil conseguir um visto. Temos de ter uma vacina, mas aqui só podemos ser vacinados com [a] vacina russa. Não podemos comprar moeda. É por isso que há grandes dificuldades.”

A vacina Sputnik V Covid-19 da Rússia está a ser amplamente usada em vários países e foi administrada a milhões de pessoas em todo o mundo, mas ainda não foi aprovada pela Organização Mundial da Saúde. Isso torna a viagem para vários países da UE e para os EUA ainda mais complicada para aqueles que tomaram essa vacina.

À medida que a fuga da Rússia se torna uma tarefa cada vez mais cara, é evidente que são principalmente os jovens, com uma boa educação e bons salários, que podem dar-se ao luxo de sair. Para a Rússia, esses são, em grande parte, os profissionais da tecnologia.

Algumas empresas internacionais de TI já tinham começado a transferir funcionários nos meses anteriores à invasão da Ucrânia, antecipando danos em termos de reputação e também financeiros. A maioria dos trabalhadores de TI, especialmente os freelancers, tem a vantagem de poder trabalhar remotamente, exigindo apenas uma conta bancária e uma autorização de trabalho.

Poucos dias após a invasão, surgiram vários grupos nas redes sociais onde colegas ou dissidentes da Rússia e da Bielorrússia partilhavam informações sobre possíveis rotas de fuga.

Um das dezenas desses grupos dedicados ao realojamento teve mais de 100 000 subscritores, com quase metade deles diariamente online. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se a grupos dedicados à mudança para países específicos, como a Arménia, a Geórgia e países da UE, e havia também grupos de especialistas em TI a discutir oportunidades e formas de encontrar empregos no estrangeiro.

Pessoas no terminal do Aeroporto Internacional de Sheremetyevo, em Moscovo (AP)

Um profissional de TI, Vasiliy, de 32 anos (também identificado com um pseudónimo para sua segurança) deixou a Bielorrússia depois de o presidente Alexander Lukashenko ter permitido que as tropas russas usassem o país como trampolim para atacar a Ucrânia.

“Escolhi a Geórgia porque não exige visto, permite que nos registemos como freelancers, permite-nos abrir uma conta bancária e receber o nosso salário”, disse ele à CNN.

“Também me sinto seguro na Geórgia porque muitos dos meus amigos também se mudaram para cá. Tbilisi é agora uma mini-Minsk.” Ele não acredita que todos eles fiquem na Geórgia, pois reparou que muitos usam o país como zona de trânsito antes de tentarem obter um visto para a UE.

A idade e o estatuto daqueles que fogem da Rússia, no entanto, levantaram questões sobre o que esta fuga significa para o futuro do país.

“Deixar a Rússia é um privilégio”, disse Anna (cujo nome foi alterado por segurança), uma moscovita de 23 anos, que vive agora na Geórgia. “Há de facto uma onda de imigração de pessoas inteligentes, com boas educações, gentis e empáticas que saem [da] Rússia.”

O facto de os dissidentes russos estarem agora a ser expulsos do país pode tornar ainda mais difícil que haja qualquer mudança na sociedade nos próximos meses e anos.

Uma manifestante em Tbilisi (Getty Images)

É improvável que isso preocupe o presidente russo. “Putin não se importa com a fuga de pessoas inteligentes, ele preocupa-se apenas com o regime dele”, disse Kuroptev, da Fundação Rússia Livre na Geórgia. “Para ele, é útil livrar-se dos dissidentes e deixar toda a gente em silêncio e com medo.”

“Ele [Putin] não entende que as pessoas que estão a sair agora são as melhores da Rússia”, acrescentou Oleinikova, que tem 18 anos e também tenta deixar o seu país natal.

“[Eles] são os cientistas, os jornalistas, as pessoas do setor de TI. São as pessoas mais inteligentes e estão a sair porque é muito perigoso estar aqui”, disse ela à CNN.

“Espero que as pessoas voltem e construam um novo futuro para a Rússia.”

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