Pão, carne ou combustíveis. Preços vão continuar a aumentar, eis como

9 mar 2022, 13:58

"Portugal depende brutalmente da importação de cereais para o fabrico do pão", avisa o presidente da CAP. Mas os aumentos em curso alargam-se a outros produtos. Incluindo as gasolinas, que devem continuar a subir

Desde o início da invasão russa na Ucrânia o preço do trigo nos mercados internacionais aumentou cerca de 30%. A 24 de fevereiro o mercado fechou a 316 euros por tonelada, indicador que estava a ser negociado por volta dos 445 euros esta quarta-feira. Se antes da guerra os preços eram elevados, a ofensiva fez disparar ainda mais os preços. Como consequências, espera-se um aumento generalizado dos preços, a começar pelo pão.

É que, em conjunto, Ucrânia e Rússia representam cerca de 30% do mercado global de cereais, entre os quais está, com grande predominância, o trigo. A falta de produção na Ucrânia e as ameaças de interrupção do comércio internacional da Rússia fazem com que o resto do mundo arrisque uma maior escassez do bem, o que leva à subida dos preços.

Os dois países até têm cereais de campanhas anteriores, mas os fortes constrangimentos dificultam a exportação. Por um lado, a Ucrânia vê os seus principais portos condicionados – é em Mariupol que decorre uma das grandes batalhas e Odessa está sob ameaça russa, o que motivou o governo ucraniano a encerrar todos os acessos ao mar. Por outro lado, o país deixou de ter escalas de navios de carga e passageiros. Já do lado russo, as fortes sanções impostas pelo Ocidente inviabilizam este tipo de importações.

Para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a situação exige uma resposta conjunta da União Europeia. À CNN Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, presidente desta organização, diz que "a Europa tem de precaver-se para se abastecer onde ainda houver matéria-prima".

"Portugal depende brutalmente da importação de cereais para o fabrico do pão", nota.

“A subida do preço do pão é inevitável e evoluirá em linha com a flutuação dos preços dos cereais”. Quem o diz é o presidente do Conselho Fiscal da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), Hélder Pires, em declarações à agência Lusa.

De acordo com a associação, já estão a verificar-se consequências ao nível da procura e alguns sinais de escassez de cereais, sendo que, no limite, “poderá questionar-se se se conseguirá garantir o abastecimento de cereais e, por extensão, de pão”.

Mas não é só o trigo a ter impacto em Portugal. Aliás, o cereal que Portugal mais importa da Ucrânia é milho, representando mais de 90% dos 152 milhões de euros pagos em 2021, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística. Aquele mercado foi responsável por 34,5% do milho importado por Portugal.

O milho não é utilizado apenas de forma direta, na alimentação: grande parte dos animais em Portugal são alimentados com aquele cereal. Por isso, um aumento do custo do milho pode significar um aumento do preço final da carne, do leite ou dos ovos. E se o preço já era elevado no início do ano, com a tonelada a custar 244 euros, o Euronext dá conta de que a mesma medida custava, na abertura dos mercados esta quarta-feira, mais de 384 euros.

Em comunicado, a Confederação Europeia dos Produtores de Milho garante que “não há risco de escassez para o abastecimento alimentar dos europeus”. Contudo, ressalva que são precisos apoios para o setor, uma vez que os produtores deparam-se com desequilíbrios económicos gerados pelo conflito.

A curto prazo, “existe um risco real de explosão dos custos de produção, dos preços dos fatores de produção (especialmente fertilizantes) e dos custos energéticos”, aponta aquela organização.

Já no caso do arroz, por exemplo, a CAP lembra a situação de seca, que obriga a uma maior utilização de energia, que "torna impraticável a prática da cultura".

Combustíveis aumentam, mas e o impacto do ISP?

O barril de Brent abriu esta quinta feira a negociar a cerca de 130 dólares o barril, ainda assim abaixo do que o de segunda-feira, que atingiu máximos de 14 anos. Só que o anúncio dos Estados Unidos de que iam parar de importar petróleo russo fez disparar novamente os alarmes.

Os especialistas parecem não ter dúvidas: o preço do petróleo vai continuar a influenciar o mercado português, nomeadamente os combustíveis, que devem abrir na próxima segunda-feira com a 11.ª semana consecutiva de aumento de preços. Provavelmente acima dos dez cêntimos por litro.

À CNN Portugal, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petroliferas (Apetro) fala em “aumentos muito significativos”, algo que, de acordo com o que vem sendo observado no início desta semana, se deve continuar a refletir.

António Comprido assinala que a cotação do gasóleo e da gasolina teve aumentos de 30% e 20%, respetivamente, nos mercados de referência, o que faz antecipar um “impacto significativo” no preço final. De resto, o especialista admite que esse cenário se prolongue, evoluindo ao sabor da guerra.

“Para baixar os preços teria de haver uma inversão da situação. O ideal seria que o conflito se resolvesse”, explica, falando na necessária “estabilidade” dos mercados.

António Comprido apela à calma, e lembra que o Governo anunciou uma descida no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que se será conjugada com o aumento da receita no IVA. Além disso, e se se fala no impacto para as carteiras portuguesas, também foi aumentado o valor do Autovoucher para 20 euros.

De acordo com o responsável da Apetro, isso poderá ter um grande impacto no preço final, uma vez que a cotação do petróleo representa pouco mais de 20% do preço final.

No caso da gasolina, por exemplo, o ISP tem uma maior importância para o valor final que a cotação e o frete do petróleo. Enquanto o preço sem taxas corresponde a cerca de 35,2%, aquele imposto apresenta uma relevância de 36,4%.

No gasóleo não é tanto assim, mas o ISP ainda representa mais de um quarto do preço final, pesando 26,4%. Nesse caso, o preço sem taxas, onde está incluída a cotação, tem um peso de 41,9%.

De resto, é essa diferença que pode explicar porque tem sido o gasóleo o combustível a verificar um maior aumento de preços.

“Enquanto se mantiver a guerra e o braço de ferro entre Rússia e Ocidente, com as sanções às importações e exportações, é impossível fazer uma previsão”, conclui António Comprido.

Foi com base nessas sanções que o primeiro-ministro se mostrou cauteloso. Para António Costa, é necessário ter em atenção o possível efeito "ricochete" das decisões europeias: "Temos de medir aquilo que é mais efetivo na pressão sobre a Rússia, mas também medir os efeitos de ricochete que cada uma dessas medidas tem também nas nossas economias e na vida das nossas sociedades”, disse, lembrando uma subida de 7% no petróleo logo a seguir ao anúncio de embargo dos Estados Unidos.

Quanto às medidas do Governo, já se começa a ver um impacto.

Eletricidade e gás mais estáveis (pelo menos para já)

Em relação ao gás natural, Portugal até é dos países em melhor situação, o que até levou o ministro dos Negócios Estrangeiros a dizer que o país "está à vontade" para aplicar restrições à importação daquele bem da Rússia.

Ainda assim, como explica o consultor Marco Silva à CNN Portugal, é "todo o sistema que encarece". O especialista da corretora ActivTrades admite que o preço do gás venha a ter impacto, mas também a eletricidade entra na equação.

"Esta perceção de que poderá haver um embargo [ao gás natural russo] faz aumentar os preços porque poderá haver escassez", nota, falando mesmo no "pior dos cenários".

A perspetiva dos analistas é que haja um aumento e diversificação das ofertas, até porque "ninguém tem interesse nesta escalada de preços".

Quanto à eletricidade, cujo primeiro aumento era esperado em abril, o governo acredita ter impedido que isso venha a acontecer, depois de ter canalizado 150 milhões de euros para baixar as tarifas de acesso às redes.

Isto funciona como uma espécie de balão de oxigénio, até que ocorra aquilo que todos esperam: uma solução que traga estabilidade aos mercados.

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