"Pagaram-me para espalhar tinta, mas era uma bomba". Moscovo recruta jovens ucranianos para atentados

30 jun, 15:45
Ataques russos em Kiev (CNN)

Oleh tem 19 anos, uma filha recém-nascida e um telemóvel com Telegram. Foi com isso — e mil dólares prometidos em stablecoin — que quase explodiu à porta de uma esquadra. Não por ser terrorista, mas por estar desempregado. E porque alguém, à distância, decidiu que o seu corpo podia ser útil. A guerra invisível que se trava dentro da Ucrânia está a recrutar adolescentes, a explorar miséria e a transformar vítimas em culpados

Chamava-se Alexander, ou assim se apresentou no Telegram. Disse a Oleh que era simples: viajar até Rivne, no oeste da Ucrânia, pegar numa mochila e despejar tinta na fachada da esquadra da polícia local. Mil dólares — pagos em USDT, uma stablecoin, ou seja, uma criptomoeda desenhada para manter o valor estável, neste caso indexada ao dólar americano — por esse “trabalho artístico” de um só dia.

Mas quando o jovem de 19 anos, vindo da região de Sumy, abriu o saco branco junto ao edifício policial, viu fios, um telemóvel e um dispositivo improvisado que nada tinha de inocente. Não era tinta. Era uma bomba. E Oleh seria o “pintor-suicida” sem o saber. Foi, portanto, por pouco que Oleh não se tornou, sem saber, num bombista suicida ao serviço de Moscovo. Um peão sacrificado numa guerra sombra que a Rússia tem vindo a intensificar dentro da Ucrânia. 

Segundo o Guardian, que ouviu os relatos de operacionais do SBU, o serviço de segurança ucraniano, e de suspeitos agora detidos, mais de 700 pessoas foram apanhadas desde o início de 2024 por envolvimento em sabotagens, incêndios ou tentativas de atentado. Muitas são adolescentes. A mais nova tinha 11 anos.

A estratégia começou com pequenos incêndios, filmados com telemóvel e divulgados em canais pró-Rússia, como “prova” do descontentamento interno. Mas no final de 2024, o Kremlin terá subido de escalada, optando por explosivos — colocados por ucranianos aliciados online com promessas de dinheiro fácil. Os “curadores”, operando a partir da Rússia, recorrem a manipulação psicológica: elogiam, ameaçam, oferecem apoio emocional ou simplesmente pagam em criptomoeda. Muitos dos alvos são jovens desempregados ou em situação precária. Oleh tinha acabado de ser pai. Precisava de dinheiro.

Inicialmente recusou incendiar um edifício, mas semanas depois cedeu à promessa dos tais mil dólares em stablecoin. Pediu a um amigo, Serhiy, também sem trabalho e com dois filhos, para o acompanhar. A missão parecia inofensiva. Mas em Rivne, a dupla foi seguida de perto pelo SBU. Três dias antes, um outro jovem, recrutado de forma semelhante, morrera ao detonar um engenho junto a um centro de recrutamento militar. Matou-se e feriu oito soldados.

Oleh e Serhiy foram apanhados no momento em que Oleh, desconfiado, alertou um polícia local. O SBU, que seguia o percurso dos dois desde o momento em que recolheram a mochila, tinha tecnologia para bloquear remotamente os sinais de detonação enviados por Alexander. O pior foi evitado.

Agora, ambos aguardam julgamento. Poderão apanhar até 12 anos de prisão. A namorada de Oleh cortou contacto. Os pais foram mais concisos: “És um idiota”, disseram-lhe ao telefone.

A guerra na sombra, alerta uma fonte da polícia ucraniana citada pelo Guardian, serve de laboratório para a Rússia testar táticas híbridas que depois aplica no Ocidente: sabotagem, ciberataques, atentados. Resta saber quando — ou se — Moscovo decidirá exportar também esta nova arma: jovens aliciados, manipulados e descartáveis.

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