"Paciência infinita para Putin" pode estar a chegar ao fim. Como o encontro de Istambul pode ditar o futuro da guerra na Ucrânia

15 mai, 07:00
Vladimir Putin (Yuri Kochetkov/EPA via Lusa)

Em Istambul, a diplomacia enfrenta um teste decisivo: será este o momento em que a Rússia cede à pressão internacional, ou a "janela de oportunidade" para a paz na Ucrânia vai voltar a fechar-se mais uma vez?

A cidade de Istambul, na Turquia, está prestes a tornar-se o epicentro da diplomacia mundial, ao acolher um encontro histórico entre representantes da Ucrânia e da Rússia, pela primeira vez desde o colapso formal das negociações diretas entre os dois países, em 2022, logo após o início da invasão russa. Com a guerra a caminhar para o seu quarto ano e sem dar sinais de abrandar, o mundo aguarda com um misto de esperança e ceticismo por sinais que aproximem a guerra de um final que evite o conflito de voltar a rebentar anos mais tarde.

"A paz ainda está longe, mas há uma janela de oportunidade. Esta guerra termina quando Putin determinar que esta guerra acabou, por isso, faz sentido que ele vá até Istambul. Se ele não for, significa que não quer acabar com a guerra. No entanto, se Putin for, é um sinal muito forte de que podemos ter um desenvolvimento decisivo", explica à CNN Portugal Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Internacional - o Kremlin divulgou na última noite os nomes da delegação russa que vai estar na Turquia e Putin não faz parte dela, não dando mais esclarecimentos.

As expectativas para o encontro são moderadas. Putin insiste que as negociações devem abordar diretamente as "causas profundas" que a Rússia utiliza para justificar a invasão, como a expansão da NATO, a desmilitarização da Ucrânia e a influência ocidental no país. No discurso onde sugere as negociações  "diretas e sem pré-condições, Putin mencionou o rascunho do acordo de 2022, que previa a neutralidade ucraniana em troca de garantias de segurança de potências mundiais como os EUA, a China, Rússia, França e Reino Unido.

Só que do outro lado a visão é totalmente diferente. Kiev defende que antes de o diálogo começar, um cessar-fogo total deve ser estabelecido, bem como a retirada das tropas russas. Esta ideia é repetida também por alguns dos principais apoiantes ucranianos, que insistem que não aceitam negociações enquanto os combates continuam. Macron disse mesmo que "não podem existir conversas enquanto as armas estiverem em jogo", fazendo um ultimato juntamente com Alemanha e Polónia para criar um cessar-fogo de 30 dias, sob a ameaça de uma nova vaga de sanções.

"Aquilo que se estava a procurar impor à Rússia era um cessar-fogo que permitisse começar negociações, levando à criação de um armistício, mas vai demorar imenso tempo. A Rússia faz depender a cessação das hostilidades da não entrada na NATO, da desmilitarização da Ucrânia e da realização de eleições, onde pudessem escolher o seu sucessor, tornando a Ucrânia num Estado satélite russo, o que é inaceitável para a Ucrânia", acrescenta Francisco Pereira Coutinho.

A resposta do Kremlin ao ultimato apareceu um dia depois, numa conferência de imprensa pouco habitual, por volta da 01:00 da noite de Moscovo, onde Vladimir Putin propôs negociações "diretas e sem pré-condições" com a Ucrânia. Dias antes, a administração americana parecia estar a alterar a sua retórica, criticando Putin pelos bombardeamentos contra civis ucranianos no final de abril e a lançar dúvidas em relação às intenções do presidente russo, sugerindo que Putin poderia estar "a enganá-lo" e talvez não quisesse acabar a guerra.

O presidente brasileiro, Lula da Silva, revelou que vai apelar diretamente ao presidente russo para comparecer pessoalmente nas negociações com a Ucrânia. Numa conferência de imprensa do líder brasileiro, em Pequim, Lula admite pressionar para que se chegue a um acordo de cessar-fogo de 30 dias, quando regressar da visita oficial à China. “Quando eu parar em Moscovo, vou tentar falar com o Putin. Não me custa nada falar: ‘Ó, companheiro Putin, vá até Istambul negociar, p*rra’”.

Numa publicação na rede social Truth Social, Trump sugeriu que a Ucrânia aceitasse a oferta para as negociações em Istambul para "acabar com o banho de sangue". O presidente americano sugeriu mesmo que poderia participar pessoalmente no encontro, embora a Casa Branca tenha dito que será representada pelo secretário de Estado Marco Rubio. 

A posição americana levanta algumas preocupações entre os países europeus que apoiam a Ucrânia. Apesar de os líderes da diplomacia de vários países europeus terem coordenado "posições de paz para os próximos dias" numa chamada com Marco Rubio, muitas capitais europeias temem a incerteza em torno do encontro. O plano russo continua desconhecido, não se sabe se Putin irá aparecer, o que está a criar demasiada incerteza, segundo fontes europeias citadas pelo jornal espanhol El País. 

"Os ucranianos não têm mais margem para ceder por muito que os americanos pressionem, eles nunca vão ceder além do cessar-fogo. E os americanos parecem perceber isso. O próprio vice-presidente JD Vance, que não é propriamente pró-ucraniano, afirmou que os russos estão a pedir demais", recorda o especialista em Direito Internacional. 

Mas a principal preocupação europeia continua a ser a reação do presidente americano. Os líderes europeus temem que a posição de Donald Trump de avançar com um acordo de paz a qualquer custo possa resultar num acordo prejudicial para a Ucrânia, mas particularmente para a Europa. Donald Trump defende que o primeiro passo para a paz passa pelo acordo de cessar-fogo incondicional de 30 dias, tal como os europeus, mas este consenso pode desaparecer por completo no momento de negociar a paz entre os dois países. 

Ainda sem saber quem representaria o lado russo, Volodymyr Zelensky viajou para Ankara, para se encontrar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que regressa ao centro das negociações de paz desta guerra.  Em 2022, o país mediou negociações que resultaram num acordo temporário para exportação de grãos ucranianos pelo Mar Negro, embora o pacto tenha colapsado mais tarde. A Turquia, membro da NATO, tem mantido uma posição delicada, equilibrando relações com a Rússia ao mesmo tempo que apoia abertamente a soberania ucraniana. Para o presidente turco, esta é mais uma oportunidade de se posicionar como mediador e reforçar a influência geopolítica turca.

Apesar de o encontro entre Zelensky e Erdogan acontecer na capital turca, o presidente ucraniano garantiu que voará de imediato em direção a Istambul caso o presidente russo aceite participar pessoalmente nas reuniões."Se Putin não chegar e continuar com jogos, é a prova final de que não quer acabar com a guerra", defende o presidente ucraniano. 

Por um lado, os russos querem regressar ao rascunho do acordo de 2022 que abre as portas à neutralidade e à desmilitarização da Ucrânia. Por outro, o Ocidente olha com expectativa para a implementação de um cessar-fogo de 30 dias, monitorizado por observadores internacionais, que abra a porta a negociações de uma paz mais ampla. A ausência de Putin e de um acordo pode resultar num impasse total, intensificando a pressão de uma nova escalada da guerra ou de novas sanções. Ao mesmo tempo, este encontro será um teste à capacidade americana para mediar um acordo de paz.

"Agora, a grande questão é o que os EUA vão fazer. Se Putin é quem pode acabar com o conflito e não o faz, como é que Trump vai penalizar esta posição de arrastar a guerra? Trump já impôs a sua vontade a Zelensky, com um acordo de cessar-fogo incondicional, agora em relação a Putin tem havido uma paciência infinita. Putin tem conseguido arrastar e procrastinar. Recordemo-nos que os EUA e a Rússia não conseguiram sequer acordar os cessar-fogos parciais. Se nem conseguiram concluir esses, quais são as perspectivas de se chegar a um cessar-fogo completo?", questiona Francisco Pereira Coutinho.

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