Os dois campos de batalha na Ucrânia e o rio que está a prejudicar ambos os lados

CNN , Análise de Tim Lister
14 mai 2022, 10:00
Rio Donets. Foto: AP

ANÁLISE. Aproxima-se o momento em que decisões críticas, ou erros, de ambas as partes, podem muito bem influenciar o seu resultado

A guerra na Ucrânia está a aproximar-se dos três meses. As forças russas ainda estão muito aquém dos objetivos mínimos estabelecidos pelo presidente Vladimir Putin e, em muitas zonas, as linhas da frente estão a começar a parecer estáticas. Mas, após semanas de intensos bombardeamentos, as linhas defensivas dos ucranianos, a leste, também estão degradadas.

Basicamente, estão a surgir dois campos de batalha. Os russos estão a acrescentar poder de combate ao seu impulso para conquistar as regiões de Lugansk e Donetsk. Os ucranianos estão a tentar mantê-los afastados e a cortar-lhes a passagem. É um tabuleiro de xadrez tridimensional de cálculo militar. E as fronteiras naturais moldadas por um rio no Leste da Ucrânia já estão a afetar o progresso de cada lado.

As forças russas conquistaram território, mas em quantidades modestas. Muito do que ganharam, especialmente no Sul, foi nos primeiros dias da invasão e têm tentado consolidá-lo. No epicentro do conflito, na zona industrial da região de Lugansk, recorreram ao bombardeamento generalizado.

Como disse um oficial ucraniano: “Os russos não mudam de tática: eles destroem cidades e só depois entram na terra queimada”.

As forças terrestres russas estão, por enquanto, a ocupar apenas território incremental, enquanto relatórios anedóticos falam de falta de disciplina e moral entre algumas das unidades.

A Rússia ainda tem pouco menos de 100 Grupos Táticos de Batalhão (BTG) na Ucrânia, de acordo com oficiais dos EUA, e outros 20 pouco depois da fronteira. Cada BTG tem cerca de mil soldados, mas os oficiais dos EUA avaliam que muitos ficaram degradados, depois de mais de dois meses de conflito.

Em Lugansk e Donetsk (os objetivos da “operação militar especial” da Rússia), ainda nenhuma cidade está sob controlo russo, além de Mariupol. Isso pode estar prestes a mudar, após semanas de bombardeamentos sem piedade na zona industrial de Lugansk, um conjunto de cidades que inclui Severodonetsk e Rubizhne. Parece, agora, que a resistência ucraniana em Rubizhne está efetivamente terminada. Deixada para trás, está uma paisagem de destroços, sem água, eletricidade ou pessoas.

Os seus ocupantes, maioritariamente combatentes chechenos e milícias da autodeclarada República Popular de Lugansk, herdam uma terra desolada. Mas a perda de Rubizhne torna a vizinha Severodonetsk mais vulnerável, uma cidade de 100 mil pessoas antes da invasão e onde agora 15 mil se escondem em caves. E, se a resistência ucraniana já não for sustentável, serão necessárias novas linhas defensivas para impedir um avanço russo para oeste.

No entanto, a ofensiva russa vinda do Norte tem tido muito menos sucesso, que é onde entra em jogo o tortuoso rio Donets. O rio nasce na Rússia e desagua na Ucrânia, formando pântanos, planícies aluviais e braços mortos, atravessando falésias de calcário à medida que avança. Por outras palavras: um pesadelo para um ataque militar.

Os russos tentaram e, aparentemente, não conseguiram colocar vários pontões ao longo do rio, num esforço para cercar as tropas ucranianas. As imagens de satélite analisadas pela CNN mostram que, pelo menos, três pontes foram destruídas esta semana e que os russos sofreram grandes perdas.

Mais a oeste, os russos parecem ter atravessado o rio, mas é demasiado cedo para dizer se o fizeram em número suficiente e sustentável. No último mês, desde que ocuparam Izium, fizeram apenas progressos limitados, apesar das linhas ucranianas retesadas. E o seu objetivo estratégico, Sloviansk, tem defesas fortes.

Para manter uma ofensiva nesta área, os militares russos precisam de abastecimentos e estes devem vir do outro lado da fronteira. A linha de abastecimento vai de Belgorod até ao centro ferroviário ucraniano de Kupiansk e ainda mais para sul.

As forças ucranianas parecem determinadas a perturbar este funil e fizeram progressos na reconquista de território a norte e leste de Kharkiv. Numa primeira instância, isto reduziu o fogo russo sobre a cidade em si. E, em alguns sítios, as unidades ucranianas estão agora à vista da fronteira russa e têm linhas de abastecimento russas dentro do alcance da artilharia.

O vídeo de geolocalização da CNN mostrou que vários tanques T90M russos topos de gama foram destruídos, quando unidades ucranianas foram para leste, em direção rio Donets. Estas controlam agora a cidade de Staryi Saltiv, de acordo com uma equipa da CNN que se encontrava na cidade deserta, na quinta-feira.

Mais uma vez, o rio é um obstáculo natural e, nesta área, pode dificultar ainda mais o progresso ucraniano. Mas a contraofensiva ucraniana já levou os russos a retirar algumas unidades para proteger o seu flanco ocidental e a reter até 20 BTG em Belgorod.

Como diz Mick Ryan, um antigo general dos EUA, os ucranianos “deixaram os comandantes russos com um ‘grande dilema’, à medida que esgotam lentamente o seu poder de combate no Leste”.

Mas Ryan não espera uma ofensiva ucraniana mais ambiciosa, o que iria sobrecarregar os recursos já enfraquecidos. “Provavelmente, os ucranianos continuarão o seu avanço contínuo contra os russos para reconquistar território, em vez de terem uma ofensiva geral em todas as frentes", tweetou ele.

O Sul: uma guerra muito diferente

O quadro é menos dinâmico no Sul, onde as linhas da frente pouco se moveram. Os russos ainda controlam uma zona substancial de terras agrícolas nas regiões de Kherson e Zaporizhzhia, mas os seus esforços para se deslocarem mais para norte têm sido esporádicos.

Em Kherson, por exemplo, a agitação social atenuou, em parte, porque se estima que 45% da população da região tenha partido.

Os russos continuam a lançar ataques de mísseis de cruzeiro contra Odessa e outras regiões costeiras sem grande objetivo, além de aterrorizar a população civil, e com pouca “conceção operacional”, em linguagem militar.

Qualquer esforço para atacar a cidade a partir de terra ou mar parece muito pouco plausível, especialmente desde o afundamento do cruzador de mísseis guiados da Rússia, o Moskva.

Os serviços secretos norte-americanos ignoram qualquer perspetiva iminente de que as forças russas tentariam conquistar toda a costa ucraniana. Isso deveria exigir uma mobilização total dentro da Rússia, um passo que Putin não ordenou, até agora.

Em vez disso, os russos parecem ter a intenção de consolidar o seu controlo sobre um corredor terrestre, que vai da fronteira à Crimeia, e tentar “integrar” Kherson no “mundo russo”, introduzindo passaportes russos, o rublo e uma administração fantoche.

Mas os seus representantes estão a governar áreas em péssimas condições, com cuidados de saúde e serviços públicos seriamente debilitados. E há muitas provas de que as unidades russas estão a tratar a região como se esta fosse uma loja de doces, roubando tudo, desde tratores a artefactos de museus. Ainda não há um esforço sério para governar.

Uma guerra de desgaste

Poucos esperam um ataque final de qualquer um dos lados nos próximos meses. Uma guerra de desgaste parece mais provável, à medida que as armas fornecidas pelos EUA e os seus aliados alteram o equilíbrio no campo de batalha. Os primeiros obuses norte-americanos estão agora na linha da frente.

A diretora dos Serviços de Inteligência Nacional dos EUA, Avril Haines, disse esta semana que “como tanto a Rússia como a Ucrânia acreditam que podem continuar a progredir militarmente, não vemos uma via de negociação viável, pelo menos, a curto prazo”.

“A natureza incerta da batalha, que está a evoluir para uma guerra de desgaste, combinada com a realidade de que Putin enfrenta uma disparidade entre as suas ambições e as atuais capacidades militares convencionais da Rússia, provavelmente significa que os próximos meses poderão ver-nos avançar numa trajetória mais imprevisível e que, potencialmente, se irá agravar”.

Talvez o maior risco para a Ucrânia seja que uma guerra como esta, essencialmente nas mesmas frentes que vemos hoje, seria sustentável, apesar de dura, para a Rússia. No entanto, isso prejudicaria a economia ucraniana, que já se espera que diminua em 45% este ano, segundo o Banco Mundial.

Putin poderia, então, esperar por uma oportunidade para avançar ainda mais num país que ele acredita não ter o direito de existir.

Existe o risco adicional, se ainda não era evidente, de que o sentido de urgência do Ocidente em apoiar a Ucrânia com dinheiro e armas possa esmorecer, caso o conflito resulte em estagnação. Recordemos a Síria.

Mas o curso da invasão russa na Ucrânia já desafiou a maioria das expectativas. Aproxima-se o momento em que decisões críticas, ou erros, de ambas as partes, podem muito bem influenciar o seu resultado.

Nas palavras do estratega chinês Sun Tzu: “A oportunidade de nos protegermos contra a derrota está nas nossas próprias mãos, mas a oportunidade de derrotar o inimigo é fornecida pelo próprio inimigo”.

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