Olga Smirnova, a primeira-bailarina que deixou o Bolshoi e fugiu: "Nunca pensei sentir vergonha da Rússia"

17 mar 2022, 11:39
A bailarina russa Olga Smirnova (Direitos reservados)

A bailarina de 30 anos era uma das estrelas da prestigiada companhia de ballet. Depois de ter criticado publicamente a guerra na Ucrânia, sentiu que não tinha condições para continuar no país: "Sou contra esta guerra com todas as fibras da minha alma"

"Nunca pensei sentir vergonha da Rússia, sempre tive orgulho do talentoso povo russo, das nossas conquistas culturais e desportivas. Mas agora sinto que foi traçada uma linha que separa o antes e o depois", disse a bailarina Olga Smirnova, uma das estrelas do Ballet Bolshoi. Poucos dias depois, Smirnova deixou a companhia e saiu do país. Mudou-se para os Países Baixos, onde vai começar a trabalhar imediamente na companhia nacional.

Outros bailarinos, sobretudo estrangeiros, têm manifestado publicamente a sua oposição à guerra, mas Olga Smirnova, de 30 anos, além de russa tem um avô ucraniano e, por isso, considera-se "um quarto ucraniana". As suas palavras foram muito duras: "Sou contra esta guerra com todas as fibras da minha alma. (...) Dói que as pessoas estejam a morrer, que as pessoas estejam a perder os tetos sobre as suas cabeças ou sejam forçadas a abandonar as suas casas. E quem pensaria há algumas semanas que tudo isso aconteceria? Podemos não estar no epicentro do conflito militar, mas não podemos ficar indiferentes a esta catástrofe global", escreveu na rede social Telegram.

"Num mundo moderno e iluminado, espero que as sociedades civilizadas resolvam as questões políticas apenas através de negociações pacíficas."

Depois disso, seria "insustentável" continuar na Rússia, explicou num comunicado o diretor do Ballet Nacional dos Países Baixos, Ted Brandsen, garantindo que Smirnova será recebida "de braços abertos" e que terá o seu primeiro papel na produção de "Raymonda", que se estreia já em abril, em Amesterdão.

"É um privilégio tê-la a dançar com a nossa companhia, mesmo que as circunstâncias que levaram a essa mudança sejam incrivelmente tristes", disse Brandsen. "No entanto, como companhia, estamos satisfeitos por ter uma bailarina tão inspiradora a juntar-se a nós no Dutch National Ballet".

O brasileiro Victor Caixeta, solista da companhia russa Mariinsky Ballet, também se junta à companhia holandesa.

A estrela do Ballet Bolshoi

Olga Smirnova estudou ballet com Ludmila Kovaleva na conhecida Academia Vaganova, em São Petersburgo, onde os responsáveis do Bolshoi a viram e a convenceram a mudar-se para Moscovo, assim que terminou os estudos. Entrou para o Bolshoi, uma das companhias de bailado mais antigas e prestigiadas do mundo, em 2011. Passou exatamente um dia no corpo de baile até ser promovida a solista e, em 2016, ascendeu à posição de primeira bailarina.

Teve como tutora, até 2018, a célebre Marina Kondratieva. Assumiu os papéis principais em produções de "La Bayadère", "O Lago dos Cisnes" e "Giselle", entre outros. Apresentou-se internacionalmente com a companhia e foi artista convidada do American Ballet Theatre, do Vienna State Ballet, do Ballet de Monte Carlo, entre outros.

Em 2013, um artigo no The New York Times descrevia-a como “uma raridade, uma bailarina cujos movimentos parecem luminosamente certos e verdadeiros”.

"Quando Olga Smirnova aparece, sabemos que ela é muito diferente de qualquer outra pessoa. Não apenas por ela ser bonita, embora seja; com seus membros longos e finos, maçãs do rosto largas e salientes e enormes olhos amendoados, ela parece uma fugitiva de Roswell, N.M., uma adorável extraterrestre que pousou entre nós. Mas mais do que isso, ela carrega o misterioso autocontrolo de alguém que é simplesmente melhor no que faz do que qualquer outra pessoa, uma sensação de que vive na sua própria dimensão", escreveu o NYT, num perfil da bailarina publicado em 2012.

tenho muito orgulho de ser uma primeira bailarina do Teatro Bolshoi. É uma sensação muito especial dançar em seu palco mundialmente famoso. Acho ótimo que o teatro possa se dar ao luxo de montar produções clássicas em grande escala, envolvendo um grande número de solistas e bailarinos, e que sejamos tão conscientes em preservar nossa herança clássica.

"Tenho muito orgulho de ser uma primeira bailarina do Teatro Bolshoi", dizia Olga Smirnova numa entrevista em 2018. "É uma sensação muito especial dançar neste palco mundialmente famoso. É fantástico que o teatro possa dar-se ao luxo de montar produções clássicas em grande escala, envolvendo um grande número de solistas e bailarinos, e que sejamos tão conscientes em preservar a nossa herança clássica."

Apesar de ser uma bailarina muito versátil, Smirnova confessava preferir "os ballets com uma narrativa completa": "A melhor parte da minha profissão é criar as heroínas, poder ser muito diferente e vivenciar situações diferentes no palco, ser uma atriz que vive a vida das seus personagens e tentar surpreender-me com um papel ou interpretação atípicos".

Outros artistas marcam a sua posição

O anúncio de Olga Smirnova acontece pouco mais de uma semana depois de dois outros membros do Bolshoi – o solista brasileiro David Motta Soares e o dançarino principal italiano Jacopo Tissi – anunciarem que iam deixar a companhia. Explicando a sua decisão, através do Instagram, Tissi disse que as ações da Rússia o deixaram "incapaz de continuar" com a sua carreira em Moscovo, acrescentando que "nenhuma guerra pode ser justificada".

O dançarino britânico Xander Parish e o brasileiro Victor Caixeta, que dançavam no Ballet Mariinsky, também já deixaram a Rússia.

E o diretor musical do Teatro Bolshoi, Tugan Sokhiev, demitiu-se no início deste mês, depois da crescente pressão para condenar a invasão. Numa longa declaração, anunciou também a sua demissão da Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse, dizendo que os pedidos para que ele se manifestasse o deixaram com "o dilema impossível de escolher entre os meus amados músicos russos e os meus amados franceses".

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