Número de perdas ucranianas: cerca de 700 mil. Número de baixas russas: perto dos 745 mil. Números de mortos em Kursk: não é 37 mil
Os dados russos mostram que só em Kursk já morreram 37 mil soldados ucranianos. Para os especialistas contactados pela CNN Portugal, este número não passa de uma "mentira monstruosa" e de uma "posição de força" da Rússia num momento crucial em que "está a dar o tudo por tudo". Mas uma coisa parece certa: os números da guerra na Ucrânia já ultrapassam os de todos os conflitos que eclodiram depois da Segunda Guerra Mundial.
"Não temos forma de cruzar os números que a Rússia indica ou de os confirmar, mas 37 mil mortos em Kursk parece um número exagerado", admite o major-general Agostinho Costa. E o major-general Isidro de Morais Pereira concorda: "Nem pensar. Acho muito estranho que tenham morrido 37 mil, porque ultrapassaria perfeitamente o número de forças ucranianas que lá estão. Não faz qualquer tipo de sentido".
Isidro de Morais Pereira, especialista militar, explica que a Ucrânia tem "em permanência" cerca de 20 mil militares na região russa, que invadiu em agosto, ao passo que a Rússia conta com 50 mil na mesma zona, ao que se somam 11 mil norte-coreanos. Desta forma, os 37 mil são "provavelmente um número inventado pelo Kremlin para fazer crer e desmoralizar a população ucraniana neste fase particularmente dificil, em que a Rússia está a tentar o tudo por tudo", garante, referindo-se às negociações do cessar-fogo na Ucrânia.
Repete por isso: "37 mil mortos em Kursk no way, isso só pode ser uma mentira monstruosa das muitas que o Kremlin espalha para fazer crer que está numa posição de força quando já não pode com uma gata pelo rabo".
Depois de uma intervenção no CNN Prime Time, o coronel Carlos Mendes Dias explicou à CNN Portugal que o valor "roça a verdade", tratando-se não do número de mortos, mas de perdas, englobando "as vítimas mortais, os feridos graves e os desaparecidos". Também o major-general Agostinho Costa apenas equaciona a possibilidade de este número corresponder à realidade, se se referir ao número de perdas - que é o mais comum, explica.
Apesar de realçar que não existem "números exatos" e que permence uma "especulação muito grande", o também especialista em assuntos de Segurança e Defesa diz que, a um nível global, "a Ucrânia já perdeu cerca de 700 mil soldados". Isto resulta, segundo esclarece, numa "média de 23 mil baixas globais ucranianas por mês e 760 por dia - o que inclui mortos, desertores e incapacitados".
Contudo, do lado russo os números continuam "no segredo dos deuses", diz major-general Agostinho Costa. O comentador da CNN Portugal aponta, no entanto, o que diz ser um "indicador relevante" para se fazer uma estimativa das perdas russas: a troca de cadáveres, sendo que "as últimas trocas andam todas numa casa de diferença de oito para um ou de nove para um".
"A troca de cadáveres mostra a desproporção nas baixas. No dia 29 do mês passado, a Ucrânia entregou 502 corpos e a Rússia entregou 48. Isto tem uma justificação: os russos estão a avançar, os mortos ficam para trás e a Ucrânia recolhe-os e entrega-os", aponta.
Os números ucranianos divulgados esta quarta-feira estabelecem perto dos 745 mil as perdas russas desde o início do conflito, a 24 de fevereiro de 2022. Segundo o major-general Isidro de Morais Pereira, estes valores estão "muito próximos" dos apresentados pelo Pentágono, pelas autoridades britânicas e por "órgãos credíveis", que referem "600 mil ou mais".
O especialista militar acrescenta que a Rússia contou com 2.000 perdas só na terça-feira. "2.000 homens num dia numa frente de cerca de 1.300 quilómetros é uma brutalidade. A Rússia só teve baixas desta natureza na segunda guerra mundial", assegura.
Nunca uma guerra fez tantos mortos como esta
Apesar de não existir uma confirmação oficial e independente dos dados apresentados, nunca houve tantos mortos numa guerra como na da Ucrânia - "nem nas duas guerras do Golfo nem na do Vietname, o número de mortos americanos era como aqui". É o que diz o major-general Agostinho Costa, que acrescenta que o conflito na Ucrânia regista "um volume verdadeiramente obsceno de mortos".
"Entre as guerras pós-Segunda Guerra Mundial, não há comparação possível - nem na guerra do Vietname nem na guerra do Afeganistão, em que a toda poderosa União Soviética saiu de rabinho entre as pernas. A Rússia teve já dez vezes mais baixas - agora até já é mais. No Afeganistão, o número de baixas não chegou aos 20 mil numa guerra pronlongada", acrescenta o major-general Isidro de Morais Pereira.
Mesmo assim, o conflito prolonga-se há já quase três anos sem dar sinais de abrandamento. Enfrentando baixas como nunca, como conseguem a Ucrânia e a Rússia prosseguir o conflito? Essa é "a grande questão" para o major-general Agostinho Costa: "Está a chegar a um esgotamento e tem sido sustentado por vagas sucessivas de mobilização da Ucrânia", aponta.
A idade do recrutamento em Kiev encontra-se nos 25 anos como idade mínima e 60 como máxima, sendo a média de idades dos soldados ucranianos de cerca de 40. E, segundo o especialista em assuntos de Segurança e Defesa, o objetivo da administração norte-americana de Joe Biden, que têm pressionado Volodymyr Zelensky a baixar a idade da mobilização para os 18 anos, é precisamente enfrentar "o défice muito grande de pessoas" e "a corrida para o fundo" que está em curso.
Mas o presidente ucraniano tem resistido. "Não vemos porque é que essas mudanças devem ser introduzidas. Penso que seria perigoso", justificava Zelensky.
"A Ucrânia tem soldados" garante o major-general Isidro de Morais Pereira, explicando que o exército de Kiev tem uma nova brigada, a 15ª, "pronta para entrar em combate e equipada". Mas não é só: "A Ucrânia tem mais 10 brigadas, que têm pessoas, mas ainda não têm material", diz.
Em causa estão, segundo o especialista militar, cerca de 50 mil novos homens preparados para entrar em combate, mas sem meios para tal. "Para equiaprar 10 brigadas sao precisas muitas viaturas, sendo que uma brigada tem no mínimo 18 obuses de artilharia. Mais uma vez o Ocidente fala muito, mas faz pouco", acusa.
Na segunda-feira, os EUA anunciaram um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia para se defender dos ataques russos, no valor de 725 milhões de dólares. De acordo com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que fez o anúncio da ajuda, o pacote inclui mísseis Stinger, munições para os HIMARS, drones e minas terrestres, entre outros.