O "não" na guerra da Ucrânia é cada vez mais "sim" do Ocidente, como provam os tanques Leopard, Abrams, os mísseis Storm Shadow e ATACMS e, mais recentemente, os F-16. Poder atacar as bases militares russas de onde são lançados os mísseis contra a Ucrânia é apenas mais um. E logo a seguir será a entrada de tropas ocidentais no campo de batalha, segundo os analistas
Primeiro o Reino Unido, depois os Países Baixos e agora foram França e Alemanha a autorizarem publicamente a Ucrânia a atingir território russo com armamento fabricado no Ocidente. Os Estados Unidos mantêm-se, para já, intransigentes, com Blinken a dizer que a Casa Branca "desencoraja e não autoriza o uso de armas norte-americanas", mas a lista favorável já conta com mais de dez países: além dos já referidos, Polónia, Chéquia, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Lituânia e Canadá também não se opõem à utilização de armamento doado contra alvos militares no interior da Federação Russa.
Para o especialista em Relações Internacionais Tiago André Lopes, isto significa que o conflito "pode escalar para uma nova dimensão para a qual não estamos preparados e que nos vai obrigar a mudar para um estilo de vida [populações ocidentais] a que não estamos habituados". O professor da Universidade Portucalense destaca ainda outro cenário: "Fica a perceção de que a situação no terreno está pior do que se pensava."
"Dá a ideia que a Ucrânia está a cair e o Ocidente não está a aceitar a derrota. Tal como aconteceu em todos os conflitos anteriores, em que o Ocidente entrou e que não conseguiu resolver no plano diplomático", explica Tiago André Lopes.
O major-general Agostinho Costa entende que, no Ocidente, "está tudo um pouco em pânico". O analista militar garante que, de Portugal à Finlândia passando pelos Estados Unidos, todos estão "à espera de um grande ataque russo só não sabem quando e onde vai acontecer".
Todavia, este é só o pior dos cenários e tanto Tiago André Lopes como Agostinho Costa lembram que podemos estar, mais uma vez, perante uma mera manobra comunicacional. "Está tudo com a consciência que a Ucrânia está a perder esta guerra, é óbvio", garante o analista militar e, perante isso, temos agora o Ocidente a tentar "manter a chama de que Kiev pode dar a volta ao conflito". A verdade, explica Agostinho Costa, é que "não pode". "Esta é mais uma fantasia tal como já tinha acontecido com os tanques Leopard e Abrams que iam ser a salvação ucraniana, mas não foram. Onde se decide esta guerra é no campo de batalha e o resto é fantasia."
"Uma guerra de narrativas para nos ir retirando a atenção do importante que é o que está a passar-se no terreno. É uma questão de tempo. Quando se tem as expectativas demasiado altas acabam-se por ter desilusões muito fortes", teoriza Agostinho Costa.
Tiago André Lopes antecipa ainda que, nos próximos dias, vão existir mais "movimentações diplomáticas, várias declarações que serão acima de tudo posições de diplomacia pública", porque estamos na "antecâmara da Cimeira de Washington [37.ª Cimeira da NATO]". O caso mais evidente é mesmo o alemão, como refere o académico, em que "o que temos não é bem uma luz verde, é uma luz amarela", lembrando que no dia anterior Olaf Scholz tinha dito que não apoiaria o uso de armamento ocidental na Rússia: "É preciso, se é sim, dizer sim com clareza. E, se é não, dizer não com clareza.".
O especialista em Relações Internacionais não tem dúvidas de que estas declarações vindas das principais potências europeias "são perigosas". "A partir do momento em que a luz verde comece a ser dada por vários países, a Rússia terá direito legítimo de atacar estes Estados", diz Tiago André Lopes, alertando que "é irrelevante se os ataques acontecem apenas em Belgorod [como deu a entender Emmanuel Macron], é solo russo".
"Parece que agora não queremos perder porque não podemos perder, mas quando haverá espaço para o diálogo e para um vislumbre de conversações de paz?", questiona.
Agostinho Costa concorda e insiste que tudo isto não passa de uma "campanha comunicacional e o sr. Scholz sabe-o". O major-general lembra que tanto os mísseis britânicos Storm Shadow quanto os franceses SCALP pouco ou nada vão mudar no panorama militar, até porque "já estão na Ucrânia e têm sido ineficazes". É certo, como recorda o especialista em assuntos de Defesa, que quando chegaram à Ucrânia serviram para "afundar embarcações da frota russa do Mar Negro, mas agora já não". Porquê? "Porque são guiados por GPS e os russos começaram a emparcelar os sinais de GPS, dando um resultado errado ao míssil na fase de atingir o alvo e acabam por aterrar alguns metros ao lado", descreve.
E até que ponto esta permissão dos aliados vai ser eficaz? O especialista militar aconselha a que se olhe para o passado recente: "O que a experiência de dois anos e três meses de guerra nos mostra é que rapidamente a outra parte se ajusta e neutraliza a novidade."
As exceções capazes de ultrapassar a defesa antiaérea russa seriam os mísseis de última geração alemães Taurus e os famosos ATACMS de fabrico norte-americano. No entanto, tanto uns como outros têm a capacidade de transportar ogivas nucleares e isso, como refere Agostinho Costa, pode "provocar uma reação de Vladimir Putin", referindo-se o major-general ao uso de armas nucleares estratégicas. Facto este que também é do conhecimento tanto de Berlim como de Washington, dois dos países que têm demonstrado maiores reticências em dar autorização a Kiev.
Escalada da ameaça nuclear
Tiago André Lopes aponta ainda outros três fatores relevantes para o contexto: a Rússia "por um lado está a ganhar e por outro não está isolada"; "é a segunda maior potência nuclear do mundo"; e "Vladimir Putin foi a três países diferentes - China, Uzbequistão e Bielorrússia - nos últimos dias". Perante um ataque contra o seu território, o especialista não estranha que Putin tivesse o ímpeto de "poder responder com armas nucleares táticas".
"O que está em causa é mais geoestratégia e geopolítica e muito menos uma questão de identidade da Ucrânia. Os EUA estão longe, nós é que estamos perto da ameaça nuclear", recorda Tiago André Lopes, referindo ainda que "o direito à Defesa termina quando as tropas estão fora da fronteira".
Para o major-general Agostinho Costa a possibilidade de ataque nuclear russo não está em equação, no máximo, diz, perante a luz verde europeia, Moscovo vai enviar "ingleses, franceses ou alemães [que estejam na Ucrânia] em sacos de plástico para os países de origem". O especialista em Defesa considera que a ambiguidade de discursos entre a NATO e a Casa Branca sustenta a tese de não passar de uma "guerra de narrativas" e que "vão todos acabar por dar luz verde". "Stoltenberg é uma caixa de ressonância norte-americana que lê o guião que lhe colocam à frente e não é escrito em Bruxelas, é feito em Washington", garante Agostinho Costa, assegurando que "se a Casa Branca diz que não, é por que se está a passar o mesmo que aconteceu com os Abrams ou com os F-16: não, não, não e depois enviaram o armamento".
Sobre se esta pode ser só uma manobra de fachada para facilitar a entrada de tropas ocidentais na Ucrânia, Agostinho Costa garante que “é um passo nesse sentido" e deixa um palpite cronológico do que serão os próximos meses na Ucrânia: "O próximo passo é entrarem tropas ocidentais para treinar soldados ucranianos. Depois, não tardará até que estejam a combater na linha da frente ou que a frente de batalha chegue até eles. Seguir-se-á a caça aos ocidentais na Ucrânia, como aconteceu em Kharkiv, de onde uma dezena de franceses voltaram em bodybags."
Agostinho Costa acredita que "só será possível mudar o curso da guerra" de uma maneira, "se o Ocidente empregar tropas na guerra". "Mas nem assim, é certo que a Ucrânia saia vencedora e os norte-americanos sabem-no", argumenta.