Menos de um mês após a mobilização parcial, já há novos recrutas russos a morrer

17 out 2022, 19:19
Tropas russas na Ucrânia (AP Images)

Operação de mobilização tem sido duramente criticada, mesmo pelos mais leais a Putin e ao Kremlin

Foi no dia 21 de setembro que o presidente russo Vladimir Putin anunciou uma mobilização militar parcial de cidadãos na reserva para combater na guerra da Ucrânia. O Kremlin garantiu que apenas 300 mil homens seriam chamados numa primeira fase, e que estes soldados iriam ter treino adicional para os preparar para a dureza da frente de guerra no país vizinho. No entanto, o cenário anunciado por Putin e pelo seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, parece estar longe de se verificar.

Esta segunda-feira, o jornal The New York Times dá conta da situação dramática que alguns mobilizados estão a enfrentar. Num centro de treino na região de Samara, familiares dos mais recentes recrutas concentram-se à porta, entregando tudo o que podem – botas, coletes à prova de bala, medicamentos, comida – aos soldados. “Não é assim que isto se faz. Somos nós que compramos tudo”, afirmou uma mulher chamada Elena à publicação local Samara Online, citada pelo jornal americano. Noutro local, perto de Ecaterimburgo, meia dúzia de soldados prepara-se para ser enviado para o Donbass. Questionado sobre o treino que receberam, um deles refere que apenas disparou três carregadores.

A falta de treino e apoio aos soldados mobilizados está já a ter consequências nefastas. Na quinta-feira, o governo da região de Chelyabinsk anunciou a morte de cinco dos mais recentes recrutas no leste da Ucrânia. De acordo com a BBC, que cita família e amigos das vítimas, os homens foram destacados para a guerra sem treino de combate. Também o governador de Kursk, Roman Starovoit, notou a falta de condições que muitos destes recrutas enfrentam durante o treino, denunciando a falta de camas e uniformes e as cantinas em ruínas nos locais de treino. “Em alguns locais é aceitável, mas noutros é simplesmente horrível”, disse.

A mobilização, por si só, foi desde logo mal recebida na Rússia, e a forma como o processo tem sido conduzido agudizou as críticas, mesmo daqueles mais leais ao Kremlin. Na passada quinta-feira, a blogger russa Anastasia Kashevarova, acérrima defensora da invasão da Ucrânia, arrasou a maneira como a mobilização parcial tem sido levada a cabo, pedindo o “fuzilamento” de alguns comandantes no terreno.

“O resultado da mobilização é que os soldados sem treino são atirados para a linha da frente. Chelyabinsk, Yekaterinburg, Moscovo - os caixões de zinco estão a chegar. Disseram-nos que seriam treinados, que não seriam enviados para a linha da frente numa semana. Mentiram novamente?”, questionou na rede social Telegram.

Até agora, o Kremlin tem tolerado este tipo de críticas, apenas punindo quem questiona a necessidade da realização desta “operação militar especial” em solo ucraniano. No entanto, têm surgido vários indícios de que o governo russo já começa a perder a paciência. Na sexta-feira, o portal de notícias Mash noticiou que nove correspondentes de guerra e bloggers russos estão em risco de enfrentar acusações criminais por "desacreditarem as Forças Armadas russas". Entre os potenciais acusados estão Igor Strelkov, de nome verdadeiro Igor Girkin, e o popular blogger Semyon Pegov, conhecido no mundo dos media por gerir o projeto WarGonzo. Ambos são abertamente pró-guerra, mas têm criticado fortemente as lideranças russas desde o início da invasão, pela forma como esta tem sido conduzida. Girkin, ex-membro do FSB e figura-chave do planeamento da anexação da Crimeia, em 2014, chegou mesmo a pedir a execução dos líderes militares russos que comandam a "operação militar especial". Se investigados e condenados, poderão cumprir uma pena de até três anos de prisão.

Independentemente das ações do Kremlin para tentar mascarar as dificuldades operacionais, estas já são conhecidas. E as elites governantes têm escolhas a fazer. "Os russos terão de fazer uma escolha - construir uma unidade adequadamente ao longo do tempo e depois arriscar-se a perder a guerra, ou destacar essa unidade agora porque a guerra o exige, mas esta não estar totalmente pronta”, disse Johan Norberg, analista do Instituto de Pesquisa sobre Defesa da Suécia, ao jornal, que enfatiza que o governo russo “está a priorizar os números à qualidade”.

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