McDonald's deixar a Rússia, "estás doido"? Como uma reunião em Cascais ajudou a definir o futuro da empresa após a guerra

5 set, 20:42
McDonald's Ucrânia

Só depois de um boicote nas redes sociais é que a cadeia de restaurantes decidiu que tinha mesmo de sair da Rússia, que representava 7% do seu mercado

A abertura de um restaurante da McDonald’s em plena cidade de Moscovo foi um sinal claro do fim da União Soviética e de toda uma era marcada por décadas de comunismo. As filas que se viam no centro da capital não enganavam ninguém: era grande a curiosidade por um dos maiores símbolos do capitalismo norte-americano.

Mas esta é uma relação bilateral, já que a McDonald’s viria a confirmar que o investimento feito para entrar naquele país em muito compensaria, ao ponto de a decisão de sair de lá ter sido altamente difícil.

Foi por isso que, em Cascais, vila portuguesa à beira-mar, os mais altos representantes da cadeia de restaurantes se mostraram tão relutantes em sair da Rússia, mesmo depois de Vladimir Putin lançar a invasão na Ucrânia.

O episódio, que remonta a março de 2022, é um dos muitos exemplos do livro “Punishing Putin”, da autora Stephanie Baker, cuja pré-publicação foi agora dada a conhecer pela Bloomberg.

Tinham passado poucos dias da invasão à Ucrânia e os dirigentes de topo da McDonald’s Corp. decidiram escolher Cascais para a reunião anual. Por essa altura já uma série de marcas tinham anunciado a saída da Rússia, muitas delas a anteciparem as mais do que prováveis críticas, muitas outras já depois de essas críticas terem chegado.

Mas a McDonald’s não. Decidiu manter, naquelas primeiras semanas, o negócio a correr normalmente, fechando apenas aqueles que se encontravam na Ucrânia por uma questão de segurança.

Ao chegar a Cascais, o responsável pelos restaurantes da cadeia na Rússia tinha uma dúvida: seria mesmo para manter tudo aberto? Perante a interrogação de Oleg Paroev, o diretor-executivo e o diretor-financeiro da McDonald’s, Chris Kempczinski e Kevin Ozan, respetivamente, esclareceram-no de forma taxativa.

“Olharam os dois para mim e disseram ‘estás doido? Pensas que alguma vez vamos sair da Rússia? Claro que não’”, contou Oleg Paroev à escritora e jornalista da Bloomberg.

A reação mostra bem como aquele mercado é relevante para a empresa, que só ali tinha cerca de 850 restaurantes com mais de 62 mil funcionários diretos e outros 100 mil funcionários ligados por cadeias de distribuição. Ao todo, o mercado russo representava cerca de 7% da faturação da marca, com mais de mil milhões de euros por ano.

O que Chris Kempczinski e Kevin Ozan não contavam era com o aparecimento de uma hashtag. #BoycottMcDonalds virou rapidamente um pesadelo para a marca, tornando-se viral nas redes sociais.

O problema era impossível de ignorar, pelo que os líderes da McDonald's decidiram conferenciar com outra marca de peso, a Coca Cola, que também atravessava um boicote pelas mesmas razões. À pressão mediática juntou-se a pressão política, com responsáveis da administração Biden a aconselharem as marcas a deixar a Rússia.

De ta forma que, apenas alguns dias após a tal reunião em Cascais, a McDonald's teve mesmo de encerrar o seu negócio na Rússia. A decisão foi comunicada por Chris Kempczinski aos funcionários através de um email em que era garantido que todos continuariam a ser pagos. Em Moscovo, a reação de Oleg Paroev foi de choque: "Não sabiámos o que ia acontecer ao negócio, se ia er suspenso ou totalmente encerrado", explicou no livro.

Com a continuação da incerteza, foi o conhecimento do massacre de Bucha que acabou com tudo: a administração Biden emitiu uma lei a impedir todo o investimento norta-americano na Rússia, o que, na prática, forçava o McDonald's a deixar o país.

Depois de suspender as operações em 8 de março, a McDonald's acabaria por anunciar, em maio, que todos os restaurantes da cadeia iam ser vendidos. Hoje ainda lá estão, mas o velhinho restaurante que abriu na praça Pushkin, em Moscovo, é agora um Vkusno i tochka.

As filas num McDonald's em Moscovo após a reabertura da nova marca (FOTO: Getty Images)

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