Visita “à trois”

16 jun 2022, 09:30

A confirmar-se a deslocação do Presidente francês, do chanceler alemão e do Primeiro-Ministro italiano a Kiev, agora ou logo a seguir, tratar-se-á de um dos mais espetaculares gestos políticos desde o início do conflito na Ucrânia. Depois do Brexit, trata-se dos responsáveis máximos dos três Países mais “importantes” da União Europeia – aqueles sem os quais se faz pouco. O gesto de irem juntos é, por isso, mais importante do que o seu enquadramento nesta guerra, é também um sinal muito forte para os restantes membros da União Europeia e, além disso, ainda mais para dentro da Organização e, em particular, para a Comissão.

Em segundo lugar, é uma visita de muito relevo porque o momento atual do conflito é de alguma crise de ânimo e de alguma crise no terreno (as duas coisas andam juntas, é inevitável).

Em terceiro lugar, porque cada um destes líderes, com destaque para Macron e Scholz, tem sido alvo de ataques verbais tanto por parte da Ucrânia como de vários Países europeus, com destaque para a Polónia.

Finalmente, é uma visita que justifica atenção porque cada um dos três Países tem, de uma forma ou de outra, assumido posições mais moderadas (outros dirão tíbias) relativamente à Rússia. Ficou na memória, por exemplo, que França, Alemanha e Itália defendem desde sempre a possibilidade de negociações com o agressor e a importância de se chegar à fala com ele, embora o condenem. Macron terá ido até um pouco mais longe, dizendo, sem se importar com os ricochetes (já o fez pelo menos duas vezes), que não se deve ter como objetivo último a humilhação da Rússia.

A visita é, sem dúvida, um notável ato político. Se cada um destes responsáveis fosse à vez, o impacto seria passageiro, ténue. Cada um deles, todos se lembrarão, já foi atacado muitas vezes por Zelensky e muitos outros responsáveis ucranianos. Olaf Scholz demorou a perdoar a grosseria feita ao Presidente alemão, Steinmeier, declarado persona non grata quando se preparava para uma visita à Ucrânia, por lhe ser atribuído um passado demasiado apoiante de Moscovo. E com certeza não terá tido em privado muito fair play com o sentido de humor do embaixador ucraniano em Berlim, que criticou em público a atitude de Scholz na sequência deste incidente. Como estadista, afirmou o diplomata, Olaf Scholz, não podia amuar, agir como uma salsicha de fígado ofendida (“beleidigte Leberwurst”), citando um dito popular alemão que já vem do séc. XIX. Classe pura, como se vê, mas pelo menos o embaixador mostrou que conhece bem as idiossincrasias da língua germânica.

Macron, por seu turno, tem sido atacado com virulência pela Ucrânia ou por interposta Polónia, pelas razões atrás vistas. Por isso, fez-se esperar e desejar, recusou a chantagem política daqueles que diziam que, se não fosse imediatamente, era porque não estava ao lado da Ucrânia.

Mario Draghi, esse, é a cabeça política do País que se atreveu, com a guerra em brasa, a propor um plano para se alcançar a paz ou para, pelo menos, interromper as hostilidades. O plano foi atacado com vitríolo por ucranianos e russos, talvez aí esteja um elemento interessante: se não agradava a nenhum, talvez não fosse mau de todo.

Ao irem os três a Kiev, estes líderes valem mais do que a sua soma, falam mais como europeus do que como de A, B, ou C, mostram a sua união a quem a queira ver, e o que for dito ou prometido sê-lo-á a uma voz.

Uma só voz perante a Ucrânia, claro, numa altura em que se nota algum cansaço (inevitável) relativamente à sua causa. Nada como um sopapo comunicacional como este para se deixar claro que o apoio ao agredido não esmorece. Uma só voz perante a Rússia, porque, ou me engano muito, esta voz única não vai ser a da contemporização. Se Macron, Scholz e Draghi quisessem dizer a Zelensky que não deve contar com eles para extremarem a situação que já é por si extrema que chegue, não iam a Kiev: para isso se inventaram os telemóveis e as declarações à imprensa. Desta forma, na sua visita, querem que o que vão dizer valha mais do que as palavras de circunstância: querem que tenha peso. Mais sanções à Rússia, como quer o Presidente ucraniano? Mais dinheiro? Vamos ver.

Politicamente, esta visita também é ruidosa pelo tempo político em que ocorre. Está em curso a decisão sobre se a Ucrânia acede ou não ao estatuto de candidata à União Europeia (a Comissão dirá a sua posição na sexta-feira), e Macron não esqueceu com certeza aquilo que considerou desejável. E não terá apreciado a forma como de uma penada e algum desprezo a Ucrânia deitou ao lixo a sua proposta de uma Comunidade Política Europeia.
Os três líderes vão falar com moderação, é certo. Mas vão ter de, em compensação, garantir algo de bastante significativo no plano financeiro ou militar. Bom para a Ucrânia, menos bom para Vladimir Putin.

Finalmente, a ida a Kiev vai ouvir-se em Paris, Berlim e Roma. Talvez mais, de facto, em Paris, com a segunda volta das eleições legislativas ali ao virar da esquina; mas não menos em Berlim, onde Scholz tem um mosaico político complexo para gerir todos os dias do ano. Draghi, já tem o que politicamente podia desejar. Vê confirmado o seu estatuto de membro do top 3 europeu, marca pontos em casa.

Tudo visto, temos é de esperar para ver. Mas poderá ser uma visita em que todos ganham. Todos, menos um. Esse já tentou ir a Kiev à bruta, mas foi rechaçado.

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