As maiores economias da União Europeia (França, Alemanha e Itália) foram dando a entender durante algum tempo, que a solução para atingir a paz na Ucrânia seria sacrificar, de algum modo, a sua soberania através da cedência de partes do seu território.
Macron, o mais destacado arauto da autonomia estratégica europeia e acérrimo defensor desta modalidade de ação diplomática, até sugeriu à Ucrânia (não se tratava certamente do seu próprio país, aí outro galo cantaria) que fossem feitas concessões territoriais à Federação Russa no sentido de salvar a face a Vladimir Putin, por considerar que o Presidente russo não deveria ser, de modo algum, "humilhado".
Parece óbvio que sugestões desta natureza só podem resultar em humilhação para a própria Europa e para o “ocidente alargado”. Dando razão a Dmitry Kuleba “ é melhor concentrarmo-nos em colocar a Rússia no seu devido lugar. Isso sim trará paz e salvará vidas”.
Do ponto de vista polemológico a ilação lógica a retirar é a de que salvar a face de alguém que está na origem da eclosão de um conflito armado, movido por ideais imperialistas ou expansionistas, acaba por se traduzir num objetivo diplomático indutor de fraqueza e conduzindo a estados de paz precária.
A este propósito vale a pena citar o Primeiro-ministro da Letónia Krišjānis Kariņš que a meu ver, e muito acertadamente, refere: "Paz a qualquer custo é o que temos vindo a fazer ao longo dos últimos 20 anos com Putin. Paz a qualquer custo significa que Putin vence. Acabaremos por perder”.
Estes momentos de indecisão e tibieza protagonizados pelos líderes alemão, francês e italiano, só “corrigindo o tiro” de forma algo tardia, aquando da visita conjunta a Kiev, poderão ter como consequência direta a capitulação de Severodonetsk e Lisichansk e eventualmente da totalidade do Donbas.
A desproporção, neste tipo de armamento de apoio de fogos, aonde decorrem os combates mais sangrentos chega a ser, vejam bem, da ordem de vinte para um.
Por isso os pedidos reiterados e urgentes endereçados ao mundo livre, ao ocidente, clamando por armas pesadas, sobretudo artilharia e lança foguetes múltiplos de longo alcance, sempre se justificaram sob o ponto de vista operacional. Este material bélico teria, se fornecido em tempo útil, contribuído decisivamente para salvar as vidas de muitos militares e civis martirizados.
A dura realidade para combatentes e populações ucranianas poderia ter sido menos amarga, menos sangrenta e menos cruel.
Não será exagero de estilo se considerarmos que estamos perante a intervenção do divino, um verdadeiro milagre ou então perante uma gritante falta de eficácia da infantaria russa. O facto é que, praticamente após dois meses de sangrentos combates no saliente de Severodonetsk e Lisichansk, sendo muito crítica a situação para as forças ucranianas, nenhuma destas cidades foi ainda definitivamente conquistada.
Acresce ainda referir que ao fim de quatro meses de “operação especial”, também e sobretudo aos níveis político, estratégico e económico para Moscovo, nem tudo são rosas!
O que até 24 de fevereiro deste ano nem em sonhos nos ocorreria, está mesmo a acontecer. O impensável até então, está mesmo a suceder. Senão vejamos.
A NATO encontra-se envolvida num processo de fortalecimento e alargamento a leste, com os EUA a reaproximaram-se sem reservas dos seus aliados europeus.
A União Europeia encontra-se num processo que a conduzirá definitivamente a uma clara expansão e previsivelmente a um ritmo até aqui difícil de conceber, polarizando uma verdadeira união dos povos europeus em torno dos ideais da liberdade, do progresso, da força do direito e da democracia.
As “velhas” potências da Europa ocidental nunca estiveram tão unidas e a Grã-Bretanha até nos faz esquecer que já não pertence à União Europeia, tal é a convergência de esforços evidenciada ao longo destes difíceis quatro meses.
O rearmamento dos países europeus é uma realidade. Neste domínio a Alemanha e o Reino Unido, entre outros, têm já em marcha novos projetos concretos de estratégia genética, no sentido de dotar as respetivas forças armadas de equipamentos mais letais, tecnologicamente mais evoluídos e em quantidade suficiente para fazer face a qualquer tipo de ameaça.
Podemos assim afirmar, sem reservas e ao arrepio da vontade do Kremlin, que finalmente o pilar de defesa europeu da NATO se está realmente a materializar.
Em jeito de síntese, se considerarmos que Putin contribuiu mais para a união e fortalecimento do denominado ocidente alargado, do que nós próprios em várias décadas, não estaremos certamente enganados!
Não fora a devastação e o sofrimento indescritível a que as populações ucranianas têm vindo a ser sujeitas ao longo destes quatro meses de impiedosa guerra, atrever-me-ia a deixar-lhe um agradecimento por ter conseguido fazer por nós, aquilo que até há bem pouco tempo achávamos inimaginável, ou seja estarmos mais unidos do que nunca!