Nos campos devastados da Ucrânia, uma nova teia de fios de fibra ótica está a reescrever as regras da guerra moderna
Ao longo dos mais de mil quilómetros da linha da frente na Ucrânia, algo está a mudar na paisagem do terreno que separa as forças russas das ucranianas. Um emaranhado com milhares de cabos de vários quilómetros, que se assemelham a gigantes teias de aranha, está a cobrir o solo dos campos. Todos os dias surgem milhares de novos fios, resultado de um dos mais mortíferos desenvolvimentos tecnológicos russos que surgiu na invasão da Ucrânia. Imunes à guerra eletrónica e quase impossíveis de detetar, os drones kamikaze controlados com longos cabos de fibra ótica estão a mudar a guerra, a paisagem e a Ucrânia está a correr para tentar recuperar o prejuízo.
Seis meses são uma eternidade para a velocidade da inovação militar para dois países em guerra. O início da invasão russa, que começou com enormes colunas de blindados russos a avançar no terreno apoiados por aviões e helicópteros e que rapidamente deu lugar a uma intensa guerra de trincheiras, desencadeou uma corrida pela supremacia tecnológica. Em desvantagem material, a Ucrânia encontrou nos primeiros meses de guerra a solução para muitos dos seus problemas nas aeronaves não tripuladas a que chamamos drones. Em 2023, dezenas de oficinas começaram a produzir milhares de drones por mês que chegavam em poucas horas às unidades na linha da frente.
O zumbido de um pequeno drone FPV (first-person-view) carregado de explosivos tornou-se o principal receio das dezenas de milhares de homens e mulheres que combatiam na linha da frente. Os drones e os seus pilotos tornaram-se excecionalmente certeiros e o número de baixas do lado russo disparou. As forças de Kiev especializaram-se na produção e utilização deste tipo de aeronaves não tripuladas, desenvolvendo vários tipos com diferentes funções, mas também aprendendo novas táticas e formas de os utilizar. Atualmente, 80% de todas as baixas russas no campo de batalha são resultado de ataques de drones.
Moscovo começou a invasão com uma severa escassez desta tecnologia. O Kremlin tentou encurtar terreno com a ajuda de Teerão, obtendo uma licença para produzir drones de longo alcance Shahed. Mas o fosso continua a existir nas outras categorias que dominavam a linha da frente, como os drones FPV ou os de reconhecimento, como da portuguesa Tekever. Em resposta, Moscovo desenvolveu algumas das mais poderosas armas de guerra eletrónica, capazes de perturbar os sinais das aeronaves, inutilizando-as. Kiev tentou fazer o mesmo, mas a dimensão da produção ucraniana, que fez 1,5 milhões de drones em 2024, era suficiente para continuar o elevado número de baixas.
Mas em 2024, algo mudou. A Rússia começou a experimentar algo diferente nos seus drones. Os militares russos incorporaram um pequeno tubo com um cabo de fibra ótica enrolado com vários quilómetros de comprimento, que liga a aeronave ao seu operador. À medida que voam, estes drones de baixas altitudes vão desenrolando o cabo altamente resistente à medida que se vão afastando do piloto.
A existência de uma física entre o drone e o operador resolve um dos principais problemas que este tipo de armas encontravam no campo de batalha, onde muitos deles perdem o contacto com o piloto, depois de serem alvo de medidas de guerra eletrónica. Esta tecnologia permite também que as aeronaves consigam aceder a áreas que antes eram inacessíveis aos drones FPV, porque perdiam o sinal, como florestas ou entre edifícios. Para os militares, isso significa que as áreas da frente que antes eram seguras podem estar agora debaixo de fogo inimigo.
Mas as diferenças não se ficam apenas pela qualidade do sinal entre o drone e o operador. A fibra ótica permite que o piloto receba uma imagem de alta qualidade até ao momento da detonação do explosivo, mesmo a grandes distâncias. Os cabos de fibra ótica são bastante resistentes, baratos e leves, o que permite aos drones transportar cartuchos com dezenas de quilómetros de fios com apenas poucos quilos. Nas redes sociais, um utilizador mostra um depósito com 50 quilómetros de cabo de fibra ótica com apenas 3,8 quilos.
🤬 Chinese man demonstrates a 50 km fiber optic coil, custom-made for the Russians. The coil weighs only 3.8 kg. pic.twitter.com/6221Ji4szW
— MAKS 25 🇺🇦👀 (@Maks_NAFO_FELLA) June 5, 2025
Apesar do peso reduzido que permite percorrer longas distâncias, esta carga extra tem desvantagens. Os drones FPV têm uma capacidade de carga limitada e o peso a mais obriga a reduzir a quantidade de explosivos a bordo. Estas características obrigam estes drones a ter estruturas maiores, com motores e baterias mais potentes, mas que resultam num dispositivo mais lento e menos manobrável, o que o pode tornar mais vulnerável a ser abatido com armas ligeiras. Além disso, as longas linhas de fibra ótica correm o risco de ficar presas em algum objeto ou simplesmente enrolar-se.
Quando atingem o alvo ou são destruídos, o cabo de fibra ótica que liga o drone ao operador fica caído no chão. Conforme estes cabos se acumulam nos campos e nas cidades, começam a tornar-se visíveis e a refletir a luz do sol, o que permite aos militares identificar a posição original do seu operador. Isto obriga os soldados a mudar de posições com frequência, num constante jogo do gato e do rato.
Tanto a Ucrânia como a Rússia estão a fazer de tudo um pouco para tentar descobrir uma forma de contrariar esta tecnologia, mas sem sucesso. Um estudo russo, por exemplo, tentou encontrar uma forma de conseguir detetar o cabo de fibra ótica através do espectro infravermelho, tornando os cabos visíveis a drones com visão noturna ou equipamento infravermelho. Só que os investigadores dizem que esta descoberta não terá grande utilidade no campo de batalha, uma vez que só é possível à noite e as câmaras mais comuns utilizadas na frente não o conseguem fazer.
Até lá, este tipo de drones vai conseguindo obter grandes sucessos no campo de batalha. Em Kursk, onde a Ucrânia lançou uma ofensiva no verão de 2024, foram fundamentais para o contra-ataque russo que acabou por expulsar as forças do general Oleksandr Syrskyi, em março de 2025. Vaga atrás de vaga, dezenas de drones com cabos de fibra ótica atacavam as forças ucranianas, que pouco ou nada conseguiam fazer contra estes ataques. Nos últimos meses da ofensiva, o abastecimento da linha da frente era praticamente impossível e os militares russos atingiram tudo o que mexia na retaguarda ucraniana.
“A nossa logística entrou em colapso. Os drones de fibra ótica monitorizam todas as rotas, não havendo forma de entregar munições ou provisões”, disse Dmytro, um médico ucraniano que lutava a partir da cidade russa de Sudzha, ao Kyiv Independent.
O mesmo está a acontecer em vários pontos da frente, onde os militares ucranianos estão a relatar um aumento significativo dos ataques contra veículos na retaguarda, ligados a um aumento da atividade deste tipo de drones na frente de combate. Na região de Toretsk, um soldado relatou que a sua brigada ficou sem qualquer veículo de evacuação médica em apenas um mês.
A Ucrânia, que tem uma indústria de drones robusta, está a tentar adaptar-se e correr atrás do prejuízo para apanhar as capacidades russas. Para isso, os fabricantes ucranianos precisam apenas de adquirir grandes quantidades de fios de fibra ótica de qualidade, são produzidos pela China e vendidos no AliExpress. Só que a proximidade de Pequim ao Kremlin faz com que muitos dos produtores queiram distanciar-se e diversificar os seus fornecedores.
Mas, apesar de os drones serem considerados baratos, esta tecnologia faz disparar o preço de um drone para quase o dobro. Segundo uma análise do Ukrinform, em março, o preço do cabo de fibra ótica por drone aproxima-se dos mil euros por unidade. O drone custa entre 300 e 600 euros, sem explosivos. Feitas as contas, o preço destes drones com um fio de 25 quilómetros pode atingir os dois mil euros. O valor é bastante superior ao dos atuais drones FPV, mas a eficácia destas armas parece justificar a transição.
Só que, para já, a utilização destes drones está restrita às unidades de elite ucranianas, como o regimento Achilles ou a unidade de drones do batalhão Azov. Mas todos sabem que este ano todos os olhos estarão postos nesta tecnologia, que deve chegar a um número cada vez maior de unidades ucranianas. Até lá, a vantagem permanece nas mãos das forças russas, que estão a aumentar a intensidade dos ataques um pouco por toda a frente. Seja como for, o emaranhado de fios vai continuar a cobrir os campos ucranianos, testemunhas silenciosas de uma guerra que a tecnologia não para de mudar.