opinião
Embaixador e Comentador da CNN Portugal

Será assim?

25 mai 2022, 08:02

Assistimos, há cerca de três meses, à tartamudeante prestação do chefe da “intelligence” russa, na reunião do Conselho de Segurança Nacional. Vimo-lo ser subitamente interrompido por Vladimir Putin, ao ter- se equivocado, dizendo que estava de acordo com a inclusão das recém-criadas Repúblicas de Luhansk e Donetsk na Federação Russa. O presidente russo mostrou-se visivelmente irritado, dizendo não ser essa a questão que estava na agenda. E não estava. Nessa altura.

Nos territórios secessionistas da Ossétia do Sul e da Abcásia, que Moscovo reconheceu como Repúblicas, em 2008, zonas com população russa que antes haviam feito parte da Geórgia, surgiram, entretanto, iniciativas oficiais, com vista à organização de referendos, destinados a auscultar a população sobre a hipótese desses russo-proclamados Estados virem a integrar a Federação Russa. Não há quaisquer dúvidas sobre o sentido desse voto.

Na zona sul da Ucrânia, numa área fortemente russófona, começou a tomar corpo uma nova República, Kherson, identidade protonacional de que, até recentemente, nunca tinha surgido qualquer notícia, em termos de uma pulsão independentista. Várias dimensões da vida russa, da moeda à internet local, fazem já parte, nas últimas semanas, do quotidiano desse espaço.

No seu discurso de 9 de maio, Putin falou, a certo passo da “nossa gente” e da “nossa terra”, no terreno da guerra, isto é, no espaço da Ucrânia. Estranhamente, não surgiram muitos comentários sobre tal facto. Ora aquela afirmação pode ser muito significativa. O presidente russo parece dar como assente que as “terras” da Ucrânia onde está “gente” russa são russas. 

O que é que tudo isto pode querer dizer? Se acaso todas as cinco entidades, que se pretendem nacionais, atrás referidas, vierem a “solicitar” a sua integração na Federação Russa, elas deixarão, de imediato, aos olhos de Moscovo, de serem meras repúblicas separatistas, passando a integrar todo o espaço protegido pela soberania russa. Um ataque a qualquer delas representaria um atentado à soberania da Federação da Rússia. 

A meu ver, isto começa a ler-se “nas cartas”. Dir-se-á: mas o que é que muda? Formalmente, a Federação Russa passa a questão ucraniana para um patamar diferente, conferindo ao prosseguimento da luta do governo de Kiev pela recuperação dos territórios que não controlava antes de 24 de fevereiro o caráter de “agressão” a território da Rússia. E, de caminho, isso levará Moscovo a considerar que os Estados que forem cúmplices nessa agressão passarão a ser co-beligerantes, ao lado da Ucrânia.

Será assim? Posso e espero estar enganado.

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