Exclusivo: especialistas acusam a Rússia de incitar ao genocídio na Ucrânia e de pretender “destruir” o povo ucraniano

CNN , Ivana Kottasová
27 mai 2022, 15:31
Cadáveres na Ucrânia. Genya Savilov/AFP/Getty Images

As ações da Rússia na Ucrânia providenciam evidências suficientes para concluir que Moscovo está a incitar ao genocídio e a cometer atrocidades com o objetivo de destruir o povo ucraniano, segundo o primeiro relatório independente sobre as alegações de genocídio naquele país.

O relatório legal, assinado por mais de 30 juristas e especialistas em genocídio, acusa o Estado russo de violar vários artigos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio das Nações Unidas. O relatório alerta para o risco grave e iminente de um genocídio na Ucrânia, apoiando as acusações com uma longa lista de evidências, incluindo exemplos de homicídios em massa de civis, deportações forçadas e retórica antiucraniana desumanizante usada por altos representantes russos.

O relatório foi elaborado pelo New Lines Institute for Strategy and Policy, um grupo de reflexão com sede nos EUA, e pelo Raoul Wallenberg Center for Human Rights, com sede no Canadá, e deve ser divulgado na sexta-feira, com os autores a enviar cópias a parlamentos, governos e organizações internacionais por todo o mundo. Uma cópia antecipada do relatório foi partilhada em exclusivo com a CNN.

“Reunimos os principais especialistas jurídicos de todo o mundo que examinaram todas as evidências e chegaram à conclusão que a Federação Russa é responsável pelas violações da Convenção do Genocídio na Ucrânia”, disse à CNN Azeem Ibrahim, do New Lines Institute. Ibrahim visitou a Ucrânia em março para reunir dados para o relatório.

“Esta é uma análise muito completa e pormenorizada de vastas evidências”, disse ele. “O que vimos até agora é que esta guerra é genocida por natureza, em termos da linguagem usada e da forma como está a ser executada. Isso é muito, muito evidente.”

De acordo com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio das Nações Unidas, os seus signatários têm a obrigação legal de prevenir o genocídio - e o relatório apela à ação da comunidade internacional.

“Não temos tempo algum. Acreditamos que há um risco muito elevado de genocídio”, disse Ibrahim. “Cada um dos países signatários da Convenção do Genocídio, e estamos a falar de 151 países, incluindo a Federação Russa, cada um desses países tem de fazer o que puder para acabar com isto. Caso contrário, também estarão a violar a Convenção.”

Numa das secções mais arrepiantes do relatório, o grupo faz uma comparação direta com o massacre de Srebrenica, em 1995, apelando ao mundo para que tome medidas antes que seja demasiado tarde: “Os pormenores do massacre de mais de 7000 rapazes e homens bósnios muçulmanos, em Srebrenica, só se tornaram do conhecimento da comunidade internacional quando era demasiado tarde para evitar um genocídio que aconteceu numa questão de dias. Em 2022, temos a capacidade de rastrear com precisão atrocidades semelhantes à medida que elas se desenrolam e de responder adequadamente.”

O relatório aponta o dedo diretamente a Moscovo, acusando os altos representantes da Rússia de orquestrarem o incitamento ao genocídio e de lançarem as bases para um futuro genocídio, ao negarem repetidamente a existência de uma identidade ucraniana.

O Kremlin discordou veementemente da declaração do presidente Joe Biden, em abril, quando ele disse que considerava as ações da Rússia na Ucrânia um “genocídio”.

O relatório do New Lines e do Raoul Wallenberg Center diz que o Estado russo está a violar o Artigo II e o Artigo III (c) da Convenção do Genocídio. O Artigo II da convenção declara o genocídio como uma tentativa de cometer atos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. O Artigo III (c) diz respeito à “incitação direta e pública ao genocídio”.

Como exemplos das evidências de que a Rússia está a violar a Convenção, os especialistas destacam as repetidas declarações feitas pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, que deixou bastante claro o facto de acreditar que a Ucrânia não tem o direito de existir como um estado independente.

Também apontam para a linguagem desumanizante usada por altos representantes russos para descrever os ucranianos - incluindo palavras como “bestas”, “subordinados” e “escumalha” - bem como o retrato que fazem da Ucrânia como um “estado nazi” e uma “ameaça existencial” à Rússia.

Mas o relatório vai além das alegações da pretensão russa de um genocídio, acusando as forças russas de levarem a cabo um “padrão de atrocidades constantes e generalizadas contra civis ucranianos, coletivamente” durante a invasão.

Diz que os bem documentados massacres e execuções sumárias em Bucha, Staryi Bykiv e nas regiões de Sumy e Chernihiv, os ataques deliberados da Rússia a abrigos, corredores de evacuação e instalações de cuidados de saúde, bem como os ataques e os bombardeamentos indiscriminados de zonas residenciais, as violações, os cercos, o roubo de cereais e as deportações forçadas para a Rússia se resumem todos a um “padrão genocida de destruição”.

A CNN confirmou de forma independente muitas das atrocidades referidas no relatório.

O New Lines Institute e o Raoul Wallenberg Center já tinham investigado os genocídios dos Rohingya e dos Uigur em Mianmar e na China, respetivamente, e redigiram o primeiro relatório que determinou que as ações da China em Xinjiang constituíam genocídio ao abrigo da Convenção do Genocídio.

A equipa de autores inclui David Scheffer, que desempenhou um papel fundamental nas negociações que estabeleceram o Tribunal Penal Internacional como o primeiro embaixador dos EUA para questões de Crimes de Guerra.

O antigo embaixador do Canadá para as Nações Unidas, Allan Rock, e Charles Taku, o principal advogado do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda e do Tribunal Especial para a Serra Leoa, também estiveram envolvidos.

Além de juristas e especialistas em genocídio, a equipa criada pelo New Lines Institute também inclui investigadores de informações em código aberto e linguistas que examinaram as comunicações intercetadas e os testemunhos.

O que é o genocídio

Genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

• Matar membros do grupo;

• Causar danos físicos ou mentais graves a membros do grupo;

• Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física total ou parcial;

• Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo;

• Transferir de forma forçada as crianças do grupo para outro grupo.

Fonte: Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio

Europa

Mais Europa

Patrocinados