Entrevista de Liz Truss à CNN: escalada militar russa e “ameaças falsas” mostram que Putin foi “superado” pelos ucranianos

CNN , Sana Noor Haq
26 set 2022, 16:00
Liz Truss durante o seu primeiro discurso enquanto primeira-ministra do Reino Unido (AP Photo)

Primeira-ministra do Reino Unido afirma que Putin "cometeu um erro estratégico ao invadir a Ucrânia".

O anúncio de Vladimir Putin de intensificar o recrutamento militar para apoiar a invasão de Moscovo na Ucrânia mostra que o Presidente russo “foi superado” por Kiev, diz a primeira-ministra britânica, Liz Truss, à CNN numa entrevista exclusiva e de grande amplitude.

A nova líder britânica, que assume o poder num momento de convulsão histórica, afirmou a Jake Tapper da CNN no programa “State of the Union” que Putin ordenou uma escalada militar imediata “porque não está a ganhar”.

“Ele cometeu um erro estratégico ao invadir a Ucrânia”, disse Truss na sua primeira entrevista a uma estação americana, que foi ao ar no domingo.

“Penso que ele foi superado pelos ucranianos [que foram mais espertos do que ele]. Temos visto os ucranianos continuarem a rechaçar a ofensiva russa. E penso que ele não antecipou a força da reação do mundo livre”.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, reúne-se com a primeira-ministra britânica Liz Truss à margem da 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas na sede da ONU, em Nova Iorque, a 21 de setembro de 2022. Mandel Ngan/AFP/Getty Images

Truss, que foi convidada a formar governo pela Rainha Isabel II apenas dois dias antes da morte da monarca, assume o leme de uma nação em crise económica.

Na sexta-feira, na sua primeira grande jogada como líder da nação, Truss anunciou cortes maciços de impostos num volume que não era visto desde os anos 70, atirando os mercados do Reino Unido para uma reviravolta e derrubando a libra para o seu nível mais baixo em relação ao dólar desde 1985.

Dois dias antes, em Nova Iorque, Truss e o Presidente dos EUA, Joe Biden, realizaram a sua primeira reunião bilateral desde que ela tomou posse.

Numa entrevista posterior no número 10 de Downing Street, em Londres, Truss disse à CNN que Washington “é um parceiro incrivelmente próximo”, mas não recuou nos comentários controversos que fez no ano passado, quando era secretária dos Negócios Estrangeiros, nos quais descreveu a relação EUA-Reino Unido como sendo “especial mas não exclusiva”.

"Penso mesmo que a nossa relação é especial e é cada vez mais importante numa altura em que enfrentamos ameaças da Rússia e uma maior assertividade por parte da China. Somos ambos democracias que amam a liberdade. Temos uma ligação muito forte", disse a Tapper.

“Tive um encontro muito bom com o Presidente. Falámos de muitas, muitas questões. Mas o cerne da questão, o cerne da questão, é a nossa crença na liberdade, a nossa crença na democracia. E é nisso que precisamos de continuar a trabalhar, porque enfrentamos um mundo cada vez mais inseguro".

“Não dar ouvidos às falsas ameaças”

Quanda questionada sobre como os líderes ocidentais deverão responder se Putin escalar a atividade militar na Ucrânia, Truss disse que eles “não deverão dar ouvidos ao barulho que ele faz com as suas espadas nem às as suas falsas ameaças”.

“Em vez disso, o que precisamos de fazer é continuar a impor sanções à Rússia e continuar a apoiar os ucranianos”.

No início da semana passada, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, disse que o país iria convocar 300 mil reservistas, na sequência de uma ofensiva geral de Kiev este mês, que estimulou os aliados ocidentais da Ucrânia e provocou a raiva na Rússia.

O ímpeto da guerra tem recentemente oscilado a favor da Ucrânia, numa viragem acentuada que funcionários oficiais dos EUA veem como prova geral de que o tipo de armas e inteligência que o Ocidente tem fornecido a Kiev nos últimos meses têm sido eficazes.

O Reino Unido tem sido um dos mais veementes opositores à guerra da Rússia e um dos maiores apoiantes da Ucrânia, fornecendo dinheiro, armas e ajuda.

Em resposta à campanha militar em curso na Rússia, Putin fez um discurso declarando a “mobilização parcial” dos cidadãos, e disse que utilizaria “todos os meios à nossa disposição” - levantando mesmo o espectro das armas nucleares - para manter a “integridade territorial” da Rússia.

“Se Putin fosse autorizado a ter sucesso, isto não só enviaria uma terrível mensagem à Europa, e claro que enormes ameaças à própria população ucraniana, mas também enviaria uma mensagem a outros regimes autoritários em todo o mundo de que é de alguma forma aceitável... invadir uma nação soberana”, disse Truss.

“É por isso que é tão importante que continuemos a ser resolutos, não damos ouvidos ao barulho das espadas que ouvimos de Putin, e continuamos a apoiar com pulso os ucranianos. E é isso em que eu estou determinada que o Reino Unido fará”.

“Eu sei que o Presidente Biden está absolutamente empenhado do ponto de vista dos EUA. Trabalhámos de perto com os nossos aliados americanos, com o G7, e continuaremos a fazê-lo até que a Ucrânia prevaleça”.

“O que eu quero fazer é encontrar um caminho em frente"

Desde o aumento do custo de vida em casa, até ao pântano pós-Brexit a nível interno e externo, Truss herdou um país à beira da crise, quando assumiu o seu posto em setembro.

Truss disse à CNN que, ao reduzir os impostos - que os críticos advertem que serão mais benéficos para os ricos do que para a maioria da sociedade britânica -, o seu governo estava “a incentivar as empresas a investir e estamos também a ajudar as pessoas comuns com os seus impostos”.

Além disso, ela enfrentou pressões para estabilizar os laços entre a Casa Branca e Downing Street, na sequência da queda política de Boris Johnson e a sua subsequente demissão.

Embora Biden e Johnson estivessem ideologicamente divididos - o primeiro descreveu uma vez o seu homólogo britânico como o “clone físico e emocional” de Trump -, ambos estiveram profundamente alinhados na sua abordagem em relação à Rússia, à crise climática e à distribuição de vacinas durante a pandemia do coronavírus.

No entanto, o Protocolo da Irlanda do Norte - uma medida pós-Brexit que requer controlos adicionais das mercadorias que circulam entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido após a sua saída da União Europeia - permaneceu um espinho residual entre ambas as partes.

As regras foram concebidas para manter aberta a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda e prevenir um regresso à violência setária. Mas Truss pretende reescrever essas regras, assim provocando uma profunda ansiedade tanto em Bruxelas como em Washington.

Biden, que faz frequentes referências à sua ascendência irlandesa, deixou clara a sua opinião sobre a questão, apesar de não envolver diretamente os Estados Unidos no assunto. De acordo com a Casa Branca, no seu primeiro telefonema como interlocutor no início deste mês, ele levantou a questão junto de Truss.

Quando questionada sobre a sua conversa com Biden, Truss disse à CNN: “O Presidente Biden e eu concordamos ambos que o que é vital é proteger o Acordo de Belfast de Sexta-Feira Santa. E estamos a celebrar 25 anos desse acordo no próximo ano".

“Mas o importante é proteger e respeitar as posições tanto da comunidade nacionalista na Irlanda do Norte como da comunidade unionista na Irlanda do Norte”.

“Portanto, o que eu quero fazer é encontrar um caminho a seguir, e a minha preferência é uma solução negociada com a UE, que proteja essa relação Norte-Sul, mas que também proteja a relação Este-Oeste. E isso é absolutamente fundamental para o Acordo de Belfast”.

A relação francesa

A abordagem do governo britânico às negociações pós-Brexit também criou clivagens com outros aliados ocidentais, incluindo a França.

Durante a sua proposta de liderança em agosto, a então secretária dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido disse “o júri está fora” sobre se o Presidente francês, Emmanuel Macron, deve ser considerado um “amigo ou inimigo”.

Macron encolheu os ombros, quando foi questionado sobre os comentários de Truss numa ampla entrevista com Tapper na semana passada.

Se Truss recusou chamar Macron de “amigo”, à CNN disse que teve “uma reunião muito boa” com Macron na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, na terça-feira.

“Nós, mais uma vez, falámos sobre os valores que partilhamos com a França e como estamos a trabalhar muito, muito estreitamente juntos em todos os tipos de áreas, por exemplo combatendo a migração ilegal, enfrentando a Rússia, apoiando os ucranianos e trabalhando juntos na energia”.

“Precisamos de aprender lições da Ucrânia”

Mais recentemente, Biden disse que os militares americanos defenderiam Taiwan se os militares chineses lançassem uma invasão da ilha governada democraticamente.

Truss não tem sido tão direta como Biden ao prometer o apoio militar do Reino Unido, mas disse à CNN: “Estamos determinados a trabalhar com os nossos aliados para garantir que Taiwan seja capaz de se defender”.

E acrescentou que o seu governo estava a trabalhar com os seus aliados do G7, incluindo os EUA, Japão e Canadá, para reduzir a “dependência estratégica” da China, e assegurar que eles têm uma “resposta comum” à ameaça de agressão militar de Pequim.

“Bem, o que tenho sido clara em dizer é que todos os nossos aliados precisam de garantir que Taiwan seja capaz de se defender. E isso é muito, muito importante. E nós precisamos de aprender as lições da Ucrânia”.

“O facto é que o mundo livre não fez o suficiente para contrariar a agressão russa suficientemente cedo. E Putin foi encorajado a iniciar esta terrível guerra. Não podemos ver essa situação acontecer em outras partes do mundo”.

“A Commonwealth é uma força para o bem"

Na primeira semana da sua estreia, Truss foi confrontada com a morte da Rainha Isabel II.

Após a morte da monarca britânica com reinado mais longo, a 8 de setembro, aos 96 anos, os líderes mundiais reuniram-se na abadia de Westminster para um funeral de Estado elaborado e cheio de pompa.

No entanto, a morte da Rainha também lançou para a ribalta o período brutal da história colonial britânica durante o seu longo reinado.

Alguns membros da Commonwealth - uma organização de 56 membros, na sua maioria de antigos territórios britânicos - começaram a reavaliar a sua relação com a monarquia.

Depois de confirmar o Rei Carlos III como Rei de Antígua e Barbuda no sábado, o primeiro-ministro Gaston Browne disse à ITV News que planeava realizar um referendo sobre se o país se tornaria uma república nos próximos três anos.

Quando questionada sobre a estabilidade da Commonwealth após a morte da Rainha, Truss disse que tinha havido “enorme calor” para com o Rei Carlos III desde a sua ascensão, bem como uma enorme efusão de afeto pela sua mãe.

“Sou muito, muito solidária com a Commonwealth. Penso que tem sido uma organização extremamente importante. A Commonwealth acredita na liberdade e na democracia, que são princípios importantes que estávamos – e estivemos a discutir anteriormente nesta entrevista", disse.

“Agora, claro, é uma decisão de qualquer país sobre como decidir organizar-se. E o próprio Rei Carlos tem sido muito claro a esse respeito. Ele foi claro sobre isso na Cimeira da Commonwealth de Kigali, no início deste ano”.

“Mas penso que a Commonwealth é uma força para o bem. É uma crença na liberdade e na democracia, e precisamos mais disso num mundo em que enfrentamos estes regimes autoritários que querem subverter - querem subverter essas ideias”.

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