Prenúncio é pelo major-general Agostinho Costa, que critica ainda o silêncio dos decisores ocidentais que estão por detrás desta "estratégia suicida". A primeira fase da guerra entre NATO e Rússia ocorrerá no espaço com os dois lados a tentar destruir os satélites inimigos. O presidente da Agência Espacial Portuguesa alerta que o Espaço está cada vez mais militarizado e que o resultado pode ser uma reação em cadeia impossível de conter e que poderá danificar um vasto número de satélites
Bruxelas e Washington DC estão "a preparar-se para a guerra", as declarações foram feitas, esta sexta-feira, pelo presidente da Hungria, Viktor Órban. Quase em simultâneo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, acusou Kiev de estar a utilizar armamento norte-americano para atacar alvos em território russo. E o chefe do Serviço Federal de Segurança (FSB) russo, Alexander Bortnikov, garantiu, esta sexta-feira, que os serviços secretos ucranianos estiveram diretamente envolvidos no ataque mortal à sala de concertos perto de Moscovo, no qual morreram mais de 140 pessoas.
O major-general Agostinho Costa não tem dúvidas: "Estamos a entrar num novo capítulo do conflito e é natural", porque "estão a pisar-se linhas vermelhas de parte a parte". O experiente militar acredita que União Europeia e Estados Unidos nunca quiseram resolver este conflito no plano militar, só que chegámos ao momento em que "já não restam outros planos".
O analista acredita que as intenções britânicas e de alguns dos membros da Câmara dos Representantes dos EUA de dar aval à Ucrânia para usar armamento ocidental em território russo nada mais são do que "uma escalada gratuita sem qualquer objetivo relevante". "Estão a querer apagar um incêndio com gasolina", simplifica.
"Andamos todos a brincar com o fogo, até que o sr. Putin acorde um dia mais mal-disposto e faça um rebentamento nuclear. A Rússia não brinca e nós do lado do Ocidente achamos que estão a fazer bluff. No dia 24 de fevereiro de 2022 também ninguém acreditava que iam invadir a Ucrânia". Esta é a previsão de Agostinho Costa, que antevê ainda que "a primeira fase do conflito vai ser no espaço, em que o objetivo é a desativação de satélites de parte a parte". A cumprir-se esta epifania há um risco: o efeito de Kessler.
Efeito de Kessler: o que é?
O conceito foi teorizado e proposto pelo físico da NASA Donald J. Kessler, em 1978. Ficou conhecido como Efeito de Kessler ou Síndrome de Kessler e o que, na data, parecia uma distopia altamente improvável, parece agora plausível. Don Kessler imaginou um cenário em que a órbita da Terra estaria tão preenchida por satélites ou por lixo espacial, que bastaria que um pequeno detrito embatesse num destes objetos para desencadear uma reação em cadeia cujo o resultado seria catastrófico, como explica a Agência Espacial Europeia.
À CNN Portugal, Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, explicou o conceito: "A destruição de um satélite provoca uma nuvem de lixo espacial que pode reconfigurar por completo a órbita de outros satélites. Num efeito exponencial, cada um dos detritos com órbita própria pode colidir com outros satélites, provocando novos detritos e assim sucessivamente". A título de exemplo, o engenheiro com formação em Telecomunicações, Radiofrequência e Sistemas Espaciais e Terrestres explica que um "detrito com 1 grama em órbita pode viajar a uma velocidade de 30 quilómetros por segundo (108 mil quilómetros por hora) e tem um poder de destruição muito grande": uma espécie de "bala hipersónica" perfeita para matar satélites.
O presidente da Agência Espacial Portuguesa assegura que, apesar de ter existido um aumento repentino do número de satélites lançados nos últimos anos, a humanidade continua "longe de espoletar algo semelhante ao Efeito de Kessler". A não ser que ocorra uma guerra espacial, como prenunciou Agostinho Costa. Aí, diz Ricardo Conde, "pode acontecer em órbitas de baixa altitude".
Pode reverter-se o Efeito de Kessler?
Caso o pior dos cenários se concretize seria possível reverter o Efeito de Kessler? Esta foi a resposta de Ricardo Conde, (lembre-se, um dos maiores especialistas nacionais sobre o Espaço): "Não, não é". O engenheiro lembra que "demoraria centenas de anos" até que todos os detritos perdessem velocidade suficiente para que voltassem a cair no planeta Terra, dando como exemplo "o satélite português PoSat-1 lançado em 1993, que ainda está em órbita após 30 anos e ainda estará pelo menos mais outros 20 em órbita".
"Tudo o que está em órbita eventualmente vai regressar à Terra", lembra Ricardo Conde, referindo ainda que "Portugal, através da sua Lei Espacial tem o compromisso de assegurar que os satélites que irá lançar deverão cumprir um conjunto de regras assegurando a sua reentrada no final do seu ciclo de vida, regras essas que estão a ser adotadas globalmente para se assegurar a sustentabilidade do espaço exterior ".
Todavia, perante um fenómeno desta natureza, Ricardo Conde garante que "vai haver consequências e há serviços críticos como os satélites de navegação posicionamento e tempo, como o GPS ou o Galileo, os satélites de observação da terra como o sistema Copernicus, mas que a maior parte das nossas comunicações são feitas por sistemas terrestres ". Com o Efeito de Kessler, "a exploração espacial com humanos torna-se também um enorme problema".
Guerra espacial e ogivas nucleares no espaço: mito ou inevitabilidade?
Questionado sobre o prenúncio de Agostinho Costa, esta foi a resposta do presidente da Agência Espacial Portugues: "Quem acredita que o espaço não está militarizado não está bem a ver o cenário atual", lembrando ainda o "prenúncio de que algo ia acontecer" após um estranho "blackout no Starlink, da SpaceX, um dia antes da invasão da Ucrânia".
O especialista assegura que está a ocorrer uma "mudança de space awareness global" e que a guerra espacial não se restringe a armas terra-espaço: "Já há satélites capazes de neutralizar outros". Para além disso, até há poucos anos só existiam "armas capazes de disparar de baixo para cima", mas já "há a expectativa de ogivas nucleares espaço-terra no futuro" e há ainda mais um preocupante alerta: "Não é tudo apenas retórica. Se fosse assim, a Rússia não tinha feito exercícios para destruir satélites".
“Pensa-se que os EUA e China estão mais avançados em armas espaciais. A Rússia não se sabe, mas há um esforço militar muito grande. Ter ogivas embarcadas em órbita é cada vez mais uma ameaça e pensa-se que já haja esta intenção, pois há muitas preocupações nesse sentido", explica Ricardo Conde.
O prenúncio de Agostinho Costa
O major-general Agostinho Costa explica que basta olhar para o que se tem passado na Ucrânia e com o uso da constelação de satélites do Starlink de Elon Musk para que se perceba a importância do espaço, porque é nesta tecnologia que a "Ucrânia assenta grande parte da sua defesa". O analista militar acredita que o "Pentágono tem a noção da realidade" e, até ao momento, tem sido o elemento mais sensato na relação com Vladimir Putin, porque "o Ocidente, neste momento, não está minimamente capaz de enfrentar a Rússia - não sou eu que o digo, são os EUA".
Agostinho Costa não escondeu que os cidadãos europeus "têm motivos para estar preocupados", lembrando que "a Rússia era para ser quebrada pela via económica ou diplomática e essas vias falharam". O major-general garante que Washington DC tem presente o que está em cima da mesa neste momento: "Não é tácito que os resultados serão favoráveis ao Ocidente e os norte-americanos sabem que vão ter de vir morrer à Europa".
"Quais são os riscos que aceitamos na Ucrânia? Quais são os objetivos militares? Até onde estamos dispostos a ir na Ucrânia? Vamos combater? E qual é o plano B? Qual é a estratégia de saída a longo e médio prazo?", questiona Agostinho Costa, culminando: "Ninguém nos diz".
Para o estratega militar é cristalino que "só resta o caminho militar e que o Ocidente está numa estratégia suicida" e que se houver uma guerra este será o resultado: "A Europa ficará muito destruída e os EUA vão perdê-la" e, como desabafa Agostinho Costa, o "Pentágono sabe-o muito bem".