O que vai acontecer se a Finlândia e a Suécia, ameaçadas pela Rússia, entrarem na NATO (e atenção: a ameaça foi "a toda a Europa")

26 fev 2022, 00:07

Moscovo lançou pela primeira vez desde o início da guerra uma ameaça que pode ser dirigida a toda a Europa. Os alvos foram dois: a Finlândia e a Suécia. Dois países que se têm mantido neutrais quanto à NATO, mas que agora se sentem mais ameaçados do que nunca

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo ameaçou a Finlândia e a Suécia caso decidam apoiar a aliança de segurança da NATO. Numa conferência de imprensa em Moscovo, Maria Zakharova assegurou que uma decisão destas "teria sérias consequências militares e políticas que obrigariam o país a tomar uma resposta recíproca". 

Tanto a Finlândia como a Suécia não são membros da Aliança Atlântica mas têm uma cláusula de segurança mútua dentro da União Europeia. Aliás, os dois países marcaram presença esta sexta-feira na reunião de emergência da NATO em Bruxelas. Esta posição de não quererem fazer parte da NATO já vem dos tempos da Guerra Fria, mas e se estes países decidissem mesmo integrar a aliança militar?

A primeira-ministra da Filândia, Sanna Marin, e a primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson
(AP Images)

Para Henrique Burnay, especialista em assuntos europeus, esta eventual mudança de posição por parte da Suécia e da Finlândia significaria que ambas tinham chegado à conclusão de que "a sua segurança estava mais em causa do que alguma vez esteve, mesmo em comparação com a Guerra Fria". "Eu diria que estes países estão a perceber que a situação no mundo mudou de tal maneira que teriam de assumir que o risco de serem atacados, não pertencendo à NATO, seria muito maior". 

Numa entrevista à CNN Portugal, o especialista explica que as pessoas e as entidades destes dois países que sempre foram contra a NATO, como os partidos mais à esquerda, por exemplo, nos dias de hoje já admitem essa hipótese. Porquê? Por uma questão de "realinhamento do bloco". "Se aquilo que Putin está a fazer é uma espécie de reerguer o Muro de Berlim, a Finlândia e a Suécia podem reconhecer que precisam de aderir para sentirem que estão protegidas do lado de cá deste muro." 

Na mesma linha, Helena Ferro Gouveia, especialista e analista em política internacional, classifica como "muito grave" as ameaças dirigidas pela Rússia porque "é uma ameaça dirigida contra toda a Europa". "Eu acho que importa tentar entender se a Finlândia e a Suécia querem abandonar o seu estatuto de neutralidade ou se o estão a fazer como uma afirmação política. Mas num conflito inflamado como este, uma mudança de posição é quase como um deitar achas para a fogueira." Os países do norte da Europa têm uma "sensibilidade muito própria" e uma "relação muito complexa" com a Rússia, por isso é que a Finlândia mantém há anos uma posição neutral em relação à NATO. Se isso mudar, "é porque se sentem realmente ameaçadas", defende Helena Ferro Gouveia. 

E se a Finlândia e a Suécia fossem atacadas? 

Mas no meio disto existe uma outra questão que preocupa os países do ocidente. Ninguém quer esta guerra, mas é impossível olhar para ela como se fosse um conflito que está longe e que não nos diz respeito. Uma vez que a Finlândia e a Suécia têm uma cláusula de segurança mútua dentro da União Europeia, se por acaso algum destes países for atacado por forças russas esta guerra passa a ser europeia. "Não sendo uma aliança militar, há uma cláusula de defesa mútua e aqui corremos o risco de nós, ocidentais, NATO, estarmos em guerra com a Rússia. Nós não podemos fugir a isso e isso tem de ser absolutamente claro", diz Henrique Burnay. 

Helena Ferro Gouveia admite que também não acredita que a NATO não reagiria se um destes dois países fosse atacado pelas tropas russas. "No caso de um país da União Europeia, as coisas são diferentes. Deixar um ataque a um país da União Europeia sem resposta colocaria em causa todos os alicerces da ordem internacional. Se já é perturbador nós vermos, quase impotentes, esta invasão da Ucrânia, imagine-se o que seria num país onde há alianças com a NATO." 

No entanto, também existem pontos positivos. O facto de a Suécia e a Finlândia terem participado esta sexta-feira na reunião da NATO em Bruxelas "são sinais positivos de uma aliança ocidental", defende o especialista. "É um sinal de unidade o facto de terem estado na reunião. Porque significa que estamos unidos na condenação à Rússia. Este conflito, de certa forma, contribuiu para unificar todo o ocidente, que tem falado a uma só voz", acrescenta Helena Ferro Gouveia. 

O primeiro-ministro português, António Costa, foi questionado no final da reunião da NATO sobre estas mesmas ameaças feitas e foi perentório na resposta: "Se a Rússia teve essa reação é porque percebeu bem a mensagem do que significou a participação da Suécia e da Finlândia nesta reunião. Estamos todos unidos, não só na NATO mas também países que estão na vizinhança para ter uma posição muito clara na defesa dos princípios do direito internacional, da garantia da liberdade e da carta das Nações Unidas". 

Deveria a NATO tomar uma posição pública sobre isto? "Não acho que se deva dizer amanhã que podem entrar. São questões muito complexas", responde Henrique Burnay. No entanto, considera que seria "um erro" a NATO dizer que a Finlândia e a Suécia não são bem-vindas. Sobre a possibilidade de a Ucrânia fazer parte da Aliança Atlântica, explica que essa questão, para já, não se coloca, uma vez que "não é sequer legalmente possível deixar entrar um país que se encontre em guerra".

Helena Ferro Gouveia defende que neste momento é preciso agir-se com prudência e cautela."Eu acho que neste momento é prudente não estar a alimentar ainda mais estas questões. É determinante manter a condenação firme mas alimentar ainda mais os pretextos de Moscovo é algo que deve ser evitado."

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