“É como se não acertasse uma”. Como a Alemanha foi “tramada” pela guerra na Ucrânia

26 jun 2022, 22:00
Vladimir Putin reunido com Olaf Scholz Foto: EPA

Processo de desnuclearização e guerra na Ucrânia deixaram a Alemanha fragilizada no campo da energia. À CNN Portugal, Azeredo Lopes garante, no entanto, que o país sairá mais forte desta crise

A invasão russa da Ucrânia precipitou a Europa a tentar acabar com a dependência energética do país liderado por Vladimir Putin. Entre as grandes potências do Velho Continente, há uma que está especialmente vulnerável a este choque.

Anunciado pela chanceler Angela Merkel no final de maio de 2011, dois meses após o desastre de Fukushima, o plano de desnuclearização da Alemanha, que se esperava ficar concluído este ano, bem como a entrada em funcionamento do gasoduto Nord Stream 1, em outubro de 2012, mudaram o panorama energético da Alemanha, colocando-a muito mais dependente da Rússia.

A guerra travada entre Moscovo e Kiev veio, no entanto, desestabilizar aquela que era uma situação energética bastante confortável.

“A Alemanha teve o ‘azar dos Távoras’. Tomou uma decisão crucial do ponto de vista ambiental, admiro muito a coragem e a capacidade económica brutal que é preciso para dizer ‘vamos acabar com o nuclear’”, afirmou à CNN Portugal o comentador José Azeredo Lopes.

“Reconheço que deve ser um processo um bocado dilacerante para a Alemanha. Já cortou o Nord Stream 2 e projetou o fim do nuclear na pior altura possível. É como se não acertasse uma. Tinha um panorama energético absolutamente sereno e tranquilo, com gás até ao fim do mundo e com uma ligação curtíssima e gerida por si, que era o Nord Stream. O 2 já foi, o 1 vai acabar por ir. Posso estar enganado, mas não vejo outra hipótese”, refere.

Azeredo Lopes diz que o universo energético da Alemanha está a passar “por uma fase absolutamente dramática”, em que, por um lado já deu passos “quase irreversíveis para acabar com o nuclear” e, por outro, “aquilo que dava como adquirido para compensar tudo isto está a desaparecer num espaço de 100 dias”.

“Custa a crer como há tantos países a dizer que a Alemanha não faz o suficiente. Nenhum Estado da União Europeia fez tantos sacrifícios e renunciou a tanto, nem de perto, nem de longe, como a Alemanha. Nenhum. Conseguiu aceitar coisas que têm um custo elevadíssimo, muito superior ao assumido por aqueles que agora são tão rápidos a criticar”.

"Vai ser como no futebol: são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha"

O antigo ministro da Defesa afirma que é preciso “calma com os juízos de valor”, dado que não era só a Alemanha que fazia negócios com a Rússia, lembrando que, em 2021, cerca de um quarto do petróleo importado pela União Europeia veio da Rússia.

“Nunca vi grandes assomos de indignação e de ‘rasgar as vestes’ com a [invasão da] Geórgia, com a Transnístria e mesmo em 2014 [anexação da Crimeia]. Se não houve, porque é que a Alemanha deveria interromper esta relação? Business as usual”, atira.

“Somos catedráticos a dizer que toda a gente já sabia que a Rússia não era confiável. Aposto que se tivéssemos perguntado a alguém, em outubro passado, se achava minimamente possível a Rússia invadir a Ucrânia e violar de forma tão grosseira a sua integridade territorial, ninguém acharia possível. É um comportamento que só pode ser considerado absolutamente irracional”, considera o comentador CNN Portugal.

Frisando que o período de appeasement entre a Alemanha e a Rússia vem desde o tempo da Ostpolitik aplicada pelo social-democrata Willy Brandt, chanceler da República Federal da Alemanha entre 1969 e 1974, Azeredo Lopes perspetiva que a Alemanha irá sair por cima desta crise.

“Vai ser como no futebol: são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha. Costuma sair destas crises, como aconteceu com a reunificação, muito mais forte do que quando entrou, porque moderniza e faz reformas estruturais sérias”.

O comentador refere ainda que o que a Alemanha está a fazer “num tempo excecionalmente curto é muito surpreendente” e apanhou Putin “de surpresa”.

"Estou profundamente convencido que, nas contas do regime russo, era absolutamente impensável que a Alemanha renunciasse a independência energética”, sublinha Azeredo Lopes.

Europa

Mais Europa

Patrocinados