Trump defende que a Ucrânia deve ceder a Crimeia para alcançar um cessar-fogo duradouro. Zelensky recusa. A Europa hesita. A Rússia impõe exigências máximas. Entre posições extremadas e uma guerra prolongada, cresce a pressão por uma saída - mesmo que custosa
Donald Trump garante que a Ucrânia está disposta a ceder a Crimeia à Rússia como condição para alcançar um cessar-fogo duradouro. Mas Volodymyr Zelensky sempre disse que não abria mão do território. Entre os extremos das declarações políticas e as realidades no terreno, uma pergunta impõe-se: vai mesmo ceder a península anexada ilegalmente em 2014? - e Moscovo aceitará parar por aí?
Para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, a concessão seria um primeiro passo para forçar um cessar-fogo que dure mais do que "apenas alguns dias". A proposta de Trump assenta na ideia de que a Crimeia “está perdida há 11 anos”, desde 2014, quando a Rússia a anexou unilateralmente, na sequência da queda do governo pró-russo em Kiev.
Para Tiago André Lopes, a lógica do presidente norte-americano é "pragmática": reconhecer a realidade no terreno, consolidar essa perda em troca da paz e deixar as negociações sobre os outros territórios para uma fase posterior.
“Trump parte de uma visão de faseamento. Para ele, a solução passa por reconhecer o que já é uma ocupação consumada. É uma forma de garantir que a Rússia tem um estímulo positivo a um cessar-fogo permanente. Os estatutos dos outros quatro oblasts parcialmente ocupados - Donetsk, Lugansk, Zaporizhzhia e Kherson - serão discutidos depois da implementação do cessar-fogo", aponta o professor de Relações Internacionais.
A Crimeia não é apenas simbólica - é estratégica
“A Crimeia é, de todo o território da Ucrânia, aquele que tem, para a Rússia, uma importância geoestratégica incomparável. Sem ela, a Rússia ficaria quase enclausurada em mares interiores. Os norte-americanos sabem que a Rússia nunca deixará a Crimeia", explica o major-general Agostinho Costa em declarações à CNN Portugal, lembrando a importante posição estratégica de um território aberto para o Mar Negro.
É por isso que Moscovo insiste, há anos, na irredutibilidade da sua posição. E voltou a fazê-lo esta semana. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia reiterou que qualquer acordo de paz com a Ucrânia exige o reconhecimento internacional da soberania russa sobre a Crimeia, Sebastopol e os quatro oblasts. Sergei Lavrov defendeu ainda que a "bola está do lado de Kiev" e acusou a Europa de sabotar qualquer esforço negocial.
Estas declarações alinham-se com a proposta que o Kremlin apresentou a 14 de junho de 2024, quando Vladimir Putin exigiu o reconhecimento da soberania russa sobre os territórios ocupados e garantias de neutralidade da Ucrânia como pré-condições para qualquer negociação. Isto sempre tendo em conta que a Constituição russa considera as cinco regiões como parte do seu território, depois de um referendo em 2022 ter ditado a anexação ilegal de Donetsk, Lugansk, Zaporizhzhia e Kherson.
Já Volodymyr Zelensky sempre recusou ceder. O presidente ucraniano tem afirmado que não negociará nenhum centímetro do território ucraniano, incluindo a Crimeia. Para os especialistas, esta posição é moralmente compreensível, mas politicamente cada vez mais delicada, até porque boa parte das regiões de Zaporizhzhia e Kherson ainda estão do lado de Kiev.
“Zelensky está encostado a uma parede”, afirma o major-general Agostinho Costa. “As posições estão cada vez mais extremadas”.
Crimeia: ponto final ou vírgula?
Grande parte do problema, para os especialistas, está nos próprios mediadores do conflito: os aliados europeus não estão alinhados com Washington, DC.
"A estratégia europeia não é sinótica, não está coordenada com a norte-americana e até é divergente em pontos-chave. Não há um consenso entre posições nos dois lados do Atlântico”, reforça o major-general.
“A Europa tem uma abordagem negocial idealista, que nega a realidade no terreno”, analisa Tiago André Lopes. “Já Trump assume que a realidade no terreno não é boa e quer começar com uma espécie de concessão para garantir que as negociações vão acontecer. É esta gestão de expetativas que Trump quer - e a Rússia está realmente a responder a isso”.
Perante este cenário, Zelensky procura apoio onde é mais vantajoso: junto dos aliados europeus. Mas para Tiago André Lopes, a Europa tem de ser firme e "obrigar a Ucrânia a vir para a mesa negocial".
"A Rússia disse no domingo que estava disposta a negociar. Já passaram quase 72 horas e nada. Quando a Rússia se chega à frente e diz 'vá, vamos lá conversar', o silêncio da Ucrânia não pode ser aceite passivamente".
Para o especialista, se os aliados europeus forem incapazes de impor uma linha comum, arriscam-se a prolongar um conflito que não tem meios nem vontade política para sustentar por tempo indefinido.
“Um bom aliado não é aquele que diz sempre que sim. Os líderes europeus têm de saber, em privado, dizer a Zelensky que pode estar a errar se recusar qualquer diálogo. Se a Europa aceitar esta posição dura da Ucrânia de que não faz cedências nenhumas, então tem de estar preparada para uma guerra longuíssima. E uma guerra para a qual a opinião pública está cada vez menos mobilizada", conclui.
Não há acordo - há guerra. Para já, o impasse mantém-se. A Rússia diz querer negociar, mas impõe condições inaceitáveis para Kiev. A Ucrânia mantém a linha vermelha da integridade territorial. Os EUA enviam sinais contraditórios. E a Europa hesita.