Coreia do Norte, Rússia e China assistem na primeira fila à crise na Coreia do Sul, aliado fundamental dos EUA. Ali estão 30.000 soldados norte-americanos

CNN , Análise de Simone McCarthy
4 dez 2024, 13:54
O líder norte-coreano Kim Jong-un e o presidente russo Vladimir Putin encontram-se no Extremo Oriente da Rússia em setembro de 2023. Getty Images

Uma noite de convulsão política na Coreia do Sul abalou a estabilidade num importante aliado democrático dos EUA - enviando ondas de choque através da região e de Washington num momento de grande tensão global.

O presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, declarou a lei marcial na noite de terça-feira, num decreto surpresa que foi anulado horas mais tarde, na sequência de uma oposição esmagadora de todo o espectro político ao que foi amplamente visto como uma violação da vibrante democracia do país.

A medida, que Yoon afirmou ser necessária para “salvar o país das forças anti-estatais” que tentam destruir a “ordem constitucional da democracia liberal”, foi recebida com protestos em Seul e com crescentes apelos à demissão do presidente.

O acontecimento surpreendente parece ter apanhado Washington desprevenido. Trata-se de uma realidade inquietante para as forças armadas dos Estados Unidos, que têm cerca de 30.000 soldados e a sua maior base no estrangeiro na Coreia do Sul, servindo de controlo contra uma Coreia do Norte beligerante e de contrapeso a uma China agressiva numa região estrategicamente crítica.

A turbulência tem potencial para ter ramificações significativas num momento de aprofundamento das falhas geopolíticas na Ásia, em que tanto a Coreia do Norte como a China estão a reforçar o seu alinhamento com a Rússia, que trava uma guerra contra a Ucrânia.

Os líderes de Pyongyang, Pequim e Moscovo estão provavelmente a observar os desenvolvimentos em Seul, tendo em conta o seu potencial para minar um bastião fundamental do poder dos EUA na região - e todos os olhos estão agora postos na Coreia do Norte, que pode estar interessada em usar o caos político em seu proveito.

"Grandes ramificações"

A aliança entre os EUA e a Coreia do Sul é há muito considerada por ambos os países como a pedra angular da paz na região, onde a Coreia do Norte continua a ameaçar a Coreia do Sul e os EUA com o seu programa de armamento ilegal.

Essa ameaça só se tornou mais grave à medida que a Coreia do Norte intensificou a sua parceria com a Rússia, enviando munições, mísseis e soldados, segundo os serviços secretos, para ajudar na guerra de Moscovo contra a Ucrânia.

“Qualquer instabilidade na Coreia do Sul tem grandes ramificações para as nossas políticas no Indo-Pacífico”, disse o coronel reformado Cedric Leighton ao jornalista Wolf Blitzer, da CNN, referindo que as tropas norte-americanas no país estão preparadas para um cenário de "fight tonight" [termo usado pelas forças armadas norte-americanas na região que significa a prontidão para combate] contra a Coreia do Norte. “Quanto menos estabilidade houver na Coreia do Sul, pior será para nós cumprirmos os nossos objetivos políticos.”

O presidente dos EUA, Joe Biden, tem trabalhado regularmente durante o seu mandato para reforçar a parceria dos EUA com a Coreia do Sul, encontrando-se com Yoon várias vezes, referindo-se ao líder sul-coreano como um “grande amigo” e, no início deste ano, passando a sua “Cimeira para a Democracia” a Yoon para a acolher na Coreia do Sul.

Os esforços de Biden também incluíram uma cimeira histórica de 2023 em Camp David com o Japão e a Coreia do Sul, onde o presidente dos EUA contornou a desconfiança histórica entre os dois aliados dos EUA para mediar uma coordenação trilateral reforçada.

Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA expressou “alívio” depois de Yoon ter invertido o curso do que o porta-voz descreveu como uma “declaração preocupante”, acrescentando que “a democracia está na base” da aliança EUA-Coreia do Sul.

Apesar das garantias dos EUA de que a aliança continua a ser “sólida”, a ação surpresa de Yoon poderá lançar um certo grau de dúvida sobre a parceria e enfraquecer a crescente parceria Japão-Coreia do Sul, segundo os observadores.

Além disso, acrescenta um novo nível de incerteza nas vésperas do regresso à Casa Branca do presidente eleito Donald Trump, que já manifestou o seu ceticismo em relação ao acordo financeiro entre os EUA e a Coreia do Sul sobre o acolhimento das tropas americanas.

“As ações de Yoon irão muito provavelmente levantar questões sobre a fiabilidade e previsibilidade da Coreia do Sul como aliado e parceiro aos olhos dos Estados Unidos e do Japão”, considerou Rachel Minyoung Lee, membro sénior do Stimson Center, think tank em Washington.

“Isto é grave tendo em conta o facto de que existe agora uma componente nuclear mais forte do que nunca na aliança (EUA-Coreia do Sul)”, acrescentou, apontando para um mecanismo de 2023 que atualiza a cooperação em matéria de dissuasão nuclear entre os EUA e a Coreia do Sul, que não possui armas nucleares próprias mas depende do arsenal dos EUA.

Vizinhança problemática

A turbulência política também cria uma potencial abertura para Kim Jong-un capitalizar o caos.

O líder norte-coreano é conhecido por escolher momentos políticos oportunos para efetuar grandes testes de armamento - por exemplo, disparar um novo míssil balístico intercontinental dias antes das eleições presidenciais americanas do mês passado.

“Sabemos que a Coreia do Norte gosta de ridicularizar o sistema democrático da Coreia do Sul sempre que há tumultos em Seul”, apontou Edward Howell, professor de política na Universidade de Oxford, no Reino Unido, que se debruça sobre a Península da Coreia.

“Não nos devemos surpreender se Pyongyang explorar a crise interna na Coreia do Sul em seu proveito, quer retoricamente, quer de outra forma”, afirmou.

Os desenvolvimentos - e o potencial, agora, para uma mudança de liderança na Coreia do Sul - estão também provavelmente a ser observados de perto por Pequim e Moscovo, que se opõem profundamente à presença militar dos EUA na Ásia.

O líder chinês, Xi Jinping, e os seus funcionários, em particular, têm observado com ira o reforço das parcerias dos EUA com os aliados da região, face às preocupações de Washington com a crescente ameaça de Pequim e com o aprofundamento da coordenação de segurança com Moscovo.

E Yoon, que adoptou uma posição mais dura em relação à Coreia do Norte do que muitos dos seus antecessores, tem sido um parceiro voluntariamente firme dos EUA.

O governo de Yoon também sugeriu que o envio de tropas norte-coreanas para a Ucrânia poderia levá-lo a reavaliar o nível de apoio militar que dá ao país devastado pela guerra, ao qual não fornece diretamente armas letais.

Segundo Howell, tudo isto faz subir a parada internacional no atual momento político, independentemente do resultado para Yoon.

“Numa altura em que os interesses da Coreia do Sul na guerra da Ucrânia ganharam proeminência, tendo em conta o envolvimento da Coreia do Norte, a cooperação de Seul com os aliados não pode ser prejudicada por divisões internas”, observou.
 

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