Conseguirá a Europa resistir se a Rússia travar mais fornecimentos de gás?

CNN , Anna Cooban, CNN Business
28 abr 2022, 10:11
Gás (GettyImages)

A Rússia já começou a cortar o fornecimento de gás natural à Europa, cumprindo a ameaça de travar as entregas a países "pouco amigáveis" que se recusam a fazer os pagamentos em rublos.

Na quarta-feira, a gigante estatal de energia Gazprom anunciou que tinha suspendido o fornecimento de gás natural à Bulgária e à Polónia, depois destes países terem rejeitado o ultimato do presidente Vladimir Putin para fazerem o pagamento em rublos, em vez de euros — parte de um esforço mais alargado para sustentar a moeda russa, uma vez que a economia está a ceder devido à pressão das sanções ocidentais.

A medida assinala uma escalada significativa no conflito económico entre a Rússia e o Ocidente e é a resposta mais séria até agora por parte de Moscovo a várias rondas de sanções europeias anunciadas desde que Putin ordenou a invasão da Ucrânia, em fevereiro.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a suspensão se trata de uma "chantagem". Acrescentando ainda que os Estados-membros da União Europeia (UE) se reuniram para conversações de emergência na quarta-feira e que alguns já começaram a enviar gás para a Polónia e Bulgária.

"A era dos combustíveis fósseis russos na Europa chegará ao fim. A Europa está a progredir em questões energéticas", afirmou em comunicado.

A Polónia e a Bulgária poderão até ser capazes de fazer face a esta suspensão, mas se a Rússia reduzir o fornecimento a outros países da UE e, em particular, à Alemanha e à Itália, os preparativos da Europa serão duramente postos à prova. Ambas as economias do G7 disseram que pretendem continuar a pagar o gás em euros ou dólares.

Conseguirá a Europa resistir?

De acordo com a Comissão Europeia, o bloco depende da Rússia em cerca de 45% das suas importações de gás natural. As instalações de armazenamento de gás da UE estão com 32% de capacidade, de acordo com a Gas Infrastructure Europe. Um número que fica muito aquém da meta de 80% que os 27 estabeleceram até novembro.

Analistas em Berenberg preveem que a Europa vai conseguir chegar ao fim do outono antes de começar a ficar sem gás, caso a Rússia corte abruptamente os seus fornecimentos. Mas os Estados-membros avançaram rapidamente na procura por fornecimentos alternativos e no corte do consumo russo.

Em março, os líderes da UE comprometeram-se em reduzir o consumo de gás russo em 66% até ao final deste ano e a cortar a dependência do bloco em relação ao petróleo e ao gás russos até 2027. Também concordaram com os Estados Unidos em importar mais do seu gás natural liquefeito (GNL) este ano. A Alemanha está a acelerar a construção de terminais de GNL e a Itália assinou, este mês, acordos com o Egito e a Argélia.

"Esta mais recente manobra agressiva da Rússia é mais um lembrete de que precisamos de trabalhar com parceiros de confiança e construir a nossa independência energética", disse Von der Leyen na quarta-feira.

A Polónia também se tem vindo a preparar para um momento como este. Embora o gás da Rússia tenha constituído cerca de 55% do total das suas importações em 2020, o país tem diversificado as suas fontes de energia nos últimos anos. Construiu um terminal de GNL e prepara-se para abrir um gasoduto para a Noruega no final deste ano.

A PGNiG, empresa estatal polaca de gás, afirmou na terça-feira que o seu armazenamento de gás subterrâneo estava quase 80% cheio. E os fluxos de gás ao longo do gasoduto Yamal - a rota de entrega que a Rússia cortou - já estavam a acabar.

"[O gás via Yamal] representou menos de 2% das entregas de gasodutos da Rússia à Europa desde o início do ano", escreveu Carsten Fritsch, analista de energia, agricultura e metais preciosos da Commerzbank Research, numa nota divulgada na quarta-feira. A prontidão da Polónia ajuda a explicar a modesta reação do mercado, acrescentou Fritsch.

Os preços dos futuros do gás europeu subiram 24% na madrugada de quarta-feira, mas desde então recuaram, tendo sido transacionados ligeiramente acima da média mensal de 100 euros (106 dólares) por megawatt/hora de abril, mostram dados da Independent Commodity Intelligence Services.

"A estratégia da Polónia para se afastar da Rússia foi justificada", escreveram os analistas da Rystad Energy Kaushal Ramesh e Nikoline Bromander numa nota.

A Bulgária está mais exposta, dependendo da Rússia em quase 75% das suas importações de gás, de acordo com os dados da UE. Mas o seu governo disse na terça-feira que tinha tomado medidas para encontrar fornecimentos alternativos e está a construir um gasoduto até à Grécia.

"De momento, não foram impostas medidas restritivas ao consumo de gás na Bulgária", refere o seu Ministério da Energia em comunicado.

E a Alemanha?

Mas os danos que um súbito corte de gás pode provocar na Alemanha são motivo de maior preocupação.

A maior economia da Europa importa normalmente cerca de 55% do seu gás da Rússia, de acordo com o Ministério da Economia alemão. Embora tenha conseguido reduzir a quota russa de importações para 40% nas últimas semanas, uma paragem súbita seria desastrosa para a indústria pesada, que já está a enfrentar o aumento dos preços da energia e a escassez de matérias-primas.

Uma rutura súbita com a sua principal fonte de energia poderia conduzir a um corte na produção e nas exportações e ameaçar a sobrevivência de muitos dos pequenos e médios fabricantes do país.

O banco central alemão disse na semana passada que tal medida empurraria a economia para uma recessão profunda. Cerca de 550 mil postos de trabalho e 6,5% da produção económica anual poderiam perder-se ao longo deste ano e do próximo, de acordo com uma análise feita por cinco dos principais institutos económicos do país.

"Se perdêssemos o Nord Stream 1 através do Mar Báltico para a Alemanha, seria uma crise grave", disse Ole Hvalbye, analista de gás natural do banco sueco SEB, à CNN Business.

No mês passado, o Governo alemão iniciou o primeiro de um plano de emergência em três fases que poderia levar ao racionamento do gás, com as famílias e os hospitais a terem prioridade sobre muitos fabricantes.

Henning Gloystein, diretor de energia, clima e recursos do Eurasia Group, disse à CNN Business que, perante um grande corte de fornecimento russo, a Alemanha e a Itália - que dependem da Rússia para cerca de 41% das suas necessidades de gás - poderiam evitar o racionamento no próximo inverno se agissem rapidamente.

"[A Alemanha e a Itália] precisam de tentar reduzir estruturalmente o consumo de gás, substituindo as caldeiras domésticas por sistemas alternativos, como bombas de aquecimento de água, e pedindo às famílias que usem menos gás para o aquecimento ou a refrigeração", acrescentou.

"Os serviços públicos europeus terão de entrar no mercado do GNL e encomendar o maior número possível de navios nas próximas semanas e meses", acrescentou.

Sugam Pokharel, Clare Sebastian, Svitlana Budzhak-Jones e Hannah Ritchie contribuíram para este relatório.

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