Sob o seu comando, militares russos obtiveram algumas das suas mais importantes vitórias. E para Andrey Mordvichev a guerra não vai ficar por aqui
Quando a guerra começou, poucos conheciam o seu nome. Mas batalha após batalha, provou ser um dos mais eficazes comandantes militares de Vladimir Putin. O coronel-general Andrey Mordvichev comandou algumas das unidades menos reconhecidas do exército russo e conduziu-as para a vitória na Ucrânia. Agora, este general volta a estar na linha da frente dos combates na Ucrânia, depois de conseguir quebrar as defesas ucranianas em Avdiivka e avançar 30 quilómetros em poucas semanas, colocando em causa a cidade de Pokrovsk, fundamental para a logística ucraniana da frente de leste.
“É o homem do momento. Mordvichev é um homem que se provou em combate, tendo estado na linha da frente desde o início. É relativamente jovem e tornou-se uma das estrelas entre generais. Mas não é nenhum Napoleão. Os sucessos russos na frente devem-se ao falhanço ucraniano em Kursk”, explica o major-general Agostinho Costa.
Militar de carreira, nascido numa pequena cidade fronteiriça da antiga república soviética do Cazaquistão, Andrey Mordvichev chegou à Ucrânia como líder do 8.º Exército de Armas Combinadas. Quando a invasão russa começou, no dia 24 de fevereiro de 2022, as tropas que estavam sob o seu comando tinham como missão capturar a parte da região de Donetsk junto ao Mar de Azov.
O plano era fazer com que as suas tropas conseguissem ligar-se por via terrestre às restantes unidades do Comando do Distrito Sul russo, que invadiram a Ucrânia a partir da península ocupada da Crimeia. A chefia militar desta frente confiou de tal forma nas competências de Mordvichev que lhe deu também o comando do 1.º e do 2.º Corpo de Exército das forças separatistas russas no Donbass. Em poucos dias, o general foi capaz de empurrar as forças ucranianas que defendiam a fronteira até ao interior da cidade de Mariupol, iniciando o que viria a ser um dos mais mortíferos cercos da guerra.
Para a Ucrânia, este seria um dos momentos mais marcantes de toda a invasão. A campanha de bombardeamento lançada sobre Mariupol valeu-lhe a alcunha de cidade-mártir. As poucas imagens que chegavam da cidade – depois de dias sem água, eletricidade e Internet – mostravam um cenário trágico. Civis aguardavam em caves pelo fim dos confrontos e só arriscavam sair à superfície para enterrar alguém ou para tentar fugir. Durante várias semanas, a Ucrânia tentou criar rotas humanitárias para retirar os civis da cidade em segurança, mas por mais de uma vez as tropas de Mordvichev travaram as evacuações.
De acordo com a Humans Right Watch, uma organização não-governamental de defesa dos direitos humanos, mais de oito mil civis morreram durante o cerco. As imagens de satélite analisadas pela agência mostram que foram escavadas mais de dez mil campas desde a invasão, mas o verdadeiro número de mortos é difícil de apurar. Os autores do relatório destacaram o papel de Andrey Mordvichev e do ditador checheno Ramzam Kadyrov na destruição de infraestruturas civis, obstrução à ajuda humanitária e crimes contra a humanidade.
A 18 de março de 2022 chegou a ser dado como morto pelo comando do Estado-Maior das Forças Armadas ucranianas, depois de um ataque à base aérea de Chornobayivka, na região de Kherson. Mas a sua morte acabou desmentida, quando a televisão russa publicou um vídeo seu no comando das tropas russas durante o cerco à fábrica metalúrgica Azovstal, onde várias centenas de militares ucranianos e mais de mil civis resistiam à campanha de bombardeamento. A decisão de atacar a fábrica levou a Ucrânia a querer julgá-lo in absentia.
Mas do lado russo estas decisões foram vistas como medalhas de mérito, sendo promovido a vice-comandante do Distrito Militar Sul. No entanto, ocupou o cargo por pouco tempo, pois foi escolhido para substituir Alexander Linkov no Comando do Distrito Militar Central. Pouco depois, o general foi incluído na lista de sanções europeias por ser “responsável por apoiar e implementar ações e políticas que ameaçam e minimizam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia”.
“Enquanto comandante de um exército de Armas Combinadas coordenava uma divisão. Depois passou a ter um nível de responsabilidade maior, coordenando uma área de operações muito maior, com muito mais unidades e com outros recursos”, observa Agostinho Costa.
O papel de Mordvichev levou a que Vladimir Putin o promovesse a coronel-general. Numa entrevista ao canal de televisão estatal russo Rossiya-1, o recém-promovido Mordvichev chamou a atenção dos observadores internacionais ao admitir que o conflito na Ucrânia vai durar muito tempo e que vai expandir-se no futuro. "Penso que ainda há muito tempo para gastar. Não faz sentido falar de um período específico. Se estivermos a falar da Europa de Leste, o que terá de acontecer, é claro que será mais longo", afirmou, admitindo ainda que a Ucrânia é “apenas o início”, uma vez que a guerra “não vai acabar aqui”.
💬 This war will last for a long time, because we still need to liberate Eastern Europe, says Russian general and war criminal Andrei Mordvichev.
— Winston the Cat (@WinstonCatNews) September 9, 2023
The interview was recorded at the end of July this year and Mordvichev assumed that the Ukrainian counteroffensive would slow down by… pic.twitter.com/MB9m1YYcLV
Depois de ter passado grande parte do ano de 2023 a resistir ativamente à contraofensiva ucraniana, Mordvichev juntou recursos e começou uma das mais ambiciosas operações militares russas desse ano. Com um elevado grau de secretismo, as forças russas foram capazes de concentrar um elevado número de recursos nos arredores da cidade-fortaleza de Avdiivka, que resistia desde 2014, e lançar uma ofensiva relâmpago no dia 10 de outubro.
A dimensão dos ataques apanharam os ucranianos de surpresa. Centenas de veículos russos foram destruídos nos primeiros dias, mas isso não travou o ímpeto russo. A batalha havia de durar mais de quatro meses, naquilo que foi descrito como “uma nova Bakhmut”. Quase toda a estratégia defensiva da Ucrânia na região de Donetsk assentava na defesa desta localidade e Mordvichev lançou todos os seus recursos nos flancos de Avdiivka, de forma a evitar um ataque frontal e cercar os militares ucranianos que defendem a cidade.
Os avanços russos deveram-se em parte ao aparecimento de uma nova “Wunderwaffe”, as bombas planadoras KAB-1500, dispositivos carregados com 1.500 quilos de explosivos equipados com sistemas de GPS, capazes de atingir alvos com grande precisão a mais de 70 quilómetros. O resultado foi letal. Em fevereiro, o recém nomeado comandante das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi, anunciou a decisão de retirar as forças ucranianas da cidade, de forma a evitar que estas sejam operacionalmente cercadas.
“Atribuo mais a queda de Avdiivka à questão do aparecimento das bombas planadoras. Não são um game changer mas ajudaram bastante o ímpeto ofensivo russo. A experiência para quem defende é bastante traumática. A utilização intensiva destas bombas permitiu aos russos a tomada de Avdiivka”, recorda Agostinho Costa.
Mas a conquista de Avdiivka, uma das mais importantes que a Rússia obteve desde a queda de Mariupol, valeu a Mordvichev a condecoração militar mais elevada da federação russa, com o então ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, a atribuir-lhe o título de Herói da Federação Russa.
Mordvichev não perdeu tempo ao tentar capitalizar a ausência de defesas ucranianas na retaguarda de Avdiivka. O general ordenou os seus exércitos a atacarem com toda a força em direção à cidade de Pokrovsk, que funciona como quartel-general logístico da Ucrânia na zona onde ficam Lugansk e Donetsk, o Donbass.
A cidade, que tinha uma população de 60 mil pessoas antes da invasão russa, é o principal alvo de Moscovo no curto prazo. Trata-se de um centro ferroviário e rodoviário que liga o resto do país à província de Donetsk. É a partir desta localidade estratégica que a Ucrânia recebe e distribui todo o apoio logístico para as unidades que estão na linha da frente. De acordo com o grupo de analistas de Defesa ucranianos Frontelligence Insight, a queda de Pokrovsk arrisca colocar em causa todo o apoio logístico ao exército ucraniano na região.
E os avanços de Moscovo fazem a Ucrânia temer o pior. Depois de quatro meses de violentos confrontos, a cidade-forte de Adviivka caiu em mãos russas no dia 17 de fevereiro e os avanços russos têm acontecido a um ritmo sem precedentes. Uma após outra, várias localidades têm caído em mãos russas, com Moscovo a avançar mais de 30 quilómetros no território ucraniano.
"Mordvichev é um adversário com experiência de combate e não é por acaso que é colocado aí. Face ao historial anterior dá garantias ao ministério da Defesa da Rússia de que consegue conquistar Pokrovsk", argumenta Isidro de Morais Pereira.