(opinião) Como neta e filha de judeus que fugiram de Kiev, não posso ficar calada

CNN , Opinião de Liora Rez
4 mar 2022, 22:00
Um homem armado posiciona-se junto à Praça da Independência (Maidan) no centro de Kiev (AP Photo/Efrem Lukatsky)

Nota do editor: Liora Rez é fundadora e diretora executiva do grupo de vigilância StopAntisemitism. As opiniões expressas neste comentário pertencem à autora

Enquanto neta e filha de judeus que fugiram de Kiev cedo o suficiente para evitar o bárbaro massacre de Babyn Yar em 1941, que provocou a morte de mais de 33 mil judeus foram mortos a tiro pelas forças nazis, o meu ADN está enraizado ao apelo para proteger o povo judeu.

Pensar que, 80 anos depois, as forças russas atacariam a zona do memorial de Babyn Yar e profanariam as memórias dos judeus que foram ali assassinados, é repugnante.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky publicou no Twitter, e com razão: “Ao mundo: qual é o sentido de dizer 'nunca mais', durante 80 anos, se o mundo fica em silêncio quando uma bomba cai no mesmo local de Babyn Yar?”

Eu não vou ficar em silêncio enquanto estas atrocidades acontecem diante dos nossos olhos.

Quando recebi um telefonema de um amigo para ajudar na retirada desesperada de centenas de órfãos judeus e pessoal de apoio do Lar de Crianças Tikva, em Odessa, após a invasão russa da Ucrânia, isso tocou-me de forma pessoal.

Quando rebentou a Segunda Guerra Mundial, em 1939, o meu pai tinha apenas dois anos. Quando o meu avô, comandante de carros de combate do Exército Vermelho, recebeu informações antecipadas de que os judeus em Kiev seriam massacrados, mobilizou os seus recursos militares e levou a minha avó e o meu pai para a Península de Kamchatka, na Sibéria, onde ficariam até 1945.

Eles tiveram a sorte de ter um caminho para a sobrevivência esculpido pelo meu avô, que passou a liderar uma brigada para libertar os judeus húngaros durante o Holocausto. E, apesar de ser judeu, tornou-se um herói de guerra nacional e recebeu a Ordem de Lenine em 1954.

Agora, com a Rússia aparentemente a ter como alvos civis inocentes na praça central de Kharkiv, e o comboio militar russo de mais de 60 quilómetros de comprimento a aproximar-se de Kiev, as Nações Unidas estimam que mais de 1,2 milhões de refugiados já tenham deixado a Ucrânia, desde o início da guerra. Muitos desses refugiados são mulheres e crianças separadas dos maridos, pais e irmãos que permanecem na Ucrânia, unidos na sua determinação de proteger o país e defender os seus valores democráticos.

Parece que a história se está a repetir, menos de um século depois, e fico com um enorme desgosto depois de perceber que este conflito não provocado, iniciado por mais um homem perigoso, levará a tanto sofrimento desnecessário.

Ficar indiferente não é uma opção. Todos temos a obrigação moral de travar este sofrimento trágico através de uma onda de ajuda humanitária aos refugiados e às vítimas inocentes.

Também é fundamental que todos nos tornemos estudantes de História - para expor o mal, para envergonhar as forças obscuras do fanatismo e antissemitismo que ainda existem, para acusar o presidente russo Vladimir Putin por atacar civis, e para proteger as crianças inocentes na Ucrânia, apanhadas no fogo cruzado das ambições perturbadoras de Putin.

Não me passou ao lado o facto de Putin ter tentado reescrever a história e justificar esta guerra com a afirmação desequilibrada de que está a tentar “libertar a Ucrânia dos nazis”. Invadir uma nação liderada por um orgulhoso homem judeu - e depois atacar, intencionalmente ou não, a área de um memorial do Holocausto que homenageia a morte de milhares e milhares de judeus está tão longe da “libertação da Ucrânia dos nazis” quanto se poderia imaginar.

Zelensky é judeu. O avô, que lutou no Exército Vermelho da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, perdeu três dos seus irmãos para os nazis. E, das cinzas escuras do Holocausto, o presidente judeu da Ucrânia está a liderar o aparecimento de uma frente global unida contra a guerra injustificada de Putin.

E, apesar das campanhas de desinformação e propaganda de Putin, os ucranianos estão a usar as redes sociais para captar a realidade da invasão russa. Eu, pessoalmente, sei o quão poderosas podem ser as redes sociais.

Em outubro de 2018, lancei a minha própria organização de vigilância para combater o antissemitismo. Três semanas depois, um antissemita matou 11 judeus inocentes na sinagoga Árvore da Vida em Pittsburgh. Como eu já tinha muitos seguidores, a resposta da minha organização a esse massacre explodiu nas redes sociais. Desde então, não parei de aproveitar o poder das redes sociais para expor e responsabilizar publicamente os antissemitas. Na última semana, vimos o poder do TikTok e de outras redes sociais, pois os ucranianos captam o que estão a ver e a viver no terreno.

E para todos nós, no mundo inteiro, que estamos a ver o desenrolar desta guerra horrível, amplificar a verdade nas redes sociais é fundamental, mas não é suficiente. Para responder às necessidades da crise humanitária na Ucrânia, devemos agir para proteger as crianças e os civis inocentes cujas vidas foram prejudicadas pela guerra.

Como Zelensky implorou à União Europeia: “Desejamos ver os nossos filhos vivos. Acho que é um desejo justo.”

As crianças da Ucrânia e os órfãos judeus de Odessa precisam da nossa ajuda. Vamos responder todos ao apelo.

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