Como a Rússia ainda tem mísseis de cruzeiro para atacar a Ucrânia

18 nov 2022, 21:00
Mísseis russos atingiram Odessa, na Ucrânia (EPA)

Autoridades militares ocidentais afirmam há vários meses que o exército russo tem cada vez menos reservas, mas o número de ataques não dá sinais de abrandar

A Ucrânia continua a difícil tarefa de tentar defender as suas infraestruturas dos contínuos ataques russos. Apenas na terça-feira, a Rússia levou a cabo o maior bombardeamento contra as estruturas energéticas desde o início da guerra, um pronúncio da estratégia de Vladimir Putin de utilizar a dureza do inverno de leste contra a população ucraniana, mesmo depois de meses de alertas das autoridades ocidentais de que as reservas de mísseis balísticos russos estavam a ficar esgotadas. 

Os primeiros relatos chegaram mesmo no final da primavera, mas intensificaram-se quando a Rússia começou a utilizar os drones suicidas iranianos, que especialistas em drones como Nuno Simões apelidam de “mísseis dos pobres”, por terem capacidade de acertar em alvos com grande precisão e com um custo muito mais reduzido, embora com uma carga explosiva mais reduzida. Mas noite após noite, as explosões aconteciam e milhões de pessoas ficavam privados de água, eletricidade ou internet.

No mês passado, o próprio ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, insistiu que a Rússia já tinha gastado cerca de 70% das suas reservas de mísseis balísticos. O mesmo diziam os serviços secretos britânicos que, num relatório publicado em outubro, apontavam para uma severa degradação da capacidade balística russa, após a intensificação dos ataques. Por outras palavras, a Rússia estaria a ficar sem mísseis. Mas, semana após semana, os ataques continuaram.

Segundo a Forbes, alguns destes ataques chegam a custar à Rússia 700 milhões de euros. Existem várias hipóteses que podem explicar o que aparenta ser um fracasso da recolha de informação acerca do arsenal russo. Em primeiro lugar, está a possibilidade de compra de mísseis à Coreia do Norte e ao Irão. Esta hipótese já foi levantada por oficiais norte-americanos e a utilização dos drones suicidas iranianos demonstra que estes regimes estão dispostos a cooperar militarmente.

Drone iraniano (Iranian Army via AP)

Ainda este mês, Yurii Ihnat, porta-voz das forças armadas ucranianas, admitiu esperar que o Irão comece a fornecer mísseis balísticos à Rússia. Em causa devem estar modelos de fabrico iraniano que atingem alvos com grande precisão até 700 quilómetros.

Outro dos cenários, prende-se com a incapacidade ocidental de analisar e recolher com precisão o número de armas na posse da Rússia. A Rússia herdou uma vasta quantidade de armamento da União Soviética e é bem possível que tenha mantido um elevado número de armas no ativo, para o caso de um conflito com a NATO. Esse facto pode fazer com que o número real de mísseis detidos pela Rússia seja muito superior ao antecipado.

Mas muitos dos mísseis que têm atingido a Ucrânia não são necessariamente as versões mais evoluídas que os russos têm ao seu dispor, como o Iskander, o Kalibr ou o hipersónico Kinzhal. Nos últimos meses, multiplicaram-se os relatos de que as forças armadas russas estariam a utilizar os mísseis antiaéreos do sistema S-300 para atingir alvos terrestres. No ataque de terça-feira, por exemplo, pelo menos 10 mísseis destes foram disparados contra cidades na frente de batalha.

Mas, para muitos observadores, a utilização destes sistemas tem sido precisamente um sinal de que as reservas russas podem estar mais próximas do fim do que os russos gostariam, uma vez que estas armas são menos precisas e menos destrutivas que os mísseis balísticos. Porém, existem em maior quantidade.

Outra explicação pode passar pela capacidade russa de construir novos mísseis a um ritmo mais acelerado do que se pensava possível. No mês passado, Vladimir Putin anunciou que ia aumentar os esforços domésticos para produzir equipamentos militares para apoiar “a operação militar especial”.

Além disso, é possível que, em preparação para o conflito, a Rússia tenha açambarcado os microchips necessários para a construção de alguns dos sistemas mais desenvolvidos, como os mísseis Kalibr. De acordo com a Janes, uma empresa de informação da área da defesa, estas preparações deverão ter começado mesmo em 2014, após a anexação da Crimeia e da primeira ronda de sanções ocidentais.

Estes preparativos poderão ter permitido à Rússia começar a produzir um grande número de Iskanders, Kalibrs e mísseis de cruzeiro ainda antes da invasão, diz a mesma fonte ao jornal The New York Times.

“Eles estão a ser produzidos enquanto falamos, já que a economia russa está quase em pé de guerra e muitas fábricas associadas ao complexo industrial militar estão a trabalhar em três turnos e até mesmo nos fins de semana”, explicou a análise de Janes.

A confirmar-se este cenário, a estratégia russa de pressionar as infraestruturas críticas ucranianas deve prosseguir com toda a força, colocando o governo de Zelensky numa posição muito precária, com milhões de pessoas em risco de sofrer as consequências de um inverno que atinge facilmente dezenas de graus negativos. Se a estratégia de Putin será suficiente para quebrar a vontade ucraniana de combater, só o tempo dirá, mas, para o presidente ucraniano, o resultado será sempre o mesmo.

“Leiam os meus lábios: sem gás ou sem vocês? Sem vocês. Sem luz ou sem vocês? Sem vocês. Sem água ou sem vocês? Sem vocês. Sem comida ou sem vocês? Sem vocês. Frio, fome, escuridão e sede não são tão assustadores e mortais para nós quanto a ‘amizade e irmandade’ russa”, disse Zelensky, num discurso em setembro, após um dos primeiros ataques contra infraestruturas energéticas ucranianas.

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