Com uma câmara escondida num tampão: o horror do cerco a Mariupol gravado por uma médica que acabou nas mãos dos russos

19 mai 2022, 15:46

Durante mais de duas semanas, e no meio de grandes esforços, Yuliia Paievska conseguiu gravar 256 gigabytes em imagens. Imagens essas que passou aos jornalistas norte-americanos, que acabaram por conseguir abandonar a cidade num dos últimos comboios humanitários

Na Ucrânia quase toda a gente a conhece por Taira, mas o seu nome verdadeiro é Yuliia Paievska, uma reputada médica que ganhou a alcunha por jogar o videojogo World of Warcraft com aquele nome. Mas a ucraniana decidiu deixar os jogos de guerra, para embarcar numa missão na vida real.

Passou semanas na cidade de Mariupol, cercada pelas forças russas quase desde o início da guerra, vai para três meses. Durante esse tempo conseguiu filmar o percurso que ia fazendo, incluindo a forma como ajudava as vítimas dos bombardeamentos. E tudo com recurso a um dispositivo que não era maior que uma unha, e que andou o tempo todo escondido num tampão. Agora, Taira está nas mãos das forças russas, como quase todos os que decidiram ficar na cidade, mas as imagens acabaram por chegar à agência Associated Press, e podem ser vistas na galeria associada e no vídeo associados ao artigo.

Durante mais de duas semanas, e no meio de grandes esforços, a médica conseguiu gravar 256 gigabytes em imagens. Imagens essas que passou aos jornalistas norte-americanos, que acabaram por conseguir abandonar a cidade num dos últimos comboios humanitários a sair de lá.

No dia a seguir aos jornalistas saírem, Taira e o seu condutor foram apanhados, a 16 de março. Desde então que as forças russas apresentam a médica como alguém que estava ao serviço do Batalhão Azov, grupo que a Rússia diz ser nazi. A Associated Press sublinha, porém, que não encontrou quaisquer evidências de ligações entre a médica e o grupo.

Além de o hospital militar onde Taira estava não ter quaisquer ligações àquele batalhão, algumas das imagens recolhidas pela médica mostram como tentava salvar quem conseguia, incluindo soldados russos feridos, bem como civis ucranianos na mesma situação.

Um video gravado a 10 de março mostra dois soldados russos levados para uma ambulância por um soldado ucraniano. Um dos soldados estava numa cadeira de rodas, enquanto o outro estava ajoelhado e amarrado.

A certa altura ouve-se um membro das forças ucranianas a provocar os russos, enquanto a voz de Taira diz “calma, calma”.

Na mesma cena, uma mulher pergunta-lhe mesmo se “vai tratar os russos?”.

“Eles não vão ser tão compreensivos connosco. Mas não posso fazer outra coisa, eles são prisioneiros de guerra”, respondeu Taira.

Segundo a Associated Press, a médica é agora um dos vários ativistas ucranianos que foram capturados ou raptados pelas forças russas, entre os quais estão ainda autarcas, jornalistas e defensores dos direitos humanos.

A Organização das Nações Unidas registou, até ao momento, 204 casos de pessoas que desapareceram nestas circunstâncias. No entanto, as autoridades ucranianas dizem que esse número ultrapassa os 500. Taira é uma dessas pessoas.

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