"Atacar centrais nucleares é uma coisa suicida". Guterres denuncia bombardeamentos russos

CNN , Tim Lister, Yulia Kesaieva e Tara John
8 ago 2022, 17:50
Rússia e Ucrânia trocam acusações sobre ataque à central nuclear de Zaporizhzhia. Agência de Energia Atómica fala em "informações contraditórias"

Novos ataques à central poderão ser desastrosos: "As possíveis consequências de atingir um reator em funcionamento são equivalentes à utilização de uma bomba atómica", adverte o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia

O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, descreveu o recente fogo de artilharia e mísseis em redor da central nuclear de Zaporizhzhia, no centro da Ucrânia, como sendo "suicida", aumentando ainda mais os receios de um acidente na central, a maior do seu género na Europa.

"Qualquer ataque a centrais nucleares é uma coisa suicida", disse Guterres aos repórteres esta segunda-feira em Tóquio. "Espero que estes ataques terminem", disse, apelando à Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) para que seja dado acesso à central.

A central de Zaporizhzhia ocupa um extenso terreno junto ao rio Dnipro. Tem continuado a funcionar com capacidade reduzida desde que as forças russas a capturaram no início de março, com técnicos ucranianos a permanecerem em atividade.

No domingo, a empresa estatal de energia da Ucrânia, Energoatom, disse que um trabalhador fora ferido no sábado por bombardeamentos russos à volta da fábrica.

A Energoatom alegou que três sensores de monitorização de radiação também foram danificados, afirmando que "a deteção e resposta atempada em caso de agravamento da situação de radiação ou de fuga de radiação de barris de combustível nuclear irradiado são atualmente impossíveis".

"Desta vez, uma catástrofe nuclear foi miraculosamente evitada, mas os milagres não podem durar para sempre", acrescentou a empresa.

Na televisão ucraniana, o presidente da Energoatom, Petro Kotin, disse que um dos ataques de domingo ficou a apenas cerca de 20 metros da área de armazenamento de combustível processado.

"Se eles tivessem atingido os contentores com o combustível processado, seria um acidente de radiação", alertou.

Kotin sugeriu que, se um contentor fosse atingido, "seria um acidente local no território da central e em território próximo. Se forem dois (ou) três contentores - a área afetada aumentará".

Kotin disse também que, durante o bombardeamento, as linhas de comunicação entre a central nuclear, a central hidroeléctrica e o sistema energético ucraniano tinham sido rompidas.

"A partir de agora, a central nuclear de Zaporizhzhia só está ligada ao sistema energético ucraniano apenas com uma linha de comunicação. Se todas as linhas forem danificadas, a central será transferida para o chamado modo 'black-out', ou seja, ficará completamente desenergizada. E esta situação será muito perigosa para manter o combustível em reatores nucleares em condições de segurança", disse.

Esta foi a segunda vez em dois dias que a central foi atingida. A Ucrânia e a Rússia trocaram as acusações de culpa em ambos os ataques.

Centrais nucleares na Ucrânia: reatores ativos (a azul) e com reatores definitivamente desativados (a vermelho)

As autoridades russas na cidade mais próxima - Enerhodar - afirmaram que um míssil ucraniano aterrou a 400 metros de um dos reatores da central. A cidade foi tomada pelas forças russas ao mesmo tempo que a central elétrica.

"Esta noite, as formações armadas da Ucrânia atacaram com um míssil Uragan de 220 mm", afirmou a autoridade local, segundo a agência noticiosa estatal russa RIA Novosti.

"Os edifícios administrativos e o território adjacente da instalação de armazenamento de barris secos foram danificados pelos projéteis. É importante notar que o local de impacto dos estilhaços de ogivas, e o próprio motor de propulsão do míssil, não se encontra a mais de 400 metros do reator ativo", afirmaram as autoridades.

A CNN não pôde verificar as reivindicações feitas por qualquer dos lados. Os russos têm vindo a bombardear a cidade ucraniana de Nikopol a partir de posições à volta da central.

Os receios sobre a segurança da central nuclear de Zaporizhzhia têm vindo a crescer desde que as forças russas tomaram o controlo do local, mas atingiram um ponto de inflexão na sexta-feira, quando os bombardeamentos danificaram uma linha de alta tensão e forçaram um dos reatores da central a parar de funcionar - apesar de não ter sido detetada qualquer fuga radioativa.

Depois do ataque, a Energoatom disse que os bombardeamentos russos tinham danificado uma estação de nitrogénio-oxigénio e o edifício auxiliar combinado, e que ainda havia "riscos de fuga de hidrogénio e de dispersão de substâncias radioativas, e o risco de incêndio também é elevado".

No sábado, o director-geral da AIEA, Rafael Mariano Grossi, disse estar extremamente preocupado com os bombardeamentos, "que sublinham o risco muito real de um desastre nuclear que poderá ameaçar a saúde pública e o ambiente na Ucrânia e não só".

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que acusou a Rússia de utilizar a central nuclear de Zaporizhzhia para causar terror na Europa, disse domingo que falou com o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, sobre a situação no complexo.

"O terror nuclear russo exige uma resposta mais forte da comunidade internacional - sanções contra a indústria nuclear russa e o combustível nuclear", escreveu Zelensky no Twitter.

A AIEA tem tentado coordenar uma missão de salvaguarda de peritos para visitar a central desde que esta foi tomada pelas forças russas. Yevhenii Tsymbaliuk, embaixador da Ucrânia na AIEA em Viena, alertou para as consequências catastróficas se algo acontecesse à central, durante uma conferência de imprensa segunda-feira, dizendo que não seria "comparável mesmo a Chernobyl ou a Fukushima".

Tsymbaliuk disse que a Ucrânia gostaria de ver uma delegação de peritos da Agência Internacional de Energia Atómica e das Nações Unidas visitar a estação para monitorizar o seu estado, mas que as ações militares da Rússia na Ucrânia estão a tornar tal viagem "impossível".

"Violação irresponsável das regras de segurança nuclear"

Como a Rússia e a Ucrânia se culpam mutuamente pelos recentes ataques com mísseis perto da central nuclear de Zaporizhzhia, o presidente da Energoatom, Kotin, disse que as forças russas devem ser expulsas da central e que deve ser criada uma zona desmilitarizada no território da central.

Ele também repetiu as alegações ucranianas de que a Rússia tinha movimentado armas para as unidades de energia da central.

"Existem 14 unidades de equipamento militar pesado na primeira unidade de energia. Há 6 veículos na segunda casa das máquinas e não sabemos o que está dentro desses veículos. Há também armamento pesado", disse.

Kotin afirmou também que as tropas russas tinham ocupado todos os abrigos da central de energia, e que os trabalhadores não tinham para onde ir quando os bombardeamentos ocorreram.

Vários oficiais ocidentais e ucranianos acreditam que a Rússia está agora a utilizar a gigantesca instalação nuclear como um bastião para proteger as suas tropas e montar ataques, porque assumem que Kiev não devolverá fogo, arriscando uma crise.

O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken acusou Moscovo de utilizar a central para proteger as suas forças, enquanto o Ministério da Defesa britânico afirmou, numa recente avaliação de segurança, que as ações da Rússia no complexo sabotam a segurança das suas operações.

O presidente da câmara ucraniana da Enerhodar, Dmytro Orlov, disse em finais de julho que as forças russas tinham sido vistas a utilizar armamento pesado perto da central porque "sabem muito bem que as Forças Armadas ucranianas não responderão a estes ataques, uma vez que podem danificar a central nuclear".

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia advertiu na sexta-feira que novos ataques à central poderiam ser desastrosos. "As possíveis consequências de atingir um reator em funcionamento são equivalentes à utilização de uma bomba atómica", afirmou o Ministério no Twitter.

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