Armas químicas e nucleares. Quantas tem a Rússia e que danos podem causar?

24 mar 2022, 07:00

A Rússia é o país que mais armas nucleares tem em todo o mundo. Quanto às armas químicas, apesar de afirmar que não as tem, sabe-se que já as usou

A utilização de armas químicas por parte da Rússia é “uma ameaça real”. O aviso é dado pelo presidente do Estados Unidos, que teme uma escalada da ação russa na Ucrânia. As palavras de Joe Biden surgem em paralelo com as do porta-voz do Kremlin, que admitiu um cenário para a utilização de armas nucleares.

São duas hipóteses que mudariam o rumo da guerra para caminhos até agora impensáveis. Mas afinal, que tipos de armas são estas e quais as suas consequências? Qual é o arsenal de armas químicas e nucleares da Rússia?

Quantas e que armas nucleares tem a Rússia?

A Rússia é o país com mais armas nucleares. De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa de Paz de Estocolmo, o país tinha, em 2021, 6.255 armas nucleares. Os números são semelhantes aos da Organização das Nações Unidas. De acordo com aquela entidade, a Rússia tinha 6.500 armas nucleares em 2019.

Em segundo lugar, estão os Estados Unidos, com 5.550.

Ainda segundo a mesma fonte, mais de 1.400 destas armas estarão ativas e prontas para serem utilizadas. Isto é, estarão colocadas em diferentes dispositivos, como mísseis intercontinentais, submarinos ou aviões, aquilo a que os especialistas chamam de "tríade nuclear". Perto de 3.300 estarão disponíveis mas não prontas, enquanto que 1.700 não estão disponíveis.

As armas nucleares podem ser de fissão ou de fusão. As primeiras, também designadas como bombas atómicas, foram utilizadas em Hiroshima e Nagasaki em 1945 pelos Estados Unidos. No caso de Hiroshima com recurso a urânio, em Nagasaki com plutónio. Foi o único episódio em que armas nucleares foram direcionadas contra alvos específicos.

Bomba atómica em Hiroshima (AP)

As bombas de fusão são também chamadas de hidrogénio ou termonucleares. Estas incluem ainda as bombas de neutrões, que afetam especificamente material biológico.

Bombas de fusão nuclear nunca foram utilizadas em alvos civis ou militares, mas houve um teste com estas armas feito pela União Soviética que ficou famoso. A chamada Bomba Czar, lançada em 1961 na ilha russa de Nova Zembla, tinha um poder destrutivo cerca de três mil vezes superior às bombas atómicas lançadas no Japão. Acredita-se que esta é uma bomba pouco prática em contexto militar, e que este teste serviu de propaganda no contexto de Guerra Fria.

A então União Soviética acabaria por partilhar um vídeo do exercício, que a Reuters publicou:

Não é credível que a Rússia tenha, atualmente, bombas Czar, mas é certo que terá bombas de fissão e de fusão, incluindo as de neutrões.

Que destruição poderia causar uma bomba nuclear?

O responsável do Kremlin afirmou que a utilização de armas nucleares só ocorrerá em caso de estar ameaçada a existência da Rússia. Isso pressupõe um ataque àquele país por parte de uma outra força que não a Ucrânia, um cenário que, para já, está colocado de parte. A NATO tem reforçado constantemente que não se vai envolver militarmente no terreno.

O projeto Nuclear Secrecy reúne histórias, documentos e dados sobre as armas nucleares. No nukemap, podem simular-se os diferentes efeitos da detonação de bombas nucleares num determinado lugar. De acordo com este mapa, o lançamento de uma bomba semelhante à de Hiroshima em Kiev iria provocar quase 40 mil mortos e perto de 100 mil feridos.

Se fosse utilizada a arma Topol, que os russos têm no seu arsenal, e que possui cerca de 800 quilotoneladas, mais de 530 mil pessoas poderiam morrer, deixando ainda quase um milhão de feridos.

Mas as consequências vão muito para além do impacto. João Dias, licenciado em Relações Internacionais e especialista na área do armamento, explica à CNN Portugal que a chegada de uma bomba deste género ao solo desencadeia uma explosão de calor intenso que pode chegar aos oito mil graus. Segue-se uma bola de fogo e ondas de choque com capacidade para destruir tudo em redor, sendo que o raio de alcance depende da capacidade explosiva da ogiva.

"Uma ogiva com uma capacidade equivalente a 15 quilotoneladas de TNT (semelhante à de Hiroshima) tem uma capacidade destrutiva mais limitada do que uma ogiva de 100 ou 300 quilotoneladas, que são comuns nas forças nucleares actuais", afirma, em resposta às perguntas da CNN Portugal.

Mas o perigo é ainda maior. "Além da explosão imediata e das ondas de choque, existe o perigo da radiação ionizante, que representa uma ameaça letal para a vida humana durante várias semanas após a explosão. A estimativa vai das duas às quatro semanas até a radiação ser suficientemente reduzida para deixar de representar um perigo letal. E isto vai para além da radiação no ar, uma vez que o solo e a água também são irradiados".

Os efeitos reais dependeriam sempre de mais condicionantes, como o vento, mas uma bomba com 500 quilotoneladas pode desencadear um nível letal de radiação que se estende por mais de 16 quilómetros quadrados.

"Independentemente da área afectada, as pessoas que se encontrem nas proximidades da zona de maior perigo também serão expostas a uma quantidade bastante elevada de radiação ionizante. E, como consequência, terão uma possibilidade muito mais elevada de no futuro virem a padecer de cancros, leucemias ou outras doenças graves provocadas pela exposição à radiação", diz João Dias, referindo que as pessoas que vivam numa zona atingida por uma explosão nuclear não devem deixar um abrigo nas duas a três semanas seguintes.

Atualmente, segundo João Dias, que coloca a Bomba Czar de parte, por ser demasiado complexa de utilizar, a maior bomba do mundo é a B-83, desenvolvida pelos Estados Unidos. Tem aproximadamente 1,2 megatoneladas.

O que diz o documento nuclear da Rússia

Quando falou na hipótese nuclear, o porta-voz do Kremlin referiu-se a um documento chamado “Princípios Básicos da Política de Estado da Federação Russa sobre a Dissuasão Nuclear”. O documento foi criado em 2020 e foi a primeira vez que a Rússia divulgou uma política nuclear, até então secreta.

De acordo com este documento, existem dois cenários em que a Rússia admite a hipótese do nuclear: “em resposta à utilização do nuclear e outro tipo de armas de agressão maciça contra a Rússia ou um aliado" e "num evento de agressão contra a Federação Russa com o uso de armas convencionais em que a existência do Estado esteja em risco”. Foi a este último cenário que se referiu Dmitry Peskov.

O documento não especifica nomes de aliados ou adversários da Rússia, mas uma secção define adversários, dizendo que a Rússia implementa a dissuasão “tendo em vista estados e coligações militares que considerem a Federação Russa como um potencial adversário e que detenham armas nucleares ou outro tipo de armas de destruição maciça, ou potencial de combate significativo”. Nesta definição cabem os Estados Unidos e vários países da NATO, ou a NATO em si mesma, como coligação.

Quantas e que armas químicas tem a Rússia?

Vladimir Putin garante que não está em causa a utilização de armas químicas e vários políticos têm insistido para que tal não venha a acontecer, como fez o chanceler alemão, Olaf Scholz, ainda esta quarta-feira. Scholz disse, num telefonema com o presidente russo, que seria algo "impensável e imperdoável".

Oficialmente a Rússia deixou de ter armas químicas em 2017, ano em que declarou o seu arsenal destruído. Mas, a julgar pelo ataque a Alexei Navalny, opositor do regime russo que foi envenenado em agosto de 2020, a verdadeira história pode ser diferente. É que o advogado foi alvo de um ataque com um agente nervoso chamado novichok, uma arma química desenvolvida pela antiga União Soviética.

Isto indica que a Rússia ainda poderá manter armas químicas, que podem ir do novichok ao gás-mostarda, e também às armas termobáricas, que utilizam o componente químico bário para provocar uma reação nos alvos.

Agentes fazem ronda num armazém com barris de agentes nervosos em Shikhany, Rússia, em 2000 (AP)

Porque oficialmente a Rússia diz não ter quaisquer armas, é impossível quantificar a sua existência.

Antes do desmantelamento do seu arsenal químico, 80% era composto por agentes nervosos, entre eles o sarin, soman, gás-mostarda, lewisite ou VX.

A Rússia poderá também bombardear locais de forma estratégica, como armazéns de químicos. É o caso do ataque que atingiu uma fábrica de amónio em Sumy. Aquela substância pode provocar irritação na pele e outros sintomas, incluindo a cegueira. Este caso foi entendido de duas formas: uma tentativa de utilizar armas químicas indiretamente, forçando a libertação do amónio, ou como uma "falsa bandeira" para acusar os ucranianos de estarem a pensar utilizar aquele tipo de armamento.

De acordo com o Ministério da Ecologia e Recursos Naturais da Ucrânia, em 2020, cerca de 24 mil locais tinham materiais potencialmente perigosos a nível químico. Desses, perto de quatro mil estavam na região de Donbass, já dominada pelos russos.

O Conselho de Relações Internacionais da Rússia, um órgão criado pelo então presidente Dmitri Medvedev em 2011, publicou um artigo com o título "Porque são as armas químicas mais perigosas que as nucleares?". Neste texto, é abordado o envenenamento de Sergei Skripal, antigo espião russo que acabou por trabalhar como agente duplo a favor do Reino Unido, e que foi atacado com novichok em 2018. Nessa publicação, é sublinhado que os agentes químicos podem estar ao dispor de toda a gente, incluindo, por exemplo, terroristas.

Que consequências podem ter as armas químicas?

De acordo com Gregory Koblentz, diretor do Programa de Graduação em Biodefesa da Universidade George Mason, que falou com a CNN, este tipo de armamento consiste no desenvolvimento de químicos tóxicos que afetam os humanos. Alguns dos mais comuns são o gás-mostarda, o sarin ou o VX. Os dois últimos são agentes nervosos, tal como o novichok.

O especialista explica que estes agentes têm efeitos diferentes, sendo que a dose de exposição é que vai influenciar a diferença de sintomas.

Voltando ao caso de Alexei Navalny, Gregory Koblentz explica que terá sido uma pequena exposição àquele veneno que permitiu que o dissidente russo sobrevivesse, ainda que tenha corrido risco de vida.

As restantes armas químicas atuarão da mesma forma, isto é, serão tão mais nefastas quanto a dose utilizada.

Segundo o artigo "Malefícios da libertação de armas químicas durante a guerra: novas perspectivas", publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, as duas maiores classes de armas químicas são os agentes nervosos e o gás-mostarda, algo que se mantém há 50 anos. “Estes agentes foram desenhados especificamente para magoar as pessoas em qualquer rota de exposição e para serem eficazes em doses pequenas”, refere.

As armas químicas foram desenvolvidas para “causarem o máximo de vítimas”.

A utilização ilegal das armas químicas

A utilização de armas químicas tem sido debatida desde a Primeira Guerra Mundial. Nesse conflito foi utilizado gás-mostarda, bem como outros gases tóxicos, o que levou os países a tentarem chegar a um acordo para que se parasse com essa prática.

No Protocolo de Genebra, assinado em 1925, os países concordaram em não utilizar este tipo de armamento. O que foi cumprido à regra durante vários anos e, mesmo na Segunda Guerra Mundial, apenas o Japão utilizou armas químicas.

Já durante a Guerra Fria, era no Médio Oriente que a situação era mais preocupante. Nos anos 80, era conhecida a utilização das armas químicas pelo Iraque contra o Irão, e pensava-se que em África, a Líbia poderia estar a desenvolver um arsenal.

Soldados israelitas em 1998, numa altura de receio de guerra com o Iraque (AP)

A Convenção das Armas Químicas, assinada em 1993, pressupôs a destruição das armas químicas por parte dos países. Os Estados Unidos, por exemplo, devem fazê-lo até 2023, ainda que, de acordo com a CNN, continuem a acumular várias armas daquele tipo.

Naquela altura, os EUA tinham cerca de 40 mil toneladas de armas químicas, que incluíam bombas e agentes nervosos. O acordo inicial previa a total destruição até 2007, mas acabou por ser estendido até 2020, precisamente o ano em que o agente novichok foi utilizado em Alexei Navalny.

Russos destroem arma química em Moscovo, 2006 (Viktor Vasenin/AP)

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