Anatoly é assassino e foi libertado da prisão por ter combatido na Ucrânia. Na Rússia, o seu regresso é visto com muito medo

10 fev 2023, 19:15
Grupo Wagner (AP)

"Ele é um homem perigoso, todos sabemos o que ele fez ao seu amigo. Disse aos meus filhos para não andarem por aí sozinhos nos próximos dias", afirma um habitante de Pikalevo, no norte do país

A estratégia de recrutar nas prisões foi bastante útil para o Grupo Wagner captar combatentes para a guerra na Ucrânia. Em troca de seis meses de serviço na frente de batalha, os condenados obtêm um perdão, podendo sair da prisão com vários anos de sentença por cumprir.

A grande maioria destes homens, mal preparados, acabou por morrer ou ficar ferida nos combates, mas uma parte deles conseguiu sobreviver. De acordo com o jornal The Guardian, um vídeo que circulou no mês passado mostrava vários criminosos, entre eles assassinos e traficantes de droga, a regressar às suas casas após o cumprimento do serviço militar na Ucrânia.

Um desses homens perdoados é Anatoly Salmin, condenado em 2011 por homicídio e roubo. Anatoly saiu vários anos antes do previsto e, na sua terra natal, há quem tenha muito medo do seu regresso. "Começámos a vê-lo na cidade há algumas semanas. Ele é um homem perigoso, todos sabemos o que ele fez ao seu amigo. Disse aos meus filhos para não andarem por aí sozinhos nos próximos dias. Não foi apenas o que ele fez ao seu amigo, ele assaltou pessoas, entrou em muitas brigas e assediava raparigas. Bebia muito, consumia drogas e era violento", descreve um habitante local, sob anonimato, ao jornal britânico. "Não queremos tais pessoas de volta a Pikalevo. Que tipo de herói é ele?", questiona.

Os detalhes do incidente que levou à sua condenação assustam os moradores. Anatoly e um amigo estavam a pescar numa pedreira quando, embriagados, começaram a discutir. Salmin agarrou numa pedra e atingiu o seu amigo duas vezes, antes de segurar a sua cabeça debaixo de água até que parasse de se mover. "Esta é uma pequena fração dos crimes que ele cometeu. Há pessoas que ainda têm muito medo de que ele regresse à nossa cidade. E eu tenho muito medo de que ele faça algo a estas pessoas. Salmin é uma pessoa terrível", refere outra pessoa que o conhece.

A libertação destes presos é vista com maus olhos por boa parte dos russos, escreve o The Guardian, uma vez que muitos dos perdoados são criminosos violentos que podem voltar à vida do crime. Um outro assassino, Dmitry Kuryagin, foi condenado por ter matado a avó de 87 anos e ter ficado com o dinheiro da venda do seu apartamento.

"Agora outro grupo de prisioneiros está a regressar da zona [de guerra]. É necessário compreender se os psicólogos trabalharam com eles. Podemos acabar por ter um aumento colossal do comportamento criminoso num futuro próximo, se nada for feito", afirma Ivan Melnikov, ativista pelos direitos humanos, numa entrevista a uma rádio local.

"São muitas vezes as pessoas que têm mais anos a cumprir na prisão que estão dispostas a ir para o Grupo Wagner. E isso significa, normalmente, que são as pessoas que cometeram os crimes mais graves", alerta um defensor dos direitos dos prisioneiros, sob anonimato, citado pelo periódico britânico.

O líder da força paramilitar, Yevgeny Prigozhin, decidiu suspender o programa de recrutamento, sem dar qualquer explicação, mas continua a defendê-lo.

Anatoly Salmin recusou prestar declarações ao The Guardian, afirmando que deveria ser pago para dar uma entrevista. "Conhecemo-nos há muitos anos. Ele não é uma pessoa agradável, na realidade é verdadeiramente perigoso. Ele é imprevisível. E está de volta à cidade, sim", garantiu outro morador de Pikalevo, no norte do país.

Europa

Mais Europa

Patrocinados