Isto é uma ameaça nuclear sem precedentes? Qual é a reserva nuclear russa? O que precisa de saber

CNN , Zachary B. Wolf
1 mar 2022, 17:08
Vladimir Putin durante uma reunião do Conselho de Estado russo. Foto:  Alexei Nikolsky/TASS via Getty Images

A invasão da Rússia à Ucrânia continua com violência e morte. Leia os últimos desenvolvimentos aqui

Ao encontrar uma resistência mais forte do que a esperada da parte da Ucrânia, a Rússia também se está a ver mais isolada do resto do mundo:

•    Mais partes da Rússia foram banidas do sistema bancário mundial.
•    O valor do rublo entrou em colapso, perdendo um quarto do seu valor.
•    O Banco Central da Rússia aumentou as taxas de juro para 20%, mais do dobro.
•    Até alguns oligarcas russos estão a pressionar o Presidente Vladimir Putin a pôr fim à guerra.

Mas a retórica de Putin também se intensificou ao incluir referências diretas à vasta reversa nuclear russa, colocando o país em estado de alerta máximo e obrigando a uma avaliação do equilíbrio que proíbe os países com armas nucleares de se destruírem a si mesmos e ao mundo.

O que disse Putin?

“Oficiais de topo dos principais países da NATO fizeram comentários agressivos sobre o nosso país. Por esse motivo, ordeno que ao Ministro da Defesa e ao Chefe do Estado-Maior coloquem a força de dissuasão do exército russo em modo de combate”, disse Putin numa reunião emitida em televisão com os principais oficiais da defesa russa, no domingo.

As armas nucleares russas fazem parte desta estratégia de “dissuasão”. A Rússia assumiu o controlo das armas de antigas repúblicas soviéticas, incluindo a Ucrânia e a Bielorrússia, na década de 90.

Agora que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Bielorrússia, que é aliada de Moscovo, tenciona renunciar ao seu estatuto não nuclear e pode, em teoria, deixar que a Rússia leve armas nucleares para o país.

As pessoas devem preocupar-se?

O Presidente Joe Biden deu uma resposta simples na segunda-feira, quando jornalistas lhe perguntaram se os americanos deveriam estar preocupados com a possibilidade de uma guerra nuclear.

“Não”, disse ele.

Isto é uma ameaça nuclear sem precedentes?

A ameaça não é inédita. Falei com Matthew Fuhrmann que, juntamente com Todd Sechser, escreveu o livro "Armas Nucleares e Diplomacia Coerciva" ("Nuclear Weapons and Coercive Diplomacy", no original), em 2017.

Eles documentaram 19 situações de ameaças nucleares e linguagem coerciva na era pós-II Guerra Mundial. Estas incluíram líderes soviéticos, como Nikita Khrushchev, a dizer ao embaixador norte-americano da época, em 1959, que “o ocidente parece ter-se esquecido que apenas uns mísseis russos poderiam destruir toda a Europa”.

Também incluíram o antigo Presidente norte-americano Richard Nixon a implementar a sua política externa de loucos, quando quis que o Vietname do Norte soubesse que os seus aliados acreditavam que “não o conseguimos controlar quando está zangado e ele tem a mão no botão nuclear”.

As ameaças de Putin funcionarão agora?

“O historial de chantagens nucleares não é fantástico”, disse Fuhrmann num e-mail. “Em muitos casos, as tentativas de intimidar outros países criando um espetro de ameaça nuclear falharam redondamente, como as ameaças de Khrushchev contra Berlim. Noutros casos, como na crise entre os EUA e a China, relacionadas com Taiwan, na década de 50, um país saiu a ganhar depois de fazer as ameaças nucleares, mas não ficou claro se essas ameaças foram decisivas”.

Dito isto, os EUA não estão a entrar na guerra que a Rússia começou com a Ucrânia e não vão criar uma zona de interdição do espaço aéreo.

Putin tem de perceber que utilizar armas nucleares terá consequências para si mesmo e para o seu povo.

“Fazer ameaças não lhe custa nada. Usá-las vai custar-lhe tudo”, disse o antigo comandante das forças do exército norte-americano na Europa, o reformado tenente-general Ben Hodges, que esteve na CNN, na segunda-feira.

Qual é a reserva nuclear russa?

A reserva nuclear total da Rússia é maior do que a dos Estados Unidos, com cerca de 6250 ogivas nucleares no total, de acordo com a Associação de Controlo de Armas. Os EUA têm mais de 5500.

A maioria das ogivas de ambos os países não está instalada em mísseis ou em bases. Segundo uma auditoria da Associação de Controlo de Armas, no que toca a ogivas nucleares instaladas:

•    A Rússia tem 1458 ogivas em 527 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados por submarinos e bombardeiros.
•    Os EUA têm 1389 ogivas em 665 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados por submarinos e bombardeiros.

Nenhum outro país que se sabe ou julga ter armas nucleares, Reino Unido, França, Israel, Paquistão, Índia, China e Coreia do Norte, tem números que se aproximem destas ogivas.

Putin compreende as implicações de uma guerra nuclear?

“A sensação que temos é de que ou ele não quer saber ou não tem qualquer noção da realidade”, disse Tom Collina, diretor de políticas da Ploughshares Fund, que incentiva a eliminação de perigos suscitados por armas nucleares.

“Será que ele compreende bem as consequências do que está a fazer ou será que se tornou um aristocrata que perdeu a noção da realidade?”, questionou Collina, numa chamada telefónica onde lhe perguntei se a retórica de Putin tinha mudado na última semana.

Sechser diz que Putin pode não ter pensado muito bem no assunto. “A Rússia já jogou a maioria das suas cartas e já não tem muitas ferramentas para tentar ganhar vantagem nesta crise. O alerta nuclear parece mais um ato de frustração do que um movimento tático calculado”, disse ele num e-mail.

“Se o alerta nuclear tencionava coagir os Estados Unidos e a Europa a atenuar as sanções económicas ou a abandonar a Ucrânia, este falhou. Quando muito, serviu para denegrir ainda mais a opinião global em relação à Rússia”, acrescentou Sechser.

Os EUA têm armas nucleares na Europa

O que há muito tem aborrecido Putin é o facto de os EUA terem cerca de 100 armas nucleares armazenadas na Europa, nas bases da NATO em Itália, Alemanha, Turquia, Bélgica e nos Países Baixos. Ele teme que os EUA possam colocar armas nucleares em países da NATO mais a leste, mais próximos da Rússia.

Crê-se que as armas norte-americanas na Europa não estejam armadas, de acordo com o Centro de Não Proliferação e Controlo de Armas, mas apenas armazenadas abaixo do solo. Teriam de as levar para aviões de caça, antes de as utilizarem.

Uma nova versão do tratado START, promulgado pela primeira vez em 2011 e prolongado em 2021, limita os EUA e a Rússia a 1550 ogivas nucleares instaladas cada. Há milhares de outras ogivas que poderiam vir a ser utilizadas.

Qual é a política russa sobre armas nucleares?

Apesar de durante a Guerra Fria a Rússia ter implementado uma política de “não utilização em primeiro lugar” no que tocava a armas nucleares, várias posições políticas sobre o assunto, desde a década de 90, têm sugerido que o país pode usar armas nucleares numa guerra localizada ou se julgasse que a sua soberania ou integridade nacional estava a ser ameaçada.

Putin aprovou uma nova estratégia de “dissuasão” em junho de 2020, que permitiu a utilização de armas nucleares em resposta a ataques não nucleares contra a Rússia que ameaçassem a sua existência.

É notável que a Rússia tenha, aos olhos dos EUA, mentido sobre ameaças que lhe teriam sido colocadas pela Ucrânia e pelo ocidente.

O que diz a administração Biden?

A administração Biden está a ser muito cuidadosa ao apoiar a Ucrânia sem se envolver diretamente no combate militar. E está a deixar bem claro que os EUA não mudaram o nível da sua ameaça nuclear.

Tudo o que a administração diz está focado em obrigar a Rússia a recuar sem utilizar o exército norte-americano.

É por isso que os EUA rejeitaram o apelo do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de criar uma zona de interdição do espaço aéreo sobre a Ucrânia. “O que queremos neste momento é reduzir a retórica e a tensão”, disse o assessor de imprensa Jen Psaki, na segunda-feira.

Qual é a política dos EUA quanto à utilização de armas nucleares?

Os EUA também não têm uma política de “não utilização em primeiro lugar” e permite a “autoridade exclusiva” do Presidente de utilizar armas nucleares e a maioria dos presidentes disseram que a “única finalidade” seria a dissuasão nuclear.

O antigo Presidente Donald Trump parecia ter alargado o universo de possíveis cenários nucleares para incluir “ataques estratégicos não nucleares significantes”.

Espera-se que a Administração Biden conclua a sua própria Revisão da Postura Nuclear, feita tradicionalmente por novos presidentes, no início deste ano. A revisão estabelece uma abordagem da política de armamento nuclear da administração. Estas revisões são muitas vezes confidenciais. Enquanto candidato, Biden sugeriu que seguiria uma estratégia de “única finalidade”, o que significa que a força nuclear apenas pode ser utilizada para dissuadir ou retaliar um ataque nuclear contra os EUA e os seus aliados.

Mesmo antes de a guerra ter começado na Ucrânia, os especialistas não esperavam um grande desvio das políticas de anteriores presidentes.

Não há margem para erros

Collina diz que o seu receio é o de uma guerra nuclear começar por acidente.

“O que me preocupa é que, à medida que aumentam o nível de alerta ou o nível operacional das suas forças nucleares, se o fizerem, torna-se mais possível a hipótese de começar uma guerra nuclear por acidente”, disse ele, referindo que se passaram 77 anos desde que os EUA se tornaram o primeiro e último país a detonar uma bomba atómica. Uma arma nuclear detonada durante uma guerra atualmente levaria a uma reavaliação da parte das potências que têm reservas.

“Seria uma catástrofe devastadora para as pessoas que estivessem no terreno, mas também para o mundo, a partir desse momento”, disse ele.

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