Agricultores ucranianos estão a arriscar a vida para limpar minas nas terras que querem cultivar

CNN , Rebecca Wright, Ivan Watson, Olha Konovalova e Tom Booth
29 mar 2023, 10:05
Oleksandr Havriluk minas agrícolas Fotos CNN

Agricultores de toda a Ucrânia enfrentam uma escolha difícil: correrem o risco de limparem os campos de explosivos para a época de plantio ou prepararem-se para ficar mais um ano sem rendimentos.

Na primeira vez que Oleksandr Havriluk regressou à sua quinta, depois de ela ter sido invadida e ocupada pelas tropas russas, as lágrimas rolaram pelo seu rosto quando: ele viu o que eles deixaram para trás.

As suas instalações agrícolas foram quase completamente destruídas, maquinaria pesada no valor de milhões de euros tinha sido deixada em ruínas e a colheita de trigo do ano passado tinha sido incinerada.

Mas o problema mais premente para Havriluk eram as minas que tinham sido enterradas nos seus cerca de 30 quilómetros quadrados de campos circundantes.

Agora, o homem de 69 anos está a desenterrá-las à mão, num esforço desesperado para limpar alguns dos seus campos antes do início da época de plantio, no princípio de abril.

“Estava com medo”, disse Havriluk. “Mas eu tenho de semear”.

Oleksandr Havriluk com algumas das minas anti-tanque russas que desenterrou nos seus campos utilizando um detetor de metais. Rebecca Wright/CNN

Havriluk diz ter removido, até agora, cerca de 20 minas dos seus campos em Valika Komyshuvaha, perto da cidade de Izium, utilizando apenas um detetor de metais que ele próprio comprou.

“Tu vais, encontras, pegas num pau, tocas para determinar o tamanho, e depois desenterra-las", conta. “E depois pegas suavemente nela e tiras cá para fora”.

 O trabalho é perigoso, admite, mas acrescenta: “Não tenho outra escolha”.

Os agricultores de toda a Ucrânia enfrentam uma escolha difícil: limparem os campos de explosivos para se prepararem para a época de plantio, ou contemplar mais um ano sem rendimentos.

A invasão russa já estrangulou as exportações de cereais da Ucrânia - um dos grandes celeiros do mundo - e contribuiu para o aumento dos preços de produtos básicos, como pão e cereais, mesmo após um acordo negociado pelas Nações Unidas que permitiu a passagem de navios ucranianos através do Mar Negro.

Os militares ucranianos estimam que cerca de um terço do país esteja atualmente contaminado por munições por explodir, pondo em perigo a colheita deste ano, ao deixar enormes áreas de terra fértil em pousio, devido aos restos letais de uma guerra que continua a ser travada.

Nos últimos meses, vários trabalhadores agrícolas foram feridos ou mortos quando trabalhavam nos seus campos, incluindo um homem de 65 anos que morreu instantaneamente quando pisou explosivos perto da aldeia de Chervone, no sul da Ucrânia, de acordo com as autoridades locais.

Uma das instalações agrícolas destruídas de Havriluk. Rebecca Wright/CNN

Estão já a decorrer operações de desminagem de campos, mas trata-se de um trabalho lento e dispendioso.

Sapadores das Forças Armadas ucranianas desativaram 45 mil engenhos explosivos ao longo do ano, segundo fonte oficial dos militares.

A HALO Trust, a maior organização mundial de desminagem, emprega atualmente 700 funcionários na Ucrânia, um número que prevê quase duplicar até ao final do ano.

“A escala da contaminação é enorme, e está espalhada por todo o país”, disse à CNN Mairi Cunningham, que dirige o grupo de trabalho de desminagem do HALO Trust na Ucrânia.

“A escala do problema não é para uma organização, é um esforço nacional”.

Edifícios e maquinaria pertencentes ao agricultor Oleksandr Havriluk destruídos. Rebecca Wright/CNN

Além de quererem garantir a segurança da população, os terrenos agrícolas estão a ser tornados uma prioridade também para “assegurar que a Ucrânia possa voltar a pôr-se de pé”, disse Cunningham.

O “maior desafio” é a falta de padrões, disse Cunningham, uma vez que há diferentes tipos e densidades de munições espalhadas pela vasta área geográfica da Ucrânia - o segundo maior país da Europa, depois da Rússia.

“Estamos a encontrar minas antiveículos, tanto de metal como de plástico. Estamos a encontrar minas antipessoais”, disse Cunningham. “Estamos a ver minas antipessoais de ligação e fragmentação em fios de tropeçar, granadas em fios de tropeçar e também estamos a encontrar munições de fragmentação”.

Segundo explicou, não há uma abordagem “pronto-a-vestir” para o esforço de desminagem, que exige sim “métodos à medida”, pelo que é importante “ser capaz de formar pessoal adequadamente”.

Remover todas as minas levará anos, disse Cunningham, uma vez que a estimativa é de que normalmente um dia de guerra equivale a vários meses de trabalho de desminagem.

E com um conflito ativo ainda em curso, as operações só podem ter lugar longe das frentes da guerra, para proteger a segurança dos sapadores e de pessoal.

Mas os peritos exortam os agricultores a não fazerem as coisas pelas suas próprias mãos.

Um edifício destruído que pertence ao agricultor Oleksandr Havriluk. Rebecca Wright/CNN

“Levantar minas antitanque é extremamente perigoso”, disse Cunningham. “Há frequentemente dispositivos anti-elevação concebidos especificamente para matar e ferir pessoas que tentam fazer isso”.

Mas os avisos de segurança não vão impedir Oleksandr Havriluk de cumprir a sua missão.

Segundo afirma, ele construiu a sua quinta do zero ao longo dos últimos 25 anos e irá reconstrui-la novamente, para assegurar o futuro da sua família.

“O mais importante é limpar os meus campos”, remata.

 

Victoria Butenko e Svitlana Vlasova contribuíram para este artigo.

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