São várias histórias de bastidores agora reveladas. Em "War", o novo livro de Bob Woodward, conceituado jornalista norte-americano que ficou famoso por revelar o escândalo Watergate, há um grande destaque para a forma como os Estados Unidos lidaram com a invasão russa, desde a negação até ao receio das armas nucleares
A Rússia vai invadir a Ucrânia com 175 mil soldados. O aviso foi feito diretamente ao presidente dos Estados Unidos cinco meses antes de se tornar realidade, em outubro de 2021, numa reunião em que ficou patente como Joe Biden achava aquela ideia uma loucura - ao ponto de não ter acreditado nela -, mesmo que no terreno já se perfilassem os carros de combate e os tanques que entrariam dia 24 de fevereiro em território ucraniano.
O momento dessa conversa é um dos destaques do novo livro de Bob Woodward, conceituado jornalista norte-americano que ficou famoso por revelar o escândalo Watergate, e que agora chega com “War” e uma série de histórias da administração Biden.
Numa pré-publicação a que a CNN teve acesso, o jornalista refere que o diretor da CIA, Bill Burns, revelou a Joe Biden que havia informações credíveis da preparação de uma invasão russa para breve.
“Foi um golpe de inteligência surpreendente das joias da coroa das secretas dos EUA, incluindo uma fonte humana dentro do Kremlin”, descreve Bob Woodward, confirmando que Washington DC consegue operar com espionagem ao mais alto nível, até no seio do seu inimigo.
“Era como se tivessem entrado secretamente na tenda do comandante inimigo e estivessem debruçados sobre os mapas, a examinar o número e o movimento das brigadas e toda a sequência planeada para a invasão em várias frentes”, escreve Bob Woodward.
Joe Biden e os seus conselheiros concordaram que o plano era “muito sério”, mas não acreditaram totalmente que se pudesse vir a desenvolver.
“É isto que Putin planeia fazer”, disse o diretor da CIA, Bill Burns, a Joe Biden, segundo Bob Woodward.
“Isso seria uma loucura”, respondeu o presidente norte-americano. “Jesus Cristo!”, continuou Biden. “Agora tenho de lidar com o facto de a Rússia engolir a Ucrânia?”
O presidente norte-americano tentou de imediato estabelecer contactos diplomáticos com o homólogo russo. Em dezembro de 2021 confrontou, por duas vezes, Vladimir Putin. Primeiro por videoconferência e, depois, numa “chamada de 50 minutos” que Bob Woodward conta que ficou tão intensa que, a certa altura, o presidente russo “levantou o risco de uma guerra nuclear de forma ameaçadora”.
Joe Biden respondeu recordando a Vladimir Putin que “é impossível ganhar” uma guerra nuclear, confirmando que esse cenário era um dos receios dos norte-americanos.
Apesar dos repetidos avisos, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, rejeitou a ideia de que Vladimir Putin iria realmente invadir o país, mesmo depois de a vice-presidente Kamala Harris lhe ter dito, durante uma reunião em fevereiro de 2022 na Conferência de Segurança de Munique, que uma invasão estava iminente.
A agora candidata democrata à presidência garantiu ao presidente da Ucrânia que precisava de “começar a pensar em coisas como ter um plano de sucessão para administrar o país caso seja capturado ou morto ou não puder governar”. Depois da reunião, escreve Bob Woodward, Kamala Harris confessou que estava preocupada com o facto de poder ser a última vez que o viam.
Uma das cenas mais dramáticas de “War” revela o quanto Joe Biden e a sua equipa de segurança nacional ficaram alarmados com a perspetiva de Vladimir Putin utilizar armas nucleares na Ucrânia, hipótese que, até ao momento, não se verificou.
Em setembro de 2022, já com a guerra em andamento, relatórios dos serviços secretos dos EUA considerados “requintados” revelaram uma “avaliação profundamente enervante” de Vladimir Putin - que estava tão desesperado com as perdas no campo de batalha que poderia usar armas nucleares táticas na Ucrânia.
“Em todos os canais, entrem em contacto com os russos”, pediu Joe Biden ao seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan. “Diga-lhes o que faremos em resposta”, acrescentou, de acordo com Bob Woodward.
A situação estava tensa, como provou depois um telefonema entre o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, e o seu homólogo russo, Sergei Shoigu, em outubro de 2022.
“Se fizerem isso [utilizar armas nucleares], todas as restrições que temos operado na Ucrânia seriam reconsideradas”, disse Lloyd Austin a Sergei Shoigu, de acordo com Bob Woodward. “Isto isolaria a Rússia na cena mundial a um nível que vocês, russos, não conseguem perceber totalmente”.
“Não gosto de ser ameaçado”, respondeu Sergei Shoigu.
“Senhor ministro”, continuou Lloyd Austin, de acordo com Bob Woodward, “eu sou o líder do exército mais poderoso da história do mundo. Não faço ameaças”.
Dois dias depois, os russos solicitaram outra chamada. Desta vez, o ministro russo da Defesa afirmou, de forma dramática, que os ucranianos estavam a planear usar uma “bomba suja” - uma história falsa que os EUA acreditavam que o Kremlin estava a usar como pretexto para utilizar uma arma nuclear.
“Não acreditamos em si”, respondeu Lloyd Austin com firmeza. “Não vemos quaisquer indícios disso, e o mundo vai perceber isso", reiterou, pedindo a Sergei Shoigu que isso não fosse feito.
“Compreendo”, respondeu o ministro russo.
“Foi provavelmente o momento mais arrepiante de toda a guerra”, disse mais tarde Colin Kahl, um alto funcionário do Pentágono, sobre o episódio.