A Suíça deixou de ser neutra por "prestígio" e "defesa de um modo de vida". Segue-se a entrada na NATO? "Jamais"

2 mar 2022, 08:00
Soldados ucranianos em Kiev. Foto: Sergei Supinsky/AFP/Getty Images

Depois da Suécia e da Finlândia (e até da Noruega), a Suíça juntou-se ao grupo de países que estão a quebrar a sua neutralidade histórica porque a invasão russa da Ucrânia está mesmo a mudar paradigmas

A Suíça deixou cair a neutralidade e avançou com sanções contra o regime de Putin: além de ter fechado o espaço aéreo aos voos com origem na Rússia, também decidiu aplicar as sanções económicas que a União Europeia acordou em relação aos bens do Presidente russo. Portanto: a neutralidade caiu, haverá mais passos históricos a seguir (nomeadamente uma entrada na UE ou na NATO)?

Para o embaixador António Martins da Cruz, isso é uma questão que nem sequer se coloca: "A Suíça jamais entrará na NATO. O facto de ter quebrado, por uma vez, a sua neutralidade em relação ao caso da guerra na Ucrânia não quer dizer que queira aderir à NATO". Na ótica do diplomata, esta atitude por parte dos suíços tem que ver com duas questões: o facto de condenarem a atitude da Rússia e a pressão por parte da opinião pública. 

António Martins da Cruz não acredita que esta mudança de atitude tenha consequências para a Suíça - "não creio que o senhor Putin vá dirigir mísseis por causa disto" -, até porque, do conhecimento que tem dos anos em que viveu em Genebra, os suíços são "muito prudentes" e não tomariam nenhuma decisão sem primeiro "analisar os prós e os contras". "Não creio que corram riscos. O alcance das sanções por enquanto decididas é muito menor do que aquelas que foram tomadas pelos países da União Europeia, pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido."

"A Suíça percebeu que o seu prestígio ficaria altamente prejudicado"

A Suíça já foi considerada pela União Europeia um paraíso fiscal e é um dos destinos de eleição dos oligarcas russos para guardarem e depositarem dinheiro. E é exatamente por isso que o comentador da CNN Portugal e embaixador Francisco Seixas da Costa entende que a tomada de posição da Suíça "vem na sequência da pressão internacional" sobre as questões como a lavagem de dinheiro e de contas que utilizavam este país "como plataforma para financiar o terrorismo".

Relembrando que a Suíça "já tem uma forte ligação à União Europeia, nomeadamente no quadro de Schengen", e à NATO, com a integração na Parceria para a Paz, Francisco Seixas da Costa diz que este "gesto raro" se deve à perceção de que a Suíça "não poderia ser uma espécie de ilha num mundo que estava a reagir a uma grosseira violação do direito internacional". "A Suíça percebeu que o seu prestígio ficaria altamente prejudicado e que o mundo ocidental não a perdoaria se, por uma peculiaridade no seu estatuto, não abrisse esta exceção. Vive desde o século XIX com este estatuto de neutralidade, que se pode dizer que lhe foi imposto mas, no mundo atual, esse conceito é muito difícil de sustentar. O mundo está a mudar em matéria de direito internacional e a Suíça percebeu isso. Deve ter sido um esforço grande, e foi um ato de alguma coragem, porque é uma exceção a uma regra com dois séculos. É, no fundo, um gesto de solidariedade."

Ainda assim, o embaixador "não acredita" que este "momento único" se traduza numa maior integração da Suíça com a União Europeia e com a NATO.

"É um posicionamento político em defesa de um modo de vida"

Lívia Franco, professora e investigadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEP-UCP), também partilha da mesma opinião do embaixador António Martins da Cruz. Ou seja, que a Suíça "é sempre muito cautelosa ao tomar medidas que possam quebrar o seu estatuto de neutralidade".  Ainda assim, este gesto tem "um significado muito importante". 

A especialista realça que este é apenas um "posicionamento político em defesa de um modo de vida" que foi perturbado por um conflito bélico, à semelhança do que tem acontecido com quase todos os países do Ocidente. Quanto a uma possível reação por parte da Rússia, Lívia Franco também não acredita que esse cenário seja possível. Com um papel único na economia europeia, onde tanto a Rússia como os oligarcas do país estão inseridos, a Suíça beneficia de uma posição estratégica que dificilmente alguém tentará perturbar, explica a investigadora. Em caso de retaliações, entende que o alvo será o mesmo: a Ucrânia.

"Acho que não são esperadas quaisquer retaliações. Nem o regime russo, nem Putin, nem os oligarcas querem dificultar as relações com um país como a Suíça. Tal como tem acontecido, as retaliações vão ter um só alvo, a Ucrânia".

O governo helvético e as autoridades suíças estavam nos últimos dias sob uma grande pressão internacional para se alinharem com a União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos quanto às sanções aplicadas a figuras e instituições russas. Ao final de seis dias de guerra, cedeu à pressão e deixou cair a sua neutralidade histórica.

O alto representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell, também reagiu a esta mudança de atitude: "É uma excelente notícia que a Suíça se junte aos esforços da União Europeia, que lute a nível financeiro, que lute contra a corrupção e que lute contra o dinheiro sujo dos oligarcas que apoiam Putin, que estão a ser alvo de sanções europeias e que irão continuar a sê-lo".

Relacionados

Europa

Mais Europa

Patrocinados